Prefácio
A cada novo dia, a cada novo caminhar, a cada novo canto, a natureza sempre nos encanta. Pelas estradas e pelos carreiros de “Folhas e Gravetos” os passos não se apressam, mas os olhos apreciam o imenso tapete, caprichosamente pintado pela natureza. Em sua maioria, o verde predomina, mas em muitos momentos, as cores bordadas nesse imenso tapete se revelam, seja em flores, seja em pássaros ou em pequenos insetos e anfíbios multicores. O reflexo das cores, refletida nos olhos, nos enche de inspiração. Os sons nos conduzem a olhares involuntários, nos dando paz de espírito. Os cheiros nos trazem lembranças e descobertas, o vento, conduz os galhos numa espécie de balé, e o chocalhar das folhas, criam uma canção de ninar, acalentando os filhotes em seus ninhos de gravetos.
A natureza nos presenteia a cada dia.
Quando a janela da manhã de um novo dia se abre, se vê um novo plano de fundo
dos retratos da vida. Se a paisagem não é de admiração, nos serve como
contemplação para uma reflexão, uma faxina da alma.
A floresta da vida, é cheia de beleza, de flores, mas também de espinhos, que saibamos colher as flores e frutos, sem nos ferirmos com os eventuais espinhos. Que saibamos ouvir os pássaros, que na natureza, cantam de alegria, mas se engaiolados, cantarão de tristeza. Que sempre nos prendamos na admiração de sua melodia, mas que nunca os façamos de presa, tirando seu canto, que nos encanta.
Vida breve
01 de novembro de 2015
Hoje eu tive observando a natureza e vendo quão grande é o poder de Deus ao ver que em poucos dias após a primeira chuva da primavera, a vegetação já se regenera, aí é que enxergamos o poder de Deus. Apesar do ambiente meio inóspito e improvável, esta planta (alho-bravo) brota, floresce e solta a semente perpetuando sua espécie em tempo recorde, se comparada às demais plantas. Dando a entender que a vida é breve e que não devemos nos prender às coisas materiais, mas sim as que verdadeiramente faz sentido na vida, conviver com a natureza sem degradá-la e respeitando tudo e todo ser vivo que nela existe, pois Deus criou tudo com um propósito, uma cadeia evolutiva fantástica, onde cada ser depende de outro para sua sobrevivência.
Foto: Fazenda Boa Sorte do Sr. Lindolfo (Dô Maroto)
4 de dezembro de 2015
Na simplicidade da roça, a natureza agradecida, começa a resplandecer sua beleza, às vezes ocultada pela força da natureza, mas depois se mostra, também pela força da natureza, mas agora com mais vida, dando vida a tantos outros seres!
Foto: Fazenda Boa Sorte do Sr. Lindolfo (Dô Maroto)
A Velha Roda
14 de agosto de 2016
Hoje, domingo, dia dos pais, estava eu na Boa Sorte, contemplando a natureza, e ao observar uma velha roda de carro de boi, à primeira vista, se vê um objeto em estado de degradação, se sucumbindo fadada ao seu próprio fim. Mas com um olhar mais poético, vê-se toda uma história de vida, retratando um tempo de muita lida e peleja.
Roda esta, que fora deixada propositalmente, embaixo da sombra, para que o tempo faça o seu papel, visto que não podia simplesmente “desmantelar” de um objeto que fora de grande utilidade num tempo em que o tempo passava tão devagar, que as viagens de carro de boi duravam o dia todo. E esta roda, girava vincando e imprimindo sua história nas estradas empoeiradas, levadas ao som do aboio do carreiro, assentado no cabeçalho com seu chapéu de couro cru, e ao som do eixo que emite um som, ora grave, ora agudo, ora zumbindo em conformidade da madeira que fora construído, ecoavam, por entre os boqueirões. E o cachorro de orelhas caídas, fiel companheiro do senhor carreiro, vinha andando debaixo da sombra do carro de boi, se protegendo do sol a pino, já com as costelas à mostra, e “arquejando” visto que saíram cedo de casa e ainda demora a chegar em casa pra comer dois ou três bolos de feijão escaldado e descansar na sombra atrás da casa da roda.
Quando era pra se fazer farinha a lida começava antes do sol despontar atrás da serra que ao amanhecer já estavam arrancadas, de seis a dez buracas de mandiocas que eram trazidas para a casa da roda, onde meia dúzia ou mais de mulheres de sorrisos abertos com seus lenços estampados na cabeça, raspavam e só finalizavam o dia de labuta, à noite com a torrada de farinha, iluminada pelos candeeiros, regada de boas risadas, café e também uma ou duas doses de “limpa garganta” da boa, (pra quem apreciava), pra não quebrar o ritmo das “conchadas” das pás feitas de cabaça, pra direita e pra esquerda e sempre jogando a farinha pra cima, deixando os cabelos que teimavam em sair na beirada do lenço, já embranquecidos, mais brancos ainda.
E hoje coincidentemente, dia dos pais, remeto-me a pensar nos filhos dessa geração, que apesar das adversidades, foram criados e moldados com valores morais, de honestidade e de respeito, quase raros nos dias de hoje, onde os “carros” não mais de boi, andam num ritmo frenético para atender as demandas de consumo de uma nova geração do consumo desenfreado.
Fotos: Fazenda Boa Sorte do Sr. Lindolfo (Dô Maroto)
Pedra sobre Pedra
01 de setembro de 2016
Esta paisagem é um contraste entre a beleza rústica da natureza e a imposição. Beleza ao ver uma primorosa obra servindo como plano de fundo de um belo retrato da natureza, mas ao mesmo tempo a mesma paisagem, tem uma conotação de determinação, de imposição de um ofício, construídas por homens determinados e resistentes, mas ao mesmo tempo subservientes aos seus senhores, que trabalhavam muitas vezes por um prato de comida, deixando suas marcas para a eternidade.
As crianças com sua docilidade, alegria e os olhinhos de um brilho intenso que ofusca o cinza das pedras dessa, quase centenária, cerca de pedras, construída por homens de pele cinza, de roupas cinzas de olhares cinzas, de sorriso cinza, aliás a paisagem também cinza, muito talvez, pelas cinzas dos capinzais que mesmo queimados ao longe, viajavam ao sabor dos ventos e sutilmente pousavam na aba do chapéu dos homens cinza, que esfregava a testa pra que seu "suor sagrado" não escorresse e inundasse seus olhos cinzas.
Empilhando as pedras, uma após outra, fitava um olhar cansado no carreiro que vinha ziguezagueando por entre lajedos, rochedos, pés de aroeira e paineiras, pra ver se os moleques das onze horas, que quase sempre se atrasavam -visto que traziam consigo o seu inseparável estilingue, com uma “capanguinha” de pedra e um fiel cachorrinho que, ao menor movimento suspeito, avidamente adentrava-se no mato com o rabinho detectando alguma presa, mergulhava por entre a vegetação e açoitava uma preá ou uma lagartixa e logo o prato de comida era deixado de lado por alguns longos minutos.
Retomando a caminhada, despontavam-se com o prato coletivo na cabeça, que de tão grande, era posto sobre uma “rudia” feita do pano de prato (bordado com motivos florais) enfaticamente repetido por sua mãe: “que o trouxesse de volta”, porque tinha outras utilidades e não tinha mais que dois ou três, -que foram presentes da visita da comadre em uma tarde de domingo- pendurados na parede da cozinha caprichosamente “caiada” de branco, mas que já se amarelava devido a fumaça do fogão à lenha, embarreado com argila branca “entremeada” de partículas de malacachetas que “reluziam” à noite com a luz do candeeiro. Fogão esse, que acendia-se cedo e somente se apagava após o término da “Voz do Brasil” com as brasas ficando acanhadas até perderem o brilho, já anunciando a hora de dormir.
O prato só viria ao cair da tarde trazido pelos homens de pele cinza, mas agora com o olhar não mais cinza, mas com sorrisos estridentes entre uma tragada e outra no cigarro de palha, feito caprichosamente, depois de ter esfarelado o fumo entre as palmas das mãos calejadas e descamadas, pelas tantas pedras apanhadas e empilhadas durante o longo dia. Após esfarelar o fumo e com a palha entremeada entre os dedos, passava-se ligeiramente na língua para amaciar a palha, derramava-se o fumo, e após fechar, acendia com o boque -uma espécie de isqueiro rústico- confeccionado da ponta de chifre, enchia-se de algodão pré-queimado batia-se uma pedra de cristal em um pedaço de ferro fundido e pronto, estava acesa a fagulha do tão apreciado cigarro, depois tampava-se com a tampa feita de cabaça, selando assim, mais um dia de labuta.
Mas com o início do mês de setembro já com o prenúncio das chuvas, em poucos dias, após as primeiras chuvas, as “pedras cinzas” ganhavam uma tonalidade esverdeada pelos lodos e limos que as envolvem, trazendo mais vida em um ambiente que outrora era cinza e hostil, mas que agora resplandece de vida e de um brilho intenso, talvez seja o brilho dos olhos cinzas, que agora brilham de alegria, ao verem o verde que cobre toda a paisagem, e com um belo arco-íris como que coroando um cenário, com um misto de beleza e rusticidade, com o João-de-barro, anunciando o raiar de um novo dia - com sua casa sabiamente, construída em uma paineira, com a entrada voltada ao contrário do “assopro” das chuvas, para que não inunde seu castelo de um só cômodo -, com pássaros de olhos coloridos cantando e pousando na cerca de pedra, que foram construídas para delimitar e demarcar limites, mas os pássaros não conhecem esses limites, e transgridem graciosamente as leis da natureza, na qual o homem tenta impor limites.
Foto: meus três filhos e sua priminha (à esquerda) em uma tarde de domingo num lugar chamado Lagoinha em Boa Sorte, no município de Curral de Dentro/MG
Pequenas e Belas
10 de outubro de 2016
Muitas vezes a beleza da natureza, passa despercebida, face à falta de sensibilidade humana, mas há belezas ainda que minúsculas, que tem seu significado e importância para o equilíbrio ecológico e sobrevivência de muitas espécies, e por serem pouco vistas são pouco cobiçadas, e por isso não são desejadas e retiradas de onde Deus as pôs, nem por isso perde o seu encanto! Mas encantam os olhos de quem consegue vê-las!
Foto: Em uma lagoa a 01 Km do final da Rua Unaí em Curral de Dentro/MG- Boqueirão das Caraíbas
Raízes ao sol03 de dezembro de 2016
Ao ver uma imagem dessas nos deparamos com um grande dilema: Uma vida que foi ceifada pela força da natureza, ou pela força mecânica imposta pelo homem, agora meramente, servindo de pista de mão dupla para formigas e cupins.
Uma imponente árvore que fora abrigo para cavaleiros que paravam ao meio dia, para descansar embaixo de sua imensa sombra, ou de uma cotia com seus filhotes que passava por ali à procura de um banhado onde seus filhotes pudessem se alimentar de relva verde e macia. Árvore majestosa e talvez centenária, agora com suas raízes expostas, que outrora alcançavam quase o centro da terra, mas que agora estão expostas e se dessecando até tornarem gravetos ressecados que cairão sobre a terra, recomeçando o ciclo da vida, mas que uma dia, serviu de suporte para ninhos de tico-tico, de garrancheiros, para o João-de-barro erguer seu castelo de um cômodo só. Até mesmo para cegonhas que em gerações passadas, ficavam pousadas esperando a madrugada, para entregar o menino chorão. Que acreditavam os mais novos, serem trazidos por essas bondosas aves vestidas de branco, de voo suave e elegante, que entregavam a encomenda, e alçavam voo para levar o próximo “olho de jabuticaba com cabelos crespos” aos seus pais, que esperavam ansiosos já com a "losna" pronta para os compadres degustarem e gentilmente falar “esse menino é a cara do pai” para tomar mais uma.
Como a parte inferior da árvore não tem valor comercial, o tronco já fora vendido e transformado em tábuas que certamente poderão está em janelas sem graça, de casas suntuosas, muitas vezes sempre fechadas, igualmente a seus donos fechados em seu mundo de valores materiais, ou em mesas imensas onde as refeições sobram aos montes, e não são lembradas das milhares de bocas famintas, que saciariam sua fome com menos da metade que irá para o lixo.
Involuntariamente a natureza oferece sua riqueza ao homem, que no seu anseio de realizar desejos e caprichos materiais, acabam degradando o que fora criado para o seu próprio sustendo e perpetuação de tantas formas de vida, que por puro capricho, acaba inconscientemente ou irresponsavelmente destruindo toda uma cadeia de vida, que foi criada justamente, para que a natureza se resplandeça em forma de cantos, sons, graça e cor, que na natureza, a cor é quase infinita, e sem ela a vida não seria tão alegre, portando, que sempre valorizemos nossas raízes, porque sem elas não teremos sustentabilidade e sabedoria, para manter de pé qualquer sonho e objetivo a ser alcançado.
Foto: Tronco de árvore caído à beira da estrada para Laranjão, município de Curral de Dentro/MG.
Parceiros da Sobrevivência
14 de Fevereiro de 2017
Em uma incursão numa matinha próximo de casa com meu filho Gabriel, estávamos testando suas habilidades de fazer armadilhas para pegar pássaros, vistas pelo youtube, quando me deparei com essa dupla, unidas talvez, num abraço de amizade, ou para unir forças para sua sobrevivência. Esses dois símbolos que simbolizam e sintetizam muito bem, a resistência dos seres e plantas diante das adversidades onde o seu criador sabiamente lhes deu o instinto e mecanismos de sobrevivência, para se defenderem dos predadores e poderem perpetuar sua espécie.
De um lado, o mandacaru (cacto), que gentilmente cede seu colo para o apoio do cupinzeiro. Ele com seus pelos em forma de espinhos que protegem seu interior, protegendo um raro elemento da natureza em tempo de seca. Pra aguentar a época de seca onde desde o nascer do sol os dias são quentes, suas águas ficam armazenadas por longos períodos, em seu tempo, fazem florescer e transformar em frutos para alimentar os próprios seres que um dia quisera te devorar, só não o fez por causa de seus pelos em forma de agulhas afiadas. Mas ele não é de todo arredio e inóspito, visto que no tempo certo oferece seu doce fruto às aves e animais que um dia quisera rasgá-lo pra disputar seu encharcado caule. De uma árvore à primeira vista hostil, se torna sublime indispensável à outras vidas.
Aliado a ele está o cupinzeiro que não lhe fará mal algum visto que sua madeira é inundada, e não é a madeira apreciada pelos cupins, por isso mesmo se tornou uma relação de confiança e convivência pacífica e duradoura, e os cupins sabiamente aliaram a ele pra sua segurança visto que o tamanduá certamente não desafiaria escalar essa árvore, e talvez nem os pássaros conseguem atravessar esse emaranhado de agulhas afiadas. Mas também num gesto de bondade e cooperação entre seres e elementos da floresta, gentilmente oferecer sua face pra que o sabiá e o tico-tico possam descansar um pouco de seu longínquo voo pela vida e pela sobrevivência. E até mesmo servir de abrigo para os periquitos fazerem seus ninhos escavando e fazendo seu ninho, protegendo assim seus filhotes da jiboia que também não conseguiria escalar essa sábia e generosa árvore do cerrado.
É a natureza nos dando uma lição de vida e de sabedoria, de como sobrevivermos num mundo com suas asperezas, mas que infinitamente, suas belezas são maiores e sobrepõem aos pequenos e insignificantes obstáculos. Deus criou tudo com um propósito e importância, cabe a nós seres humanos entender, porque a natureza e os animais já nascem sabendo, que um dia aprendamos com eles.
Foto: Matinha a uns 200 metros do final da Rua Unaí em Curral de Dentro/MG
Casa Grande
22 de Fevereiro de 2017
Esta imponente e centenária moradia, uma senhora e anciã, seguramente atravessando mais de um século de existência e resistência, construída por homens fortes, pra servir de moradia pra algum senhor de posses. Casa cheia de histórias e misticismos, com suas grossas paredes de adobe, erguidas à “tição” (transversal), com seu alicerce e calçadas de pedra, obrigatoriamente rodeadas e decoradas com os resistentes e singelos pés de boa-noite, com suas flores brancas, vermelhas e até rosas, em forma de pequenas sombrinhas, tais quais às sombrinhas das mulheres que frequentavam a casa em tardes de domingo. Seus largos e altos portais, com imensas portas e janelas, que parecem grandes olhos cansados, que fitavam o olhar daqueles meninos, que desafiassem a passar sozinhos defronte ela, e qualquer calango correndo por entre folhas secas, já era motivo pra se assombrar e apertar o passo, mesmo em dia de sol claro e luminoso.
Apesar da aparência que os anos imprime em sua face, hoje abatida e descascada, esta sede, nos tempos áureos, tempos de muita fartura, foi cenário de muita gente, seja por labuta, ou por visitas em tardes de domingo. Também serviu como abrigo de muitos que por ali passavam, seja pra se aguardar as chuvas de novembro amansarem, pra depois seguir viagem, seja pra pousar e passar a noite, que aliás, era um prazer dos anfitriões, porque seria noite de muita prosa –desde o nascer da lua por detrás da Serra do Anastácio, que vinha cortinando seu clarão, alvejando suas paredes caiadas de branco– e as prosas iam até chegar a hora de dormir, que rigorosamente não podia se estender além das oito, oito e meia.
–O senhor pode vir banhar os pé pra “agasaiar” no quarto da varanda.
De tempos em tempos, uns trinta dias antes do acontecimento, corria-se a notícia que o padre viria, cuja data, já estava cuidadosamente circulada na folhinha pendurada na parede, próxima ao cabideiro de pendurar os chapéus. Cantinho onde sempre ficava o trio: um chapéu de sola de couro curtida, -já azulegado (acinzentado), pelas tantas chuvas, e pelos tantos sóis que cuidou, pra não esturricar os cabelos brancos do seu fiel e inseparável dono-, o velho chicote de cabo trançado, com uma argola entremeada no final do cabo e um par de esporas, com suas rosetas de aço inox, de sete pontas.
Aí a mula preta era arreada, atravessava lajedos, córregos, embrenhava-se por carreiros vincados nos imensos mangueiros de capim colonial, onde dava pra ver somente o velho chapéu surrado do portador, que ficava encarregado de espalhar a notícia, há tempo, pros preparativos que seriam arranjados e providenciados pro grande dia.
Aproveitando que o Padre vai vir, era dia dos solteiros estrear aquela calça de tergal azul marinho com a camisa listrada, e pros rapaz “mais ou menos” até mesmo estrear o terno risca de giz, com o chapéu “prada”, com uma das abas ligeiramente arqueada mais que a outra de propósito, talvez pra que a pretensa mocinha, avistasse seu dente de ouro encravado num rote, cujo brilho reluzia como uma faísca, ofuscando o olhar da acanhada mocinha debaixo de sua sombrinha cor de rosa.
Aproveitando que o Padre vai vir, era dia de batizar aquele mancebo, já com seus treze anos, que já estava passando da data de batismo visto que padre era visita rara e ilustre. Tava ele, com uma pequena cicatriz de anteontem, quando o barbeiro, numa de suas tantas risadas, deixou escorregar ligeiramente, sua navalha, fazendo um pequeno arranhão. Por tradição, se o padrinho tivesse uma ou duas cabeças de gado era bom, pra resguardar o futuro do afilhado, caso seus pais fechassem os olhos antes do tempo.
Aproveitando que o Padre vai vir, um dos meninos a serem batizados, havia ganhado um sapato novo, e ficava de olho, um no sapato novo –pra não sujar da poeira que vinha do curral, já cheio de cavalos, com suas selas levemente afrouxadas, visto que a missa ia demorar– e outro olho na ladeira, onde o jipe verde, do padre, já vinha descendo, em primeira marcha, pra não correr o risco de o veículo desgovernar e bater na cancela, que ficava já na boca da ponte do rio da Gameleira.
E num piscar de olhos, o menino já estava na cancela, com suas tábuas largas, feitas de peroba, -aliás o oratório da sala onde a missa é celebrada, foi caprichosamente polido com óleo de peroba- era empurrada ladeira acima pra abrir, após o padre passar, o menino, por não aguentar o peso, na hora de fechar, soltou-a e a pesada cancela, angulada meio “derreada” de cima pra baixo, bate forte no mourão de aroeira, reverberando nas pedras, primeiro rio abaixo no sentido das águas e depois, ecoando um som de estalo, rio acima, por entre os ingazeiros e as imensas e frondosas gameleiras, que gentilmente cediam suas sombras pra refrescar os barrancos e as pedras, onde as moças assentavam pra lavar e arear as chinelas havaianas, pra chegarem lustrosas na missa, visto que vieram de longe assoprando as estradas empoeiradas, com suas chinelas, em um ritmo frenético, pra se chegar antes do meio dia, hora que inicia a missa. E essa sombra, é abençoada, visto que uma das senhoras, tinha uma criança de colo, e vinha num malabarismo, alternando entre a sombrinha, e o lado em que escanchava a criança. A mãe, com os músculos dos braços já doloridos, visto que ainda ontem, havia pilado dois pilões de arroz vermelho, e depois de tirado a casca, ainda tinha que pilar novamente com folhas de goiaba, pra se remover o vermelho indesejado do arroz-vermelho, então era labuta puxada e somente pra braços fortes.
Aproveitando que o Padre vai vir, era tempo de costurar aqueles tecidos comprados do mascate, que passara há seis meses e retornaria somente após a colheita dos mantimentos, pra se receber e trazer mais novidades. Embaixo do grande pé de mulungu, formava-se uma grande alegoria com uma aquarela de matizes das mais variadas cores. As moças, senhoras casadas –e até mesmo algumas resistentes vovós– com suas sombrinhas estampadas, vestidos, saias e blusas, ora rosa, ora quadriculada e em sua grande maioria, os tecidos eram estampados com motivos florais, cuja fragrância das águas de cheiro das moças, permeava do terreiro até à sala, com um misto de café, visto que vinha da cozinha, o cheiro de mais de uma “esculateira” de café, mesmo porque o padre não começava a missa antes do seu santo café.
Aproveitando que o Padre vai vir, era dia de oferecer aquela aguardente especial, guardada há meses em tonel de madeira, pras mulheres não. Pras mulheres, se servia um vinho, mas pouco, pra não aumentar as risadas e atrapalhar a missa.
Aproveitando que o Padre vai vir, o vizinho ficou sabendo que o compadre iria casar sua filha mais velha, e ofereceu um capado gordo, pra aumentar a farofa do jantar do casório. O vaqueiro da fazenda que ficava há duas léguas, visto que era dia de festa, prevendo tomar uma, duas, e não mais que três branquinhas, e depois de muitas risadas, iria chegar tarde na casa de seu patrão. Por isso, já deixou as vacas no mangueiro próximo ao curral, pra ficar fácil apartar os bezerros na segunda-feira às cinco da manhã. E nessa de aproveitar, aproveitou-se até as vísceras dos capados gordos que se foram nesse dia, pra fazer sabão, que depois serviria pra lavar o vestido da noiva que ficou empoeirado, porque o baile foi no terreiro, e a terra ficou solta por causa dos tantos saltos de tantas botas de tantos vaqueiros presentes na festa.
Êita padre que trouxe alegria “prês” povo, santo e abençoado padre. Quem “proveitô”.... “proveitô”, quem num “proveitô”, agora somente quando o padre vier de novo... quando? só Deus sabe. Porque a diocese de Araçuaí é região muito comprida, e o jipe não passa dos 50 km por hora, além disso, o Padre costuma ficar de dois a três dias pra descansar da viagem, e comer mais um franguinho.
Tem problema não. É o tempo que o mascate passa de novo, e o povo fica prevenido, cheio de cores e perfumes, pra aproveitar o dia de festa quando o Padre vier novamente.
Foto: Casa Grande (Fazenda Gameleira) - Curral de Dentro/MG, 22/02/2017.
Janela para o Mundo
08 de Março de 2017
Como testemunha de muitos por do sol, e muitos nascer de lua nova, crescente e cheias de brilhos, hoje impregnada de cupins, mas paradoxalmente entre épocas e tempos distantes, tem-se um contraste de sentido, pois, está impregnada, mas de marcas, de histórias das pessoas que por ela passaram.
Hoje, os cupins são testemunhos de sua idade, de que madeira, não se sabe ao certo, mas certo que é que resistiu aos invernos, tanta chuva de enverdecer suas madeiras de limo (lôdo), e sol de rachar suas tábuas e lagartixas usá-las como cadeiras de praia pra se aquecerem. Quantos meninos ali assentaram aguardando a volta de seu pai que fora à cidade, -passou por ela de manhã cedinho, com a capanga de ovos cuidadosamente enrolados em palhas de milho, para não correr o risco de chegar a dúzia incompleta na feira- e enquanto ele não vinha, transformava-a em parque de diversão. Um abria a cancela até o final, enquanto os outros ficavam em pé enquanto a cancela descia embalada assoprando os cabelos acinzentados, e antes dela bater, desciam e seguravam, senão o cipó de alecrim com certeza iria estalar em seus calçãozinhos rasgados, de tantas arvores que subiram durante todo o dia.
- aonde cê rasgou esse calção “minino”?
Uma rápida volta no tempo, pode-se imaginar que essa cancela, é na verdade uma espécie de “janela para o mundo” que já passou muitos “pássaros”, que ganharam o mundo além dos limites de suas tábuas, seja pra estudar na capital, pra filha ir morar com a tia, pra terminar os estudos, porque a 4ª série, ainda não tinha por essas bandas não. Seja pra se aventurar e aprenderem a voar. Outros alçaram voo tão alto, que jamais retornou às suas origens e ainda outros que voaram, e por conta do destino, não retornaram, e de lá mesmo, foram pra perto de Deus.
E não se sabe quantas vezes, a mãe sempre ficando ao fundo ainda com seu avental respingado do caldo de frango que cozinhara pros seus filhos antes da partida.
O primeiro deles, se aventurou a atravessá-la e ganhar o mundo, ainda com seus quinze anos. Além de sua mãe, o desapego mais difícil foi despedir de seu fiel companheiro, que insistentemente o seguia até a cancela. Um galho da gagaiteira que ficava ao lado da estrada bem próximo à cancela, foi retirado, pra escorraçar o seu amigo de olhinhos caídos, e rabo entre as pernas. O seu dono, ainda com os olhos inundados, mas pro bem do seu amigo de estimação, que logo entendeu o recado, e se avizinhou ao lado da mãe do seu dono, no aconchego e roçando suas pernas, como que dizendo: -ele vai e voltará em paz, uma forma de confortá-la, que também de olhos inundados, estava de bruços na cerca pra ver seu filho passar, quem sabe, pela última vez por esta passagem, com sua mala pequena de Duratex, dentro de um saco branco de pano, porque até então, o asfalto esbarrava em Francisco Sá, e até lá, as camisas brancas, poderiam amarelar o colarinho, e só haviam duas camisas brancas entre as sete, uma para cada dia da semana.
Num tempo em que as notícias, demoravam no mínimo 30 dias pra se chegar, porque não viajavam na velocidade da fibra ótica de tempos atuais, mas tinha todo um simbolismo e emoção ao receber os envelopes de bordas verde e amarelo escrito: “VIA AÉREA PAR AVION”
São Paulo, de 08 maio de 1977.
A sua benção minha
mãe. Estou escrevendo essas poucas linhas pra parabenizar a senhora pelo seu
dia, e dar minhas noticias e saber das suas. Desculpe as letra meio de
garrancho, mas é por causa do volante da betoneira, que com esse frio, os dedos
da gente ficam entrevados.
Neste domingo, o frio
aqui tá te apertar, mas bem menos que o
aperto que sinto no coração, por não tá aí com vocês. Como tão os pequenos, e o
pé de umbu já está florescendo. Se Deus quiser, antes deles começarem a cair,
quero está aí. A senhora me manda o número que os meninos calçam que quando eu
for, vou levar uns chinelinhos pra eles, um corte de pano bem bonito pra
senhora fazer um vestido, e um chapéu para o pai.
Abraços de seu filho.
Por ali, certamente passou o retratista que percorria as fazendas para fazer a foto circular da família, sempre com os pais ao meio, que depois de revelada, ficava obrigatoriamente na parede da varanda, dando as boas vindas aos visitantes. E a mãe ao responder a carta do filho, olhando sua imagem no quadro preto e branco, pendurado na parede, transformava em palavras ou seu sentimento: que Deus lhe abençoe meu filho.
E nesse abre e fecha, hoje esbarrou seus movimentos. Mas o seu vai e vem ficou, abriu um ciclo de vida, que ainda não terminou para muitos que por ela passaram, visto que ainda existe ao fundo, estrada da vida, que atravessa por ela e segue mundo afora.
Foto: Fazenda Caraíbas – Curral de Dentro/MG .
Mãozinhas ao Céu
14 de Abril de 2017
Hoje, seta-feira santa, estive observando esta árvore do cerrado que aqui se conhece pelo nome de "coité", e quando se olha mais de perto, vê-se como se fosse duas mãozinhas, como se estivessem elevando ao céu agradecendo a Deus por sua existência, ou rogando pra que chova garantindo assim, a produção de suas sementes.
Foto: matinha a uns 500 metros do final da Rua Unaí em Curral de Dentro/MG.
Pedras Empurradas
21 de Abril de 2017
Estas ruinas, já foram símbolo de fortaleza e abundância, muito peixe, muitas lavadeiras, muitas novilhas lavando seus cascos de mocotós alvos, ao beberem de suas águas. Águas represadas que saltavam por cima e batiam nas pedras abaixo, emitindo dia e noite seu “cantar”, em forma de melodia que exprimia muita paz e serenidade, que dava pra ouvir, ora debruçado no batente da alta janela da cozinha, ora assentado no alpendre –os menores, aparando água da chuva que pingava das telhas, com um sabor inesquecível- que pingava cristalina das telhas da área da casa do Sr. Nem Pereira, (avô das crianças da foto abaixo) que “decerto”, foi quem ergueu essa obra. Sem muita tecnologia, mas com muita coragem e espírito empreendedor, não medindo esforços em construí-la, e talvez também, não tinha como se medir a forças das águas, visto que essa imponente construção, durou pouco mais que uma década e meia.
O início, não se sabe, mas o verde do lôdo que banha suas pedras, conta sua história, uma construção que precisou do despertar de muitas madrugadas -visto que foram muitas mãos, muitas viagens de carro pra trazer de longe o cimento, e muitas viagens de carro-de-boi carreando as centenas ou até milhares de pedras-, mas sua construção, foi finalizada em 19/10/1960, com pedras encaixadas com cimento, encravada no barranco, com uma enorme aroeira atravessada, formando uma espinha dorsal, com outras madeiras perfiladas em pé, formando uma estrutura de emaranhado de pedras e madeiras.
Rio Gameleira, rio de águas límpidas e caudalosas, mas quando a cachoeira –que dava pra ver assentado na cerca do terreiro– descendo da Serra do Anastácio, antes era um fio brilhante que desce serra abaixo resplandecendo suas águas límpidas e caudalosas, mas que após, a serra ficar coberta de um véu branco que vinha descendo, estendido e cobrindo as paineiras e os angicos do boqueirão, até chegar no mangueiro. Mas antes vinha o vento balançando os corajosos bem-te-vis e tesoureiros que estavam pousados nas altas galhas dos eucaliptos, já de olho nalguma mariposa, e o chão colorido de vermelho, das flores que caíam embaixo do pé do flamboaiã. Vento que vinha penteando as grandes moitas de capim colonião, jogando-as pra lá e pra cá, e os primeiros pingos d’água já começavam a bater nas telhas, formando uma orquestra das mais variadas notas musicais, cada uma com seu tom, era o prenúncio da chuva.
Agora, a cachoeira já transformara em uma grande e larga corredeira, com suas águas amarelas. Vista assim de longe, dava uns dois dedos de largura, por meio palmo de altura, mas de perto eram águas que desciam com uma força e velocidade de arrancar enormes pedras, rolá-las rio abaixo. Era a enchente, que não demorava muito, já chegava no rio no fundo da casa, alargando e redesenhando o rio, retorcendo o capim e as árvores à sua beira. As águas revoltas e velozes, aumentando cada vez mais seu volume à medida que ia descendo e encontrando mais águas que lavavam os lajedos e escorriam pelos boqueirões desaguando no rio, que descia batendo nos barrancos rolando as pedras e tronco de árvores que logo esbarraram num obstáculo.
Apesar de está sabiamente apoiada e escorada numa grande pedra, talvez jamais fosse empurrada, mas as águas revoltas, rodeando e lavando a represa, “lambendo” com força o barranco que foi encharcando, e de tanto que empurrava, logo deu-se um estrondo, e suas pedras foram descarrilhando em um efeito dominó assim como foram empilhadas, vindo então abaixo, ruindo um sonho, e um símbolo de prosperidade, que por um período, também serviu como caminho mais rápido pra se atravessar de um lado a outro do vale da gameleira, com as mães agarradas nas mãos dos pequenos “não olhe pra baixo não” porque o balançar das águas e a altura de cinco metros que ficava o barranco a ser alcançado do outro lado, dava até vertigem, tanto é, que se o “camarada” tivesse tomado “uma ou duas pra jantar”, -era “mió” que dormisse aqui e amanhã cê vai-.
O rio levou o lago, mas a história, -apesar das pedras enverdecidas, da velha represa-, ainda atravessa tempo, e pode ser presenciada por muitas gerações, e por quem contempla a natureza, e admira ações de homens e pessoas que deixaram sua marca, um dia, neste mundo.
Fotos: Velha represa no Rio da Gameleira em 16/04/2017.
Vidas Secas
13 de agosto de 2017
Numa floresta de cactos, três crianças e um destino. Ensinar suas cadelinhas a caçarem um calango.... um avião que passa ao longe, de tão longe que é, que fica menor que a sombra da pequena cadelinha, arisca, seguindo o risco do carreiro que corta esse cenário nordestino, mas que por ironia é uma floresta de mandacaru numa área que um dia foi banhada por um mar d'água e que se chama Lagoa da Fortuna (à 3 km de Curral de Dentro/MG. Talvez a fortuna esteja nesse cenário rico de contraste que no mesmo plano se vê o simples e o tecnológico num mesmo plano de fundo. Um avião cortando e riscando o céu por sobre um cacto, que inerte e resiliente, resiste ao mesmo sol que reflete o brilho do pássaro de metal cruzando o céu num domingo de paz, e dia dos pais.
Foto: Lagoa da Fortuna (a 3 km de Curral de Dentro/MG.
Na floresta da vida, ainda que não somos árvores, mas que sejamos fortes. Que tenhamos raízes, que sejamos sábios, como o bambu: Que costura, com suas raízes profundas, as fendas da terra, esbarrando a erosão; que abraça silenciosamente o barranco da represa, sob a terra, sem se mostrar, pra que ela não se rompa indo embora suas águas. E somente depois, bem depois, é que ele mostra seus brotos que crescem, nó após nó, numa estrutura resistente e duradoura; mas para nós seres humanos, uma vida breve.
Se não somos flores, que tenhamos simplicidade, apesar dos espinhos do caminho. Que sejamos sábios como as crianças, com sua ternura e doçura. Mas que façamos sombra pra eles, que dependem da nossa árvore, das nossas raízes que, agarradas a um solo seguro, não venha a fraquejar e cair, com um simples vento lateral.
Os filhos são frutos, que assim como as folhas, que se soltam ao sabor dos ventos, e um dia se vão, trilhando novos caminhos. Também terão suas raízes, perpetuando e continuando o ciclo da vida. Mas que não percam suas raízes, suas origens, que são verdadeiramente, quem nos fixam e nos sustentam na floresta da vida, cheia de beleza, de flores, mas também de espinhos. Que saibam colher as flores e frutos, sem se ferir com os eventuais espinhos, do seu até então, jardim de infância!
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"Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente".
Henrique de Souza Filho (Henfil )
Fotos: Casa de Laura Fazenda Boa Sorte.
Primavera em Flor
02 de novembro de 2017
A primavera trazendo mais cores à natureza, um pequizeiro exibindo suas lindas flores que amanhã se tornarão frutos muito apreciados por nós mineiros..... uai. Um contraste da vida cotidiana, um cenário onde vidas encerra um ciclo, a natureza inicia outro ciclo que se renova a cada ano. Ao lado do cemitério a natureza sabiamente nos mostra o verdadeiro sentido da vida. Que nunca morremos, mas sempre renasceremos num outro plano.
Foto: Santos Cruzeiro - Taiobeiras/MG em 02/11/2017
Seiva da Vida
14 de novembro de 2017
Ainda ontem, galhos secos, quebradiços, com sua aparência rugosa, desprovidos de atrativos à nossa admiração. Aos nossos olhos, árvore ressecada, sem vida, talvez sem nenhuma “serventia” aparente. Mas que silenciosamente, a seiva da vida, percorre no seu interior, e vagarosamente aguarda seu tempo de transformação. Já após a segunda chuva da primavera, seus galhos, até então acinzentados, retorcidos, exibem graciosamente, seus botões, que se tornarão flores, que se tornarão frutos, “Articum” (agora já estarão escondidos e protegidos pelas folhas), que se tornarão um doce alimento, que alimentará toda uma cadeia de outros seres vivos da natureza.
O Jatobá, mais apressado, já exibe sua folhagem, com seu verde vivo, cheio de cristais d’água, da recém abençoada chuva. Sabiamente se cobriu de folhas antecipadamente, fazendo sombra aos animais que dependem dela para se refrescarem do sol brilhante da primavera, visto que o seu companheiro do cerrado, o Articum, ainda ensaiava o desabrochar de suas primeiras folhas. Mas o Articum aparentemente lerdo, amadurece seus frutos primeiro (na semana santa), já o seu companheiro Jatobá que ofereceu sua sombra na época das chuvas, vai oferecer seu fruto na época da seca, assim como outros frutos do cerrado, para que em todo período do ano, não falte alimentos para os animais que ali vivem.
Na natureza tudo e todos, vivem em harmonia, respeitando cada um o seu tempo, cada um o seu espaço, cada um, usando com sabedoria, os elementos que o seu criador os oferece para perpetuarem sua espécie. E a chuva, esse elemento tão sagrado, que dá a vida e que faz tudo renascer das cinzas, vem encher a natureza de cores, sons, e vida, para nossos olhos contemplarem gratuitamente, esta infinita gravura pintada pelas mãos de Deus.
Fotos: À 100 metros do final da Rua Unaí - Curral de Dentro/MG 14/11/2017
Força e Sabedoria
05 de janeiro de 2018
Hoje eu estava dando uma pedalada, e quando parei pra amarrar o cadarço, me deparei com um "serzinho" da natureza, bem apressado. À primeira vista, achei que fosse o som de uma moto-serra ao longe, mas observando e seguindo o pequeno zumbido, vi que era uma vespa, abrindo seu pequeno túnel, mas num esforço muito grande, em seu ritmo frenético e usando de muita força pra certamente depositar seus ovos. Estava tão concentrada, que nem notou a luz do celular e tampouco a minha presença, seu instinto falou mais alto, visto que a noite já vinha cobrindo com seu manto cinza-escuro a paisagem, e teria que apressar, e sabiamente percebia que talvez pudesse chover, visto que chovera um dia antes e teria que aproveitar a terra úmida pra facilitar o seu trabalho de uma grande obra feita por uma pequena máquina, que ajuda a manter o equilíbrio dos seres vivos da natureza, cheia de vida que se perpetua cada espécie , e a cada período de chuva, se torna mais evidente a variedade e beleza de vidas se multiplicando.
Foto: Pedalando sentido à BR 251
https://www.facebook.com/renilson.alves.54/videos/1597023113722776/
Raízes sem Chão
13 de fevereiro de 2018
Nesta tarde de feriado, meu filho e seus amiguinhos exibiam orgulhosos seus “troféus” de uma tarde de pescaria. Estava eu sentado no barranco da represa, à espera pra que também fosse agraciado, e os observava noutra parte, na busca frenética e eufórica, que mais tarde, esses pequenos, (mas grandes em emoção) peixinhos, seriam degustados à moda deles: Peixe na brasa, envoltos por folha de ora-pro-nóbis e recheados com pimenta de passarinho.
Entre um olhar no anzol, outro nos pescadores, uma imagem me intrigou. Uma árvore um pouco acima deles. Com seus galhos cinzas e ressecados ao lado de outra, exibindo seu verde. Após recentes dias de chuva, a qual também deveria estar viçosa. Olhando mais de perto, pode-se perceber que o fim de seu ciclo não foi voluntário, mas causado por outro ser, que pra sobreviver, usou de seus galhos para se enraizar e se perpetuar.
Conhecida popularmente por “enxerto de passarinho” essa planta se sucumbiu, após a morte de sua hospedeira, que por muito tempo, a alimentou com sua seiva. E não muito longe dali, tinha outra árvore, um pé de pinha do cerrado. Certamente, em uma das suas últimas exalações do cheiro doce atrativo, dos seus frutos “enrugadinhos”, que após seu verde bandeira, se tornarão amarelo brilhante. Poderão ser vistos à distância por entre a folhagem densa, já quase toda coberta por uma espécie de manto de renda, que lentamente a sufocará. Mas numa demonstração de resistência, e cumprindo seu ciclo, ainda floresce e dá frutos até seu último galho ainda poder respirar.
Na vida também temos nossos hospedeiros. Em algum momento da vida, somos hóspedes. Pessoas que nos ajudam, que nos dão seus “galhos” pra nos apoiarmos e erguermos os nossos. Mas que também tenhamos nossas próprias raízes, mas estas, em solo fértil, firme, pra quando nosso porto seguro encerrar seu ciclo, saibamos cumprir o nosso, com a certeza de que fomos protegidos pela sombra dos galhos que outrora foram verdes, mas que seguindo o curso normal da vida, secaram. Mas ao contrário do enxerto, o ser humano não será a causa, o motivo dos seus galhos já sem vida, do fim de outro.
Que sempre reconheçamos a ajuda oferecida, e também retribuamos a tempo, de ainda, poder ajudar o próximo, a manter seus galhos verdes, para mais uma primavera, no jardim da vida.
Foto: Fazenda do Sr. Conceição – Curral de Dentro/MG
Lar Doce Lar
17 de fevereiro de 2018
A sabedoria do João de Barro, o levou a escolher essa grande árvore, pra proteger o seu castelo e também proteger sua família das chuvas e do vento, que assoprava penteando suas penas no topo da árvore, atento e observador, pronto a alçar voo certeiro. Qualquer movimento de pequenos animais ou insetos que aguente carregar no bico, ou ficar à procura nas beiradas úmidas da lagoa, com seu andar elegante de dançarino de tango argentino, serão levados pra alimentar sua prole, que já o aguarda em silêncio, pra não serem descobertos pela gibóia ou jararaca de baixa visão, mas de sensibilidade apurada. O mesmo vento que penteia o terno bege-claro do elegante Joao de Barro, também despenteia dia após dia, a vasta plumagem verde da grande árvore, que levam as folhas já amadurecidas, pra dar lugar às outras novas que virão. Alimentará as lagartas que serão avistadas pelo atento construtor, que serão despejadas nos bicos escancarados e estridentes dos "Joãozinhos" sempre escolhidos na sequência daquele que pedir mais alto. Mas como o tempo é implacável, tem folhas que se vão e não se renovam, é a vida que lentamente vai se esvaindo.
A árvore foi secando de cima pra baixo, deixando à mostra seus galhos e também a casa que tantas famílias se formou, mas agora está fadada a ruir, não pelas chuvas e pelo vento, porque seu construtor é mestre em obra pra durar, mas pelas galhas que se quebrarão, levando ao chão um lar, que ficara por muito tempo encoberto e por outro, talvez menor, despida, abandonada talvez, porque a qualquer tempo, irá a galha ao chão, levando agarrada consigo esse pequeno lar, que se partirá em três ou quatro, mostrando seu interior, cujo cômodo chocou dezenas que já se foram, partiram, como também as galhas serão partidas, pra acender o fogão de dona Maria, dona Ana, dona Joana esposas de outros Joãos, que não se conheceram, mas que fazem parte do cenário da vida que se renova e que renasce a cada nascer de um novo dia.
Foto: Fazenda Caraíbas – Curral de Dentro/MG
Vivendo em Harmonia
03 de março de 2018
A natureza nos ensina com muita sabedoria a vivermos e convivermos entre os diversos seres, as diversas formas de vidas e saberes, ocupando o mesmo tempo e espaço e lugar. Ainda que sejamos diferentes, que convivamos com as diferenças, na natureza, tudo e todos se respeitam. Em um mesmo palco, três moradores distintos, convivem pacificamente, o marimbondo, nervoso, com suas agulhas quentes e afiadas, mas em paz, ao lado de duas moradas de pássaros. Usando a mesma árvore da vida, pra gerar outras vidas, mas sem se arranharem.
Outros seres também de agulhas, mas que não se movem, e inertes enraizado, esperam sabiamente por outro em que sua semelhança ou forma, não cause atrito, mas que somem e que os eventuais ou inevitáveis espinhos, se entrelaçando num abraço fraternal de forma serena e tranquila, criando um elo de força, defesa de proteção recíproca, onde um completa o outro apesar dos espinhos. O mesmo espinho que arranha, também protege, se opostos se atraem, o mesmo pensamento e mesma , anatomia forma e criação, não somente se atraem, mas se completam.
Que vivamos na essência do ser e não na aparência, é preciso saber viver e conviver, os espinhos não nos furam, se não o tocarmos com rispidez, o mesmo espinho que fura, se for usado ao nosso favor, nos defende e criam barreiras intransponíveis às maldades humanas. A mesma mão de dar palmadas, também acaricia, a mesma mão que repreende, ergue, protege e indica o melhor caminho, ainda que com pedras e espinhos, mas ensina a conviver com eles.
Fotos: Em uma área a dois quilômetros do final da Rua Unaí - Curral de Dentro/MG
Chão de Pedras
16 de abril de 2018
A natureza, num grito de socorro, mesmo sufocada, ainda acha espaço num lugar improvável, e rompe o chão de pedras feito pelo homem. E na sua pequenice, mostra-se grande e forte na luta pela vida. Resistindo ao calor escaldante, mas que é recompensada à menor brisa matinal, que a refresca e a deixa cheia de vida, que a faz renascer, apesar de uma vida breve, mas é vida que ressurge à beira do longo caminho de faixas amarelas, mas que não é maior que o caminho natural da vida. A natureza com seu ritmo lento, que às vezes, levam décadas para se regenerar, contrastando com as obras em ritmo acelerado do ser humano, que rompe as coisas naturais para passar à toda velocidade, sem se notar uma pequena espécie tentando reconquistar o seu lugar de origem.
Mas quando se percorre esse caminho de forma mais lenta, pode-se observar a natureza em toda sua plenitude, mesmo com uma fina brisa no rosto, em uma manhã de terça-feira. Talvez esteja tentando dá seu recado, que desenvolvamos, mas que respeitemos seu espaço, que desenvolvamos, mas de maneira sustentável, natureza e seres humanos, de forma mais humana e menos capitalista.
E nesse cenário, quando alguns lutam em nome de uma causa, mas por “causa” de interesses financeiros, são tirados de cena. São apagados da história, como se apaga um parágrafo manuscrito à lápis, com a mesma borracha que fora feita do látex, extraído pelos seringueiros, pelos quais esses heróis foram defensores: Chico Mendes e irmã Dorothy Stang, defensores de uma causa, defensores da natureza, que clamava pela sua subsistência, frente à insensibilidade humana, de alguns seres humanos.
Foto: BR 251 (Curral de Dentro/MG)
Personagens do Asfalto
02 de Maio de 2018
Quem curte o som da corrente deslizando no disco, impulsionada pelo desejo e determinação de se percorrer mais quatro ou cinco quilômetros à mais de um percurso crescente, curte também os diversos sons da natureza, e uma visão digna de um plano de fundo pintado pela natureza. Num percurso de pouco mais de 45 km, além dos sons frenéticos do asfalto: das gigantes da estrada com seus até 34 pneus, que repentinamente corta o ar, assoprando e dando impulso com um vácuo de ar, os ciclistas à beira da estrada. Os veículos menores, que passam como jatos cortando o ar. Em alguns poucos momentos, silencia-se os sons mecânicos, e se ouve o canto de pássaros, até de pequenos grilos escondidos com seu canto singelo. Mas há ainda, uma diversidade de personagens que percorrem as BR´s, de norte a sul desse imenso Brasil.
Os sons do roncado dos motores, se misturam ao dos pneus, imprimindo seus sons no asfalto, em forma de zumbido contínuo, uns graves outros agudos, que ecoam nos eucaliptos, que serve de música para o solitário carcará assentado ao alto à espreita, esperando a próxima raposa, juntamente com seu primo de terno preto, contando as horas, para fazer o seu desjejum, no self service, servido à moda da casa, ou melhor, à moda da pista.
Rodovia de ritmo frenético, ora ônibus lotados com turistas adormecidos após os dias de sol litorâneo, ora levando homens que irão tentar a sorte nas grandes cidades, ora fazendo o caminho inverso, os trazendo para o tão esperado abraço na família; ora cegonheiras levando grandes sonhos. Mas também sonhos menores, mas grandes em emoção, para quem os receberá. No pontual e diário veículo amarelo de entregas rápidas, que percorreu longo caminho ao som dos pneus imprimindo sua melodia sem partitura.
O caminhoneiro ao chegar em casa, agora ouve novos sons, o som da alegria, compartilhada com o pai, que viera há dias ouvindo o ronco do motor e o som dos pneus cantantes das gigantes da estrada, som que para quem vive na estrada, é música para os ouvidos. Ao chegar, virão ansiosos para dar um abraço no pai viajante, e ansiosos em mostrar ao pai, o primeiro gol feito pelo filho mais novo, no campeonato da escola, gravado com o mesmo celular que viera antes dele. Talvez tenha até passado por ele, o furgão amarelo, e chegou antes para entregar a novidade ao seu filho.
Os para-choques e para-lamas, expressam seus sentimentos e ideais de vida, com frases em sua maioria, reverenciando aos céus: “Deus acima de Tudo”, “Divino Pai Eterno” demonstrando a fé dos caminhoneiros em pedir proteção em suas andanças, ou frases em homenagem aos filhos: “Meus filhos .... Minha Vida”, “Não é Pressa é Saudade”. Onde se a viagem é de ida, a saudade vai apertando, mas se é de volta, vai diminuindo a cada quilômetro percorrido. Mas sempre com muita prudência e Fé em Deus, enfrentando chuva fina e pista molhada. Uma pequena família solitária: um potrinho e sua mãe, pastando inocentemente à beira de uma rodovia de tráfego intenso, não tão solitários quanto o andarilho, que raras vezes e não mais que uma, encontrei. Ele com seu pequeno penduricalho, nem lembra se olhou pra trás ao primeiro passo, na incerteza de um rumo incerto, levando quem sabe, algumas lembranças do seu lar, que por força do destino ou por alguma desilusão, o levara a andar por longos dias, paralelo à interminável faixa branca, que traça a sua linha da vida. Passos lentos, mas determinado a chegar num lugar incerto de um destino desconhecido. Ultrapassado por milhares de carros, ele sempre na contramão, muitos ele vê, mas poucos o notam. Na sua incerteza constante, os sons do asfalto, preenche o vazio, talvez o mesmo vazio, que o fizera estar nesse destino incerto, de um caminho interminável, que muitas vezes, quando termina, o faz de volta e o refaz novamente.
E por está tanto tempo em seu mundo solitário, se recusa a corresponder ao insólito aceno de um ciclista, talvez por ter criado seu próprio mundo de um ser só, o tornou arredio. E por não acreditar que alguém o veja como personagem da história, percorre seu caminho de vai-e-vem, distanciando-se de outros seres, agarrando talvez, às lembranças, que pouco a pouco, vão se apagando, tendo como companhia, de dia o sol, de noite a lua, e às vezes, um fiel cãozinho, companheiro errante de jornada.
Foto: BR 251 (Curral de Dentro/MG)
https://www.facebook.com/renilson.alves.54/videos/1720618051363281/
Passos em Silêncio
25 de maio de 2018
Enquanto as rodovias se silenciam e somente o vento transporta algumas folhas pra lá e pra cá, na maior greve de caminhoneiros do país, outros seres, pequenos em tamanho, mas grandes em sua determinação, aproveitam o espaço que antes, seria impossível usar. Com seu caminhado de sanfona, retraindo e avançando, dezenas de patinhas em um ritmo cadenciado, seguem numa marcha incansável. Arriscando sua vida, numa travessia perigosa e pouco provável, em dias normais, de se chegar do outro lado, desfilando numa passarela até então proibida. E somente assim, podendo serem notados, no seu pequeno mundo de seres incríveis e imprescindíveis para a manutenção da vida no planeta.
Nesta sexta-feira 25/05/2018, pedalando no silêncio da BR, me deparei com uma vida em movimento, primeiro no início de sua jornada, logo depois de volta, a vi já na metade do seu desafio, e sem acreditar que a veria do outro lado retornei, e já observando as marcas no asfalto, se não teria sido tragicamente encontrada pelos pneus de um ônibus de turismo, uma caminhonete e uma moto, desses poucos veículos a circular na rodovia em dia de trânsito paralisado. Uma pequena distância, se torna um longo caminho pra um ser de passos milimétricos, avançando milímetro a milímetro, somando a centímetros, e se tornando a demorados e intermináveis metros, sob a ameaça de grandes pneus de passos rápidos, que percorreria essa mesma extensão, em milésimos de segundo, e poderia por fim na sua trajetória, interrompendo seu longo caminho.
É vida que segue, é greve que continua, é caminhão que ainda não vem, é alguns poucos veículos pequenos que passam, é lagarta que no seu instinto se sente segura, e atravessa, seguindo seu caminho enquanto o silêncio a conduz e permite que pequenos seres indefesos, siga seu caminho, para completar o seu ciclo da vida, silenciosamente, tal qual a vida se perpetua e multiplica, em silêncio, mas sempre, ainda que nossos olhos habitualmente não os veja.
Foto: BR 251 (Curral de Dentro/MG)
Olhos Brilhantes
27 de junho de 2018
Uma casinha ao pé da serra, à beira da mata, onde o vento, assoprando e balançando as árvores, joga suas folhas secas sobre seu telhado, criando uma sinfonia de serenidade e harmonia, tornando as noites com ar puro e cheiro de natureza, com a lua derramando seu brilho nas folhas verdes, que brilham, em noites de céu decorado de milhares de cristais luminosos. Sinfonia mesclando o cantar da coruja de carinha branca e olhar piedoso, com seu “canto de assustar criança” rasgando a noite, ecoando boqueirão abaixo, com um cão fazendo a segunda voz, latindo ao longe. Ela, com um par de olhos pretos atentos, como câmeras com infravermelho; imóvel e paciente em cima da cerca, mas atenta, com seu olhar giratório, que certamente filmará o primeiro rato a desfilar pela noite, sem saber que poderá ser seu último passeio noturno.
O amanhecer se faz mais colorido, céu azul bordado de branco, agora com outros cantos, o do galo, ainda na aurora do amanhecer, o canto da galinha d’água, (saracura três potes) à beira do rio forrado por pedras, o canto da seriema ao pé da paineira em cima do lajedo, do João de Barro em cima do jatobá e até dos saguis, pulando ligeiro no cipó escada de macaco. Um cenário de vida e de cores, com a Serra do Anastácio ao fundo, refletindo nos olhos brilhantes e inocentes das crianças, que veem um mundo tal qual ele deveria ser, cheio de cores e menos cinza, cheio de cantos e menos lamentos, cheio de vida, e que a vida de muitos animais, não fosse subterfúgios, pra supostamente, se tornar ganho de vida de muitos insensatos, que os tornam moeda de troca. O que fora obra de Deus, criada pra ser admirada e compor o belo cenário da vida, beleza infinita e gratuita, mas que nem todos a veem com as mesmas cores de um olhar de criança, que sorridentes, torna a vida mais alegre e mais colorida.
Foto: Casa de Laura e Edinha – Boa Sorte, Fevereiro de 2017.
Uma criança... Um olhar... Um lugar...O tempo!
01 de julho de 2018
Uma simples visita num espaço que durante quatro anos, foi cenário e lugar de aprendizado, mas também de brincadeiras e muita convivência entre meninos de sete a dez anos, cursando o primário. Uma volta no tempo, ao ver retratado nos rostos destas crianças de hoje, o mesmo pátio de quatro décadas atrás. Uma criança que por tantas vezes escorou nestas mesmas largas e espessas colunas de tijolo maciço, nos anos de 75, 76, 77 e 78. O mesmo olhar ingênuo, de dúvidas, descobertas e de muita apreensão, principalmente em dia de arguição (prova oral), das inesquecíveis e memoráveis professoras: Dona Iva Leles, das saudosas, Dona Dalva, Dona “Riz” e Maria Luiza. A coordenação da escola ficava a cargo da Diretora Dona “Santinha”
Apesar dos anos, a Escola Estadual Deputado Chaves Ribeiro, ainda conserva suas características. O seu telhado de telhas francesas, hoje já acinzentadas; os corredores de cimento queimado, e o grande pátio. Antes, se tornavam pequenos diante de tanta correria e brincadeiras de uma época menos tecnológica e de mais brincadeiras físicas. Crianças eufóricas, num bate-bate de mãos, em cima dum amontoado de papeizinhos cheio de cores e personagens infantis, que subiam e desciam. Era o jogo de figurinhas dos chicletes PLOC e PING-PONG. Hoje, os corredores se tornaram extensos demais, os recreios são mais silenciosos, cada um, com sua face iluminada pelas telas dos smartfones, em brincadeiras e jogos virtuais.
O velho almofariz, às vezes, servia também de sirene, para anunciar o recreio e o término da aula, onde muitos saíam em disparada pela rua de paralelepípedo. A Rua Osvaldo Argolo, às vezes via-se uma caixa de papelão solitária, no meio da rua, mas quem a chutasse, provavelmente ficaria com os dedos roxos por vários dias, visto que ficava emborcada em cima de paralelepípedos, empilhados por alguns moleques mais levados. A correria, logo tinha seu destino alcançado, era a parada em frente à uma das dezenas de portas do grande prédio, onde havia a loja de “Seu Tezim” para garantir lugar, e assistir aos desenhos animados na imensa TV de 20 polegadas, que ficava em exposição para venda, cuja mudança de canal, se dava por um botão giratório: Super Amigos, Bobi Pai e Bobi Filho, Olho Vivo e Faro Fino, Os Flintstones, Zé Colmeia, Manda-Chuva, Lippy e Hardy, Formiga Atômica, Corrida Maluca, entre muitos outros.
É o tempo que não para, criando um paradoxo, que distancia as crianças de hoje, com as de ontem. Correndo pelo pátio com suas congas azuis e branca, os kichutes e dos até, ainda modernos, tênis bamba. Das partidas de queimada, de bolinhas de gude, e as meninas jogando pedrinha e pulando amarelinha. Mas ao mesmo tempo, cria-se um paralelo, desse mundo infantil, mesmo que de épocas distintas, visto que por ali, o ciclo de renovação das crianças não para, e mantém esse lugar cheio de vida, onde ficaram gravados os gritos e sorrisos, que ecoaram pelos seus corredores, das milhares de crianças que por ela uma dia passaram, e das que ainda virão.
Foto: Escola Estadual Deputado Chaves Ribeiro – Taiobeiras/MG
Aquarela em Preto e Branco
07 de agosto de 2018
Retornando às pedaladas hoje, no percurso de sempre, depois de muitas manhãs frias sem a corrente deslizar pelo disco. Nessa manhã de clima mais encorajador, cruzei com um patriota solitário. De pés quase descalços, metade do pé envolto por um pedaço de meia, carregando uma bandeirinha já surrada, desgastada, assim como a crença dos brasileiros, na esperança de um país melhor. Talvez num grito de socorro mostrando um “Brasil que eu quero”. Segue em frente erguendo sua bandeira como escudo, ou como identidade, não abandonando seu patriotismo.
Me disse que se chamava Bruno. Talvez fosse um pseudônimo, pra que fique no anonimato e não o encontrem, distanciando de suas origens, para que cumpra seu destino, a vida que escolhera. Talvez seja mesmo seu nome de batismo, certo é, que “Bruno” é mais um brasileiro, que segue dia após dia, do nascer ao por do sol, em noites mal dormidas em postos, ou onde o dia fechar a cortina, da claridade. Mas a cada nascer do sol, esfrega o rosto e vai em frente. Na sua experiência de estradeiro, ainda me pediu pra ter cuidado com os caminhões, visto que sabe do perigo das estradas.
As cores da bandeira, contrastando com a cor do asfalto, que se confunde com sua face “negra”. Revelando não só sua cor, mas um rosto de muitos de um passado não tão distante, que ajudou a erguer os suntuosos prédios brancos, com suas grandes vidraças de vidros alcalinos, tal qual o suor que escorre nas faces “negras”. Suor sagrado, liquido brilhante, que brilha com o sol, revelando assim, talvez o valor de uma cor. Antes de cruzar com este personagem, já havia visto um outro, à 500 metros. Num gesto de humanidade, um cidadão aqui mesmo de Curral de Dentro, estava parado com sua caminhonete, no acostamento, para dar carona a outro andarilho, com seu boné surrado e barba branca. Possivelmente andavam juntos, e se separaram. Ou seria outro solitário, percorrendo também, as intermináveis faixas paralelas e contínuas, continuando também, sua jornada, na contramão da vida, avessos aos olhares, que às vezes os vê, mas não os enxergam. Não deveria haver aversão à essas pessoas, que não fossem julgados pela sua aparência. Apesar de sua imagem, são seres humanos, que tem suas histórias de vida. Talvez por força do destino, não se sabe ao certo, a causa ou circunstância, seguem por caminhos incertos, nas curvas sinuosas da vida.
Nesta aquarela de cores, que a sociedade criou, pra se valorizar o ser humano conforme sua cor, talvez para muitos, a face preta valha menos, na escala hipócrita de valores sociais. Um tipo de segregação multicor, onde a mais escura vem mais abaixo. Mas também, as faces negras, colhem os algodões que se transformam em jalecos branquinhos, dos doutores. Mas se o jaleco estiver vestido por uma face negra, vem aí, a exclusão da cor, na aquarela de cores da sociedade, que ainda não aceita.
Faces “Negras”, que cortam a lenha, que queima o carvão “negro” que compra as caminhonetes brancas, e que às vezes, essa mesma caminhonete branca, não pararia para ajudar uma face “Negra” de pés descalço, que vaga pelas BR’S, deixando sua história. Passos sem rastros nem pegadas, no asfalto abrasivo e escaldante, mas que seus pés, já se acostumaram com o chão de pedras miúdas, que se tornam suaves, diante das pedras maiores que se apresentam em seu caminho.
Talvez fossem necessário, incluir mais uma cor na nossa bandeira, pra que não esqueçamos, que os pilares de hoje, se sustentam advindos de uma fusão de sangue, suor e coragem daqueles que derramaram o líquido cristalino em faces negras, brancas e pardas, afinal somos um povo multicor.
Foto: BR 251 – Curral de Dentro/MG
Conversa com Bruno (andarilho):
https://www.youtube.com/watch?v=hSx47aOz3fg
Faxineiros do Céu
10 de agosto de 2018
Impressionante como a natureza nos presenteia a cada manhã. Apesar de ser o mesmo caminho, o mesmo cenário, o mesmo horário. Mas quando a janela da manhã de um novo dia se abre, se vê um novo plano de fundo dos retratos da vida. Se a paisagem não é de admiração, mas serve como contemplação para uma reflexão, uma faxina interior. Numa espécie de “camarote vip” um grupo de aves vieram logo cedinho compor o cenário de mais um nascer do sol. Personagens que, um a um, em seu voo de mergulho, enfileirados como aviões militares em posição de combate, sobrevoam até pousar suavemente. Vieram de longe com certeza, na sua capacidade se comunicarem à distância, avisando do novo banquete. Nos tempos de wifi, eles estão milênios à frente da evolução humana. Avisados por uma espécie de olheiro que sobrevoando a região avistou o banquete. Logo, o grande manto azul e branco, fica bordado com dezenas de pontos pretos, - Como pingos de café numa toalha branca de renda, em mesa grande de fazenda, no farto café da manhã de família numerosa, numa manhã de domingo de páscoa.
De longe, é do tamanho de um pingo do “i”, até se mostrar por inteiro, em seu voo de asa delta, numa demonstração de serem “os donos do céu”, com sua sabedoria e resistência aos tempos difíceis, tempos de vaca magra. Esperam pacientes, com sua toga preta de juiz, não pra dar o veredito, cuja sentença já fora anunciada, mas pela natureza, a sentença de morte do ser que será dividido e disputado. Com sua “cara” maquiada de preto, feito palhaço em dia de picadeiro lotado, em que as palmas, seriam as batidas fortes de suas grandes asas. E não esperando as cortinas se abrirem, mas aguardando rigorosamente a hora em que a receita estará no ponto pra se servir.
Na contramão dos seres humanos, eles contribuem para a manutenção da vida. Apesar de sua aparência, é uma espécie de faxineiro e faz assepsia sem ser doutor, deixa o planeta mais limpo. Cumpre um papel muito importante, assim como os demais seres da natureza, que nascem, crescem ajudam a perpetuar espécies de árvores, devolvendo e semeando as sementes dos frutos que a natureza lhes deu como alimento. A humanidade produz resíduos durante toda sua permanência de vida aqui no planeta. Produzimos resíduos para nossa evolução, mas eles os animais, pagam o preço pela dita evolução unilateral. Evolução de uns e extinção de muitos, num planeta que, talvez, fora criado primeiramente pra eles, e nós estaríamos de intrusos. Até no final do ciclo da vida, a nossa matéria orgânica em decomposição polui o solo. A dos animais não. Porque os "faxineiros do Céu" fazem a limpeza.
Seguindo o instinto dessas aves, ao longo dos séculos, povos das regiões de altitudes elevadas no Himalaia desenvolveram rituais religiosos que resolvem a questão, com o chamado ‘funeral nos céus’ – os corpos são retalhados e os pedaços são comidos por abutres, evitando a disseminação de doenças. Ou que no final, se faça a cremação, que se queime nossa matéria, evitando assim poluir e que voltemos ao pó de onde viemos.
O PÓ VOLTA AO PÓ DE ONDE VEIO... O ESPÍRITO VOLTA A DEUS QUE O DEU.
Eclesiastes 12:7
Fotos: Fazenda do Sr. Conceição - Curral de Dentro/MG
Sentido Anti-horário
21 de agosto de 2018
O cheiro de chuchu refogando às quatro e meia da tarde –porque janta onde o sol se esconde mais rápido atrás da capoeira, se cuida é logo– na pequena cozinha com sua janelinha voltada pro lado –onde se avistava de longe quem estava chegando– a estrada ziguezagueia, até encobrir na curva da ladeira, com um já senhor, duns trinta e tantos anos, um velho mandacaru (cacto) ao pé da ladeira.
Esse talvez fosse o cenário de vida do tempo que passou, e os blocos de barro, colados com barro, ficaram pra testemunhar a história, já que os ponteiros não param. Mas a imaginação funciona como testemunho da história, de dias, semanas, meses, anos e décadas de vida simples, objetos singelos, mas de grande importância pra quem caminhou nesse cenário, assim como caminha os dias. O marido assentado no último pau da porteira, da cerca de três paus, entremeio à centenária aroeira e do grande tamboril. Este último, servia também, de garagem pro velho carro de boi, com suas rodas, já carecendo de trocar.
Após um longo e suado dia de tempos acinzentados tempo de se queimar o roçado e aguardar a abençoada chuva de setembro, época em que se inicia o plantio em tempos de chuvas ainda regulares. Em outros dias, assentado admirando o balançar das folhas do milharal, com seu verde escuro brilhante, já com o zumbido intermitente das abelhas ajudando a polinizar a semente que será o alimento. Desde as pamonhas e milho assado, até ao milho pra engordar mais um capado e os frangos que a cada oito dias, o domingo finaliza com um a menos no poleiro.
Outro dia orgulhoso, admirando –com o cigarro de palha pendurado num canto da boca– o seu castelo de adobe desnudo, que fora amassados com os pés, e um a um posto no terreiro, nas intermináveis trazidas de barro para moldar numa forma, pra se secar ao sol o bloco de barro, que mais tarde seria seu “castelo”. O casamento, só foi tratado após a última telha ser encaixada por cima da outra, apoiada em varas finas, formando um telhado de traçado irregular, cuja comunheira, servia como cadeira de praia pras lagartixas tomarem seu banho de sol, num sempre gesto afirmativo de balançar de cabeça. Talvez numa sintonia com o pensamento do senhor, emagrecido de pele grossa de sol –de cigarro esquecido num canto da boca, já apagado caindo cinzas– que a luta é árdua, o suor que escorre da testa arde os olhos, mas as lágrimas em agradecimento e gratidão à Deus, os lavam.
Na cozinha, um banco de raízes, –esculpido no grande toco de aroeira que caprichosamente ficou situado ao lado da parede quando fora riscada no chão–. O projeto da pequena casa de quatro cômodos, ainda tinha uma área inclinada de uma água só, que servia pra guardar as traias da labuta do dia a dia. O banco ficava a dois passos –de gente pequena– do fogão, onde a gata marisca, numa amizade fraternal, enroscada com o cachorrinho pé duro, abrindo vagarosamente o olho, somente quando o osso da asa ou do pé do frango é gentilmente oferecido a eles, ainda envolto com carne do frango pedrês, que fora apanhado de surpresa ainda antes do sol nascer, pra que se já estivesse com o caldo grosso às dez... dez e meia no máximo, pro almoço em manhã frienta e chuvosa de domingo.
No pequeno quarto de paredes caiada de branco, o velho e também pequeno, catre. Lavrado à facão, de correias de couro cruz, trançado em pequenos quadrantes, pra que os pés dos pequenos, não afundasse o colchão de paina por entre as tranças. Resistente às infinitas voltas do ponteiro no sentido horário, onde o tempo não volta, mas se pode imaginar todo um cenário de vida simples. Noites longas que se começava já às sete da noite e finalizando com o cantar do velho galo, por entre os galhos do pé de abacate. Uma espécie de árvore-poleiro pras galinhas teimosas que não entra no poleiro cercado, avizinhando-se uma da outra, dificultando assim, o bote certeiro do saruê.
Pela manhã, o canto do dono do terreiro, ecoa e corta o ar frio, da manhã ainda de cor cinza, aguardando os primeiros raios de sol, colorir mais um dia. Um traço vagaroso, que segue riscando e traçando uma linha sinuosa, até se embrenhar na capoeira. O fogão de barro, com sua trempe de três bocas, –desenrola sua miada de linha branca–, criando um bordado, que demora a dispersar juntando com a névoa fria da manhã. Homem de camisa xadrez bicolor chapéu de palha e cabaça d’água pendurada no cabo da foice. Segue em passos firmes, pelo carreiro que dá pro roçado. O cachorrinho pé duro o segue. Arisco e matreiro, segue se desvencilhando dos ramos encharcados de orvalho, pra não “estuporar”, visto que ainda está quente do pé do fogão, onde passara a noite com sua inseparável amiga marisca, –que só voltou de madrugada, depois de suas andanças noturnas– e que só acordará, quando os que seguiram pro roçado, retornarem pro almoço. Como sempre, virá enroscando sua calda em seu amigo, sentindo o cheiro de alecrim, impregnado no pelo meio úmido, de seu parceiro de pé de fogão, que antes da jornada pro roçado, já tinha ido na cacimba buscar água com sua dona –pra encher os dois pequenos potes da cozinha e a “taia” de barro, que ficava num canto da sala– mas num pé lá e outro cá, porque tinha que atiçar o fogo, porque hoje era dia de feijoada, e os ponteiros giravam no sentido horário.
A história ainda estava acontecendo pra ser escrita depois, no sentido anti-horário, das lembranças que não se apagam, como se apagaram os rastros do cachorrinho pé duro e sua companheira marisca, depois dos ossos de frango, seguindo pra descansarem à sombra do jambeiro ao lado do poleiro, sem terem noção em que sentido girava os ponteiros.
Fotos: Ruínas duma casinha, Zona Rural - Curral de Dentro/MG
Lápis de Cor
28 de setembro de 2018
Em meio aos garranchos ressecados de um final de inverno, uma pluma branca dá um toque de suavidade e beleza, a uma pintura ainda sem pinceladas coloridas. Já nos primeiros dias de setembro, as primeiras flores, de algumas árvores, se antecipam, e já começam a colorir a paisagem, anunciando as vésperas da estação das flores, a exemplo da cagaiteira. O lápis de cor da primavera, começa a rabiscar a paisagem. Um elemento tão vital para o surgimento, permanência e sobrevivência da vida na terra, é capaz de fazer o milagre da transformação. Onde a presença de Deus se faz presente, em transformar um cenário da noite pro dia.
Apesar de incolor e transparente, faz ressurgir a vida das cinzas. Tem o poder de colorir o que antes era cinza. De um cinza desolador, se tornará em dezenas de centenas de cores e tonalidades variadas de encher os olhos. Aparentemente garranchos secos, mas ainda cheios de vida, aguardando as primeiras gotas molharam seus galhos, para desabrocharem suas folhas verdes e flores, que será alimento, primeiro das abelhas, depois os frutos dessa flor, alimentará toda uma cadeia de vida. Os garranchos e gravetos secos; os capins secos, que permanecerão secos, ainda depois da chuva, é a natureza, que sabiamente oferece a matéria prima para pássaros fazerem seus ninhos, pra quando na época de frutos em abundância, seus filhotes sejam alimentados. A sabedoria divina, quem os fez mestres em construir. Aos nossos olhos, uma obra de arte, pra eles, o seu lar e o seu berçário.
Abaixo, no chão ainda seco e não muito profundo, a vida se transforma. Pequenas criaturas ganham asas. As mariposas já fazem sua metamorfose, ganhando asas, que ao primeiro cheiro de terra molhada, das primeiras chuvas, já sairão. Com seu balé aéreo, alçam voo sem direção, sendo o alimento dos pássaros que chocaram seus filhotes, e coincidentemente irão nascer na época de alimentos fartos. À noite, nos tempos de candeeiros, seus grandes leques, são chamuscados ao tocarem na luz amarelada e caem no terreiro, onde numa chicoteada certeira, é levada para um mastigar sem dentes, do “cururu” com sua língua certeira. As que “escaparem” dessa caça noturna, vão logo procurando uma terra molhada para cavar sua nova morada onde formará sua família, assim como as tanajuras que caem à beira das estradas, ainda com o sol quente de murchar folhas das abobreiras, -nascidas às touceiras, no “munturo”. Ao lado de uma goiabeira, grandes sombrinhas verdes, servem de abrigo para os pequenos e curiosos, ciscadores de pescoço pelado, com sua mãe chacoalhando suas asas, se lavando na terra úmida-quente, que volta e meia, chuta um deles, com seu ciscar de pés grandes.
As noites escuras, também são coloridas pelo “Lápis de Cor”. Com pontinhos fluorescentes, piscando um ali e outras centenas acolá. São os vagalumes, vagando pela noite, que decoram o imenso manto de cor preta, como uma gigantesca árvore, em noites de Natal. Acompanhada com o coral de milhares de notas agudas, umas menos, outras de volume mais alto, desses pequenos tenores noturnos. Grilos cantantes, das noites com cheiro de terra molhada, com seu “cricrilar” estridente, que nunca se sabe onde ele está. Principalmente quando cantam em dupla, em quartos grandes, de ladrilho branco, de casa de fazenda. Até o morador urbano, que faz seu ninho nas cumeeiras e nos telhados das igrejas, fazem a festa na caça às mariposas, para alimentar seus pardaizinhos ainda com pelugem feito a pluma de paineira, em época de colheita para se encher colchões de paina.
Ainda com uma pequena neblina caindo, finalizando mais uma chuva, o sol espia, teimoso, atrás duma nuvem, coroando a tarde, com um grande arco de sete cores, caprichosamente pincelado por sobre um grande vale, com garças brancas em revoada. A chuva colore e produz cheiros de essências naturais diversas: Cheiro de mato molhado, cheiro de cinza molhada, -do capim que fora queimado em agosto, cheiro até, de lã molhada. Um pequeno carneirinho saltitante, pulando de alegria, ou pulando pra enxugar seu casaquinho branco-felpudo, encharcado pela abençoada chuva vespertina, numa tarde de primavera.
Em poucos dias, o cenário de faz diferente. Da tonalidade cinza e empoeirada, que o inverno impõe à natureza, das folhas amarelo-descorado e às vezes cinzas, que caíram no inverno, foram substituídas, recoloridas pelo “Lápis de Cor Divino”. Paisagem agora cheia de vida, de cores, de frutos, que a primavera trouxe, o verão amadurecerá, e o outono oferecerá gratuitamente aos seres vivos, que agora se escondem melhor, entre densa folhagem verde, dos predadores naturais da cadeia alimentar, da cadeia natural de sobrevivência na natureza.
Fotos: Vegetação próximo à Curral de Dentro/MG e BR 251.
Gratidão
19 de outubro de 2018
Em se falando de gratidão, acho que essa plantinha ilustra muito bem essa palavra. Nos mostra como agradecer e aproveitar uma benção na hora certa. Quatro dias antes, nesse mesmo lugar só havia grama seca. Na segunda-feira 15/10/2018, a terra foi agraciada pela primeira chuva das águas de outubro, que molhou a raiz dessa plantinha. Estava só aguardando ansiosa a terra molhar, pra aparecer, e enfeitar praças e lotes vagos. E hoje quinta-feira 18/10/2018, ela já germinou, e exibe com muita vivacidade, suas “florzinhas” branco-rosado. Ela se exibe somente uma vez a cada ano, é simples, singela, despretensiosa, e pouco exigente. Não exige terra adubada, somente molhada, irrigada pela chuva divina. Uma beleza fugaz, mas que é belo enquanto flor, e abundante quando semente for. Breve e muito breve, serão espalhadas aos milhares, semeando nova vida. Mesmo na correria indo pro trabalho, não tem como não as ver, não admirar, pequenos milagres da vida, que coincidindo com uma semana de feriado, apressa seu ciclo de vida, num espaço que em dias de aula, ficam impressas os rastros das centenas de pares de tênis, de adolescentes apressados, vindo e voltando da escola.
Foto: Pracinha próximo à Escola Estadual Veríssimo Teixeira Costa de Curral de Dentro/MG.
Letra Cursiva
20 de outubro de 2018
Uma cerca que se encomprida, tanto quanto eram os dias d’uma época. Madeiras sobrepostas e entravadas, como fragmentos de traços de letras em manuscrito, formando letras As, letras Xs, até travessão, ¬como que mostrando os diálogos e conversas, entre os construtores dessa obra rústica, feita com muito suor e muitas xícaras de café. Escritas de uma época, sempre parando para pingar as letras is e voltando novamente a caneta, emendando de onde parou, até terminar a palavra. Onde a caneta se torna pesada, e a folha se torna estreita, para a mão áspera e calejada, que conduz vagarosamente, a caneta de sete milímetros de cânula cristalina, cuidadosamente guardada na gaveta da penteadeira, ¬pros pequenos não soverterem com ela.
Épocas de levar recados, escritos em folha de caderno pequeno, partida ao meio, quando o bilhete não preenchia toda a folha, ou em folha de caderneta de bolso. Ao finalizar, sempre via descrito: que a resposta deveria ser enviada pelo portador deste. A paisagem é como uma folha pautada em sentido retrato, e a Serra do Anastácio ao fundo, margeia a folha, como uma grande margem de moldura em alto relevo. Os bilhetes direcionados ao proprietário da casa, que tinha por ofício, fazer utensílios e serventias de couro.
Caro cumpadre
O motivo deste, se ocasionou da precisão de novas buracas, para trocar as daqui que já tão muito surradas. Estou lhe enviando o couro do estimado boi de carro que infelizmente, deixou seu companheiro de labuta, há noventa dias. Recomendo que o Sr. Faça as buracas num bom tamanho, pra caber na cangalha e se sobrar couro, já tou lhe mandando pelo portador, uma argola pro Sr. trançar um laço de oito fio, isso depois de ter tirado uma tira boa, pra fazer a cia nova, porque a outra já tá carecendo de trocar. Por isso, o motivo da outra argola maior.
Reconsidero meus votos de estima e consideração.
Atenciosamente.
Seu cumpadre.
O bilhete foi entregue após o meio dia, no pé da cancela, onde o destinatário estava assentado à sombra de uma aroeira, acabando de arrematar a costura de um par de buracas, de couro de um nelore erado. Os pontos eram demorados, visto que a “suvela”, primeiro ia trilhando o caminho a ser cosido pelas grossas linhas de couro cru.
Em sua lida, paciente, ergue as grossas sobrancelhas, olhando meio arqueado, recebe o bilhete e a benção do cavaleiro, e volta a coser o seu couro. Um rapaz de boné com o bico já descosturado, volta passa a cancela pro lado de fora do pátio, desce um grande couro, com manchas pretas, enrolado feito a charuto cubano, do cabeçote da sela. Desce amortecendo a queda com pé esquerdo de centroavante, ¬mas que na verdade, carregava uma espora de roseta niquelada de sete pontas¬ porque era seu ofício, ser vaqueiro, mas tinha um “jeitão” de zagueiro. Enquanto que já com a outra mão, amarrava a ponta do cabresto no mourão da pequena cancela, ¬de passar somente cavaleiro e mulheres com sombrinhas, não muito rodeada, senão, teria que fechar, pra passar na estreita entrada. Os carros de boi e eventuais carros, entravam pela porteira de três paus, ¬que deslizavam por um moirão perfurado a formão¬ na outra extremidade do pátio.
O pátio era um espaço cercado ao redor da grande casa de telhas comuns, fabricadas no barreiro ali mesmo próximo, na época de sua construção. A resposta do prazo de entrega das encomendas do bilhete, foi dita ao vaqueiro, depois de duas xícaras de café meio forte. Cujo prazo, era de quinze dias, mas a contar do dia seguinte. Dito isso, o rapaz deu-lhe a benção da saída, porque antes, na saída para trazer o recado, fora recomendado a ele, que não delatasse muito, porque tinha outra diligência pra fazer, antes do sol mornar de tudo, e se esconder atrás do recorte da capoeira ¬onde aqui e acolá, se via pés de pinha.
A casa com seu pé direito não muito alto, com portas e janelas, talhadas em madeiras retiradas da Serra ao fundo. Derrubadas por machados de lâminas afiadas, que eram alisadas na pedra-de-amolar ¬que ficava embaixo dum pé de laranja-da-terra¬ antes do primeiro raio de sol reluzir no seu corte afiado. As machadadas firmes e cadenciadas, ecoavam morro abaixo. Cortadas pelos prudentes e prevenidos homens, sabedores de tudo quanto haviam de fazer. Trazidas há umas quatro ou cinco estações antes, pra dar tempo de secar, e serem serradas à serrotão, de dentes bem travados. Dois homens, numa espécie de ¬ginástica de alongamento¬ um em cima, outro em baixo, d'um jirau, com puxadas fortes ¬de braços cheio de veias salientes¬ serravam por vários dias, as madeiras. Homens de mãos grossas, que facilitavam o esfarelar do fumo. Os cigarros, já começavam de cedo, e o último, já com o cair do sol. Assentado na calçada de pedras irregulares, onde o pitar do talvez, último do dia, já fazia luz vermelha intensa, na penumbra da noite que nascia criança, mais ia atravessar uma grande e vagarosa lua, até se tornar dia novamente.
Guiados pelas fases da lua. Tudo a seu tempo: tempo de roçar, tempo de queimar, tempo de encoivarar, tempo de plantar e tempo de colher. E como o tempo não para. Logo, logo, é tempo de olhar pro céu, e ver o imenso azul, se fechando em plumas cinzas. E o assopro que vem da serra, ¬como que alertando os pássaros para protegerem seus filhotes¬ porque o tempo já se fazia tempo de encharcar ninho desprotegido. É tempo de plantar, e assim os ciclos se cumpriam, numa era de tempos cronológicos, movidos pelos tempos pontuais e determinados por Deus.
Foto: Casa do saudoso Sr. Lerão Faz. Boa Sorte município de Curral de Dentro/MG
Foto retirado do vídeo, de um documentário sobre a Serra do Anastácio. Uma excursão de 2005
https://www.youtube.com/watch?v=boMI7yA4Z54
Vento Lateral
15 de novembro de 2018
Já foi dito um dia que: “Os ventos do norte não movem moinhos”. Mas os ventos que sopram do leste pra oeste de dia e de noite, com sol e com chuva, assopram e emoldura a paisagem. Penteando uma plumagem verde. De dia, com o sol deixando suas folhas mais brilhantes, de noite, com a lua, com seu brilho fluorescente, faz-se luzes num cabelo de fios reluzentes.
Com chuva, penteia e lava suas folhas, como lindos cabelos brilhantes, tal qual os cabelos sedosos duma cabocla, assentada numa pedra à beira do rio em que acabara de lavar seus longos cabelos, que o mesmo vento lateral penteia. Vento que passa roçando seus ouvidos, a desprendendo de todas as preocupações e aflições mundanas, só ouvindo o canto de pássaros, mesclados com o chacoalhar das folhas dum grande ingazeiro, debruçado na barranca do rio, com uma grande pedra estendida espalhada como uma imensa colcha de retalhos, sob sua sombra de galhas grandes.
A chuva que acabara de cessar, mas que ainda se faz em respingos, para decorar este cenário com um grande arco de sete cores, como se uma tiara fosse. Multicolorida, rodeando e enfeitando cabelos caprichosamente penteados. O balançar de suas folhas, se desenrola em camadas, esse cabelo de fios verdes, secados pelo Vento Lateral, cujos “fios” servem de descanso para o beija flor, que se seca pelo zunido de suas asas. Logo e muito logo, irá rodear o grande brinco de pequenas flores brancas adocicadas em cascatas, disputando espaço com abelhas, para colherem a seiva doce que salva vidas.
Noutro dia, pássaros pretos e bem-te-vis balançam ao sabor dos ventos, como presilhas, enfeitando esses cabelos verde-brilhante combinando com seu brinco, agora já de pérolas verdes em formato de cacho de uva, que logo se tornará gemas raras e apreciadas.
A blusa bege-marron de antes, agora tem um tecido com várias nuances de verde, e ainda decorado com gotas douradas da chuva recente, que faz a vida se transformar do simples ao mágico, do bonito ao belo, do inesperado à infinidade, do que talvez possa, uma dia, ter fim.
Foto: em torno de Curral de Dentro/MG - Novembro de 2018
Sopro de Vida
21 de novembro de 2018
Uma grande e imponente árvore, já com sua maioridade atingida, certamente com seus mais de dezoito anos, inexplicavelmente, quase teve sua vida parcialmente finalizada. Mas não totalmente. Ainda não tinha completado seu ciclo de vida, mas talvez fora involuntariamente interrompida, e em poucos dias, se tornou “árvore sem sombra”. Suas folhas foram desfolhando e murchando rapidamente até secar por completo. Mas como num grito de socorro, a natureza fez o seu papel. Após o corte de seus troncos, e depois de muitos dias de sol, ¬ dias com menos sombra¬ o então majestoso tamboril de folhagem densa, e dos grossos troncos curvos e robustos, que seguravam uma densa folhagem verde, sombreando bancos coloridos que ficavam sob a sombra, agora se tornaram também bancos retorcidos e ressecados a céu aberto.
Como uma grande sombrinha que se fechou e não mais abrirá, desprotegendo aos que sempre se serviram de sua sombra aprazível e acolhedora, nas tardes de recreios ensolarados. Das conversas reais, ou de telas virtuais, às conversas solitárias, entre o leitor e as falas impressas em folhas alcalinas, proporcionando uma viagem imaginária, mas num cenário real, com pássaros fazendo música de fundo. Folhas miúdas caindo como neve fazendo parte literalmente, das entrelinhas da literatura, lida linha após linha, criando um cenário real de um mundo impresso em linhas paralelas ¬ou seria lágrimas de uma árvore que silenciosamente chora, em ver o choro dos filhotes em seus ninhos desprotegidos em galhos desfolhados, expostos ao sol, também sem entenderem, quem, porque ou o quê causou esse dano¬ até o soar da campainha ao final do recreio, avisando pra fita marca-página, ser esticada e apertada entre páginas fechadas pro dia seguinte. A lua que nasce agora, faz clarão no chão, onde antes fazia sombra noturna em noites de “lua grande”. Sendo um grande poleiro, de aves que durante o dia, cantavam fazendo alvorada, entre seus galhos frescos, desde os primeiros raios de sol, fazendo parte do turno matutino e vespertino num cenário, que à noite, se torna mais silencioso, com os poucos alunos das turmas noturnas.
Olh’ela aí de novo. Mostrando sua resignação e superação, diante de atitudes, talvez não condizentes às coisas da natureza, que mesmo nos parecendo forte, se torna frágil e vulnerável frente à insensatez humana. Como num grito de socorro, num sopro de vida, a vida ressurge. Esses pequenos galhos, talvez não alcance toda a exuberância que um dia já teve, mas o tempo não para, a vida perpetua o dia entrega para a noite continuar o ciclo de renovação da vida. E os mesmos olhos que se entristeceram, agora admiram e esperam que a “sombrinha” uma dia, se abra e faça sombra, pr'os que dela precisam e apreciam. As outras árvores em torno da escola, se tornaram grandes, senão em tamanho, mas em beleza. Florescem e irradiam vitalidade, talvez alegres ao verem sua matriarca, por excelência, respirando novamente. Dizendo à ela, que não desista, ainda não é o fim, mas sim o recomeço dum broto que se tornará árvore.
Se houve alguma insensibilidade ou atitude impensada, contra essa robusta, mas indefesa árvore; que estes sensíveis e frágeis brotos, tornem as pessoas também sensíveis, e faça brotar em seus corações atitudes de preservação e conservação da natureza.
Fotos: Escola Estadual Verissimo Teixeira Costa - Curral de Dentro/MG
Pais e Filhos
06 de dezembro de 2018
Um imenso tapete verde estendido ao chão, serve de passarela pra passos apressados de pássaros e outros andantes, esticarem suas pernas, até pras cadelinhas dos meninos, fazendo sua caminhada, nas quase sempre tardes de sábado. Correndo inquietas, exploram uma área infinitamente maior –que a dos quatro muros urbanos da cidade– latindo eufóricas codornas e calangos.
Não se sabe, se é a lente do celular que procura e encontra, ou se a natureza que se exibe despretensiosa, mas não despercebida, para uma lente curiosa. Num raio de pouco mais de cem metros, há uma diversidade de vidas: Seja em ninhos de gravetos, seja em cupinzeiros, seja em ninhos de pau-oco, onde as tagarelas maritacas e papagaios, chocam seus filhotes –que depois de apanhados, ficam nas janelas das cozinhas, ouvindo as conversas das “cumadres conversadeiras”, e depois saem fuxicando o que ouviu– ou em casinhas; que às vezes se tornam num pequeno condomínio de quarto e sala ou um puxadinho, ou a casa do primogênito. Como casinhas de zona rural onde os primeiros a se casarem, fazem suas casas ao lado da sede do pai, que gentilmente cede um espaço, pra terem seus netos sempre por perto.
Já o periquito usa de hospedagem um cupinzeiro, que certamente já estivesse abandonado. Logo, logo, pequenos seres verdes, deixarão a paisagem mais verde e mais cheia de sons, com uma grande algazarra. Gralhando e confundindo com o canto do João de Barro; gritando pra Maria: que se “aviasse” e ajuntasse logo os capins secos, –porque encontrara um barro macio na beira da lagoa, e o tempo das chuvas, já se cumpriria logo, conforme sua sabedoria– não podendo ficar pela metade, a casinha do seu primeiro filho, sendo construída, parede e meia com a dos pais.
Casinhas de paredes barreadas, construída lado a lado, talvez quando o filho ainda ensaiasse seu primeiro bater de asas, pra quando adulto, já tenha o seu lar. Pais cuidadosos, além de cuidar do seu primeiro voo, cuida também de fixar suas raízes no mesmo lugar onde nasceu, pra que sempre os tenha no terreiro ao lado. Casinhas iguais as de quarto e sala; quarto e varanda; e pequena cozinha –onde a fumaça, colore de preto-oleoso o baixo telhado– de janelas de madeira lavrada. Ou casinhas brancas com suas portas e janelas, onde quase sempre, predomina o azul ou verde, combinando com o verde-cana do pé de mulungu, quieto no seu canto, num canto do curral. Com suas sementes “feijõezinhos vermelhos”, servindo de adornos pra colares de crianças com seus brinquedos rústicos e brincadeiras ingênuas, ou pra comidas coloridas –crianças em sua tenra idade, se tornam donas de casa e cozinheiras– comidas de “mentira”, feitas por crianças de “verdade”, em panelinhas de argila, tão pequenas e singelas, quanto sua ternura num mundo de fantasia.
Casinhas de taipas, de baixas paredes, cheias de rachaduras irregulares, feito a leito de lago seca. Formando um mosaico de dezenas de figuras irregulares como uma grande colcha de retalhos de cor única “marrom-terra”. Terreiros em comum, com distância de cinco a seis passos largos –de bom andador de léguas– onde as lagartixas passeiam sem precisarem descer e percorrer muito terreiro quente, sem correr o risco de ser abocanhada pela gata amarelo-rajado, para dar suas primeiras lições de caça aos seus filhos. Curtindo sua preguiça, mas com um dos olhos entreaberto, de olho nos seus cinco ariscos e saltitantes gatinhos –que ensaiam como pegar uma borboleta, que sobrevoa sobre as flores dos pés de boa-noite–. Ela, mãe zelosa, esticada em cima do velho tronco de angico há muito, deixado ali no chão –já de cava funda, quase se separando ao meio, das incontáveis machadadas pra se cortar lenha sobre ele, ou picar ossos de costela: ora de novilha, ora de porca-capada-gorda e muito raramente, de carneiro–. Terreiros separados somente por alguns pés de plantas comuns: graxa, crote, comigo-ninguém-pode, boa-noite e os esbanjadores de cores “buguevi” (buganvília) –românticos abraçadores de cerca debruçados no canto do terreiro– decorando o chão com suas flores rosa e vermelho intenso, caídas ao chão, que depois são caprichosamente varridas. Alguns pés de rosas, rodeado por terra, elevando-se um pequeno “munturo” a seus pés, pelas varridas do terreiro nas manhãs de sábado.
O grande mandacaru, já de canelas alisadas, depiladas pelo tempo, mas ainda de braços espinhosos, do quais um fora ao chão. Cortado, brotou e gerou a vida do pequeno cacto. Filho miúdo, mas já com suas defesas afiadas, visto que é vulnerável, mas não indefeso. Mandacaru pai, em seus braços erguidos, exibe botões, que desabrocha em flor, que se torna semente dum doce fruto –que levado a outros filhos por pais cuidadosos que voam o dia todo pra alimentar sua prole, semeia a semente de filhos que virão, num ciclo contínuo que se renova a partir dos filhos.
“[...]
Que eu possa agradecer a Vós,
minha cama estreita,
minhas coisinhas pobres,
minha casa de chão,
pedras e tábuas remontadas.
E ter sempre um feixe de lenha
debaixo do meu fogão de taipa,
e acender, eu mesma,
o fogo alegre da minha casa
na manhã de um novo dia que começa”.
Cora Coralina
Fotos: Fazenda de “Tunico” – Curral de Dentro/MG, 06/12/2018.
Caminho das Águas
06 de janeiro de 2019
Quando o céu se fecha, e o vento forte faz potro novo se proteger debaixo da cauda de mechas esbranquiçadas, de sua mãe, é sinal de chuva forte. Uma profusão de nuvens se amontoa, criando um grande manto, bordado de grandes retalhos cinza, em alto relevo; trovões ecoando seu som grave, feito grandes pedras rolando umas sobre as outras, estrondando o céu e saindo faíscas, que podem até “coriscar” nos espelhos das casas humildes, que logo são tampados com toalhas em sinal de respeito “senão pode puxar as faíscas” e menino tem que ficar quieto sem fazer estripulias. Até os caminhos se esvaziam, os animais se recolhem por um tempo. Ao esvaziá-las sobre a terra, o céu volta a se abrir. É quando o sol irradia e mostra os novos caminhos que se abriram: Os caminhos das águas.
Caminhos sinuosos, que foram vincados e entalhados, pelo vai e vem de pés pesados. Gado que rodeia a lagoa, para saciar a sede em tempos de água curta. Pés que agora, já molham antes de se chegar à lagoa, chacoalhando a água que corre pelo caminho que antes chiavam-se os cascos, na areia fina e quente. Gado e também alguns cavalos, enfileirados descendo apressados, de cabeça baixa, em respeito ao sol impiedoso. Mas que em tempos de chuva, se faz ameno e o gado ergue a cabeça estendendo o seu olhar na vastidão verde que se vai além de sua visão.
Caminhos quando de areia, passavam também pés pequenos: rolinhas, tico-tico, curraleiras e joão-de-barro. Perninhas curtas de pés miúdos, escrevendo caminhos de uma letra só do alfabeto grego. Quase um hieróglifo de um único símbolo. Texto comprido, escrito na areia, como uma folha em branco. A mesma letra escrita dezenas de centenas de vezes, deixando o seu significado, à interpretação individual de cada observador.
Seus rastros impressos, na fina areia alva, tem o formato que se assemelha ao símbolo Ψ (Psi). seguem perfilados, escritos em ziguezague, que como sua própria simbologia descreve: Significa “alma” ou “espírito”. Podendo ser entendido como: estudo da alma. São pequenos pássaros, de passos miúdos, seres que transmitem muita serenidade e paz espiritual, àqueles que os observam, escrevendo sua história, mesmo sendo leigos no letrado, mas exímios sabedores das coisas divinas, e que nos ensina com seus gestos. Onde passava paca, hoje passa piaba; onde passavam calangos, hoje navega girinos com seus lemes traseiros guiando-os por caminhos certeiros. Hoje atravessa quero-queros e garças de canelas altas. Onde passava tatu, hoje não pode passar cotia, mas passa capivaras em vias inundadas que por um tempo será dos anfíbios e seres da água, mas voltará a ser caminho pra todos.
Caminho que se tornou rio de águas rasas, onde piabas e caris “fuçadores de areia” como pequenos tubarões, de chão de mar, revolvendo seu fundo de mar raso. Caminhos que também eram de formigas, hoje sobrevoam libélulas, em seus voos rasantes com suas quatro asas, feito a velozes aviões kamikazes. Não despejando bombas, mas despejando frutos de novas vidas, num canudinho verde, que tem suas raízes fincadas no chão submerso. Uma fenda aberta no junco deposita seus ovos, cumprindo seu papel de fêmea, pra multiplicar a vida.
Seja em caminhos secos ou inundados, caminhos largos ou estreitos, de pedra ou de areia, que escrevamos nossa história, nas páginas de um mundo de múltiplos olhares e múltiplos andares.
Fotos: Boqueirão das Caraíbas – Curral de Dentro/MG
Luz dos Olhos
13 de outubro de 2019
Assim como a lua, tão distante flutuando no espaço, não sabemos de onde veio e para onde vai. Assim são as crianças –sabemos de onde vieram, mas somente genealogicamente, mas espiritualmente não– certamente dum lugar iluminado, cheio de brilho e luz divina.
Diferentemente da lua que não tem luz própria, –mas brilha a cada pôr do sol, que a permite mostrar seu brilho meio fluorescente mas suave aos olhos, pra que possamos admirar toda sua magia– as crianças já nascem com luz própria, que fazem nossos olhos brilharem –quando nos pegamos a observá-las, muitas vezes com o olhar quase encharcado– feito ao raiar do sol em folhas orvalhadas, em manhãs antepostas de noites chuvosas. Noites sem lua, mas noites iluminadas por pequenos brilhos reluzentes de pequenos infantis vaga-lumes. Apesar de terem um dia em homenagem a elas, as crianças são como o sol, que sempre brilha. Se de dia, com muita intensidade, e à noite dá lugar à sua protegida para que também mostre sua luz.
As crianças sempre deverão ter um “sol” que as proteja, que as guie e as faça ser sempre um ser de luz.
Feliz “Dia dos Adultos Crianças” que tornemos ao menos por um dia, pequenas estrelas, na imensidão do universo infantil!
Foto: Nascer da Lua ao redor de Curral de Dentro/MG 13/10/2019
Os primeiros degraus da “Escadinha das Letras”
14 de outubro de 2019
Um dia já foi dito por Nelson Mandela: A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo. E Paulo Freire, sabiamente complementou: Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.
E vocês professores, são literalmente, agentes de transformação, que mudam a vida das pessoas do nosso município, por conduzirem nossos filhos aos caminhos da sabedoria. Assim como os pássaros, um dia eles alçarão voo, e conquistarão o mundo, e vocês serão sempre os protagonistas, por terem dado asas a esses pequenos pássaros de outrora.
A sabedoria pressupõe ter compressão de um mundo mais justo, mais humano. A verdadeira sabedoria está em se colocar, não acima de seu semelhante, mas abaixo dele. Principalmente daqueles que não tiveram a mesma oportunidade de escolarização, para entendermos o seu ponto de vista, as suas necessidades. Aí sim, usarmos do que aprendemos na escola, pra sermos úteis e solidários com aqueles que carecem de leitura, mas tem sabedorias, que às vezes a escola de paredes não ensina, mas se aprende na escola da vida. Ser professor, principalmente no Brasil, não tem preço, mesmo porque, o preço que lhe é pago, não está à altura da sua importância como mediador e formador de tantos outros profissionais, nas mais variadas profissões. Mas tem sim apreço. O amor e dedicação pela profissão, sobrepõe as dificuldades. Profissionais vocacionados enfrentando as adversidades, comprometidos e sabedores da sua importância para um mundo melhor. O seu prêmio maior, é o sentimento de dever cumprido.
E nós pais, ficamos orgulhosos em ver as primeiras palavrinhas, escritas ainda em caixa alta, traçadas com muita dificuldade, e que ao chegarem em casa, vão logo todo orgulhoso mostrar aos pais, suas “tarefinhas”, com figuras coloridas, ultrapassando o contorno da imagem, mas ultrapassando mais ainda, sua imaginação, que a cada dia irá se desenvolver, pela maneira lúdica e carinhosa com que a(o) “ Tia(o)” lhe ensina dia após dia.
Quando o pai vê sua filha descendo a escada, no último dia de aula do 5º Ano, em que acabara de se despedir de sua “Tia” –com os olhos encharcados e de vozinha embargada– aí entendemos o verdadeiro papel do professor. Isso também não tem preço. Não é à toa que os pequenos os chamam de tia, de tio, um adjetivo carinhoso, de uma admiração gratuita e verdadeira, que carregarão pro resto de suas vidas. Lembranças daqueles que lhes ensinaram os primeiros traços, para escreverem sua história num livro ainda de páginas em branco, mas que já vai tendo seu primeiro capítulo escrito.
No dia 15 de outubro, em que se comemora o “Dia do Professor”, me lembrei de toda uma trajetória escolar até aqui vivenciada, na cidade de Curral de Dentro/MG. Desde 2007, iniciou-se um período de idas e vindas, aos ambientes escolares. Seja para levar e buscar meus filhos, seja em reuniões de pais acompanhando o desenvolvimento escolar, e principalmente, nas apresentações e projetos desenvolvidos pelos professores, onde os pequenos se tornam, com muito entusiasmo euforia, artista por um dia, tornando protagonistas das histórias com cenários multicoloridos. Portanto, já são doze anos, que semana a semana, mês a mês e ano após ano, em que meus três filhos, cada um a seu tempo, correram pelos pátios e calçadas destes espaços de educação e lazer aqui desta cidade. Crescendo e se desenvolvendo, num espaço de convivência e grandes aprendizados.
As eventuais marcas deixadas nos “joelhinhos” das corridas eufóricas, nos pátios da Pré-escola e anos iniciais, agora já não estão tão visíveis, mas se manterão gravadas na memória deles. As vivências e imagem das(o) “Tias(o)” que conduziram suas mãos, para traçar os primeiros rabiscos transformados em letras. Pequenos alunos de passos, ainda não tão firmes, mas cheios de energia e euforia, começando a escalar os primeiros degraus dos ensinamentos pedagógicos, para o aprendizado contínuo da vida. Tias(os) que a partir do 6º Ano, não mais as terão. Entra em cena, a figura do “Professor”. Cada um com sua Disciplina distinta, e sua maneira peculiar de conduzir o aluno. Além de ser professor, são mediadores e condutores, que os incentivarão e os conduzirão a descobrirem as aptidões e vocações profissionais, de adolescentes e até os “pré-adultos” do Ensino Médio.
Fica aqui o meu sincero reconhecimento e gratidão, a todos os profissionais da educação: Gestores escolares, professores, especialistas, auxiliares de secretaria. E por último, mas não menos importante, mas imprescindíveis, os profissionais que cuidam da limpeza e preparam a merenda, pra que nossos filhos tenham de fato, um ambiente acolhedor e uma alimentação saudável e nutritiva. E de maneira especial, em nome de meus filhos, agradecer aos professores que desde o Pré-escolar da saudosa "Tia Lia", os tiveram como seus alunos, sendo suas tias por um determinado ciclo de convivência e afinidade, num ambiente de descobertas e aprendizagens: Tia Nil, Tio João, Tia Débora Ilza, Tia Milena, Tia Dinha, Tia Leonora, Tia Daniela, Tia Jany Gomes, Tia Jucilda, Tia Dagmar Alves, Tia Vilma, Tia Ana Rosa, Tia Aline, Tia Sandra Dias, Tia Lúcia, Tia Erlice, e fechando o ciclo, Tia Denise. Esta última, fecha o último ciclo (de três filhos), dos anos iniciais do Ano do Ensino Fundamental, visto que minha filha de 10 anos estará concluindo este ano, o 5º Ano do Ensino Fundamental, terminando a primeira fase, de outras que virão.
Que Deus sempre lhes dê sabedoria, para continuar no ofício de encantar e de ensinar.
“Quem não muda sua maneira adulta de ver e sentir, e não se torna como criança, jamais será sábio”
Rubem Alves.
http://desenhosdesabrinaegabriel.blogspot.com/
Colar de Brilhantes
06 de janeiro de 2020
Um pequeno pé de mamão, que dias antes não se achava tão atraente. Visto que suas folhas andavam meio cabisbaixas e quase amarelando. Mas hoje, se exibe todo feliz com suas grandes folhas verdes, vistosas, e já iniciando seu ciclo frutífero.
A chuva o tornou mais belo, decorando-o com um colar de brilhante, criado pelo elemento que verdadeiramente, simboliza a riqueza da vida na terra. A natureza sempre nos surpreende. Uma riqueza que não se mede pelo valor capital, mas pelo valor divino, visto que é Deus que se faz presente nessas pequenas gotículas, que faz florescer os frutos da vida e nos fazer compreender, que a verdadeira riqueza não é material, mas sim espiritual.
Esta planta com certeza está toda orgulhosa, não somente pelo brilho que a chuva trouxe, mas feliz pelos frutos que vingarão e alimentarão outros seres, perpetuando a vida. Enchendo nossos dias de cheiros, cores e sabores. Dos pequenos seres que se alimentarão desses frutos, enriquecerão os nossos dias, com seus cantos e cores. Essas pequenas gotas cristalinas, são capazes de enriquecer a vida. Mesmo que os cristais caiam outros virão num ciclo de riqueza que é infinitamente mais valioso que qualquer colar de diamante lapidado, pendurado em pescoços da "realeza" burguesa. Colares, que muitas vezes, ofuscam os olhos daqueles que só enxergam a riqueza material de um mundo capitalista.
Mas a vida nos ensina, que a verdadeira riqueza é imaterial. A pretensa riqueza material também, se esvai. Já as gotinhas do colar, cairão na terra fecundando as sementes do amanhã.
Que saibamos enxergar e valorizar a essência da vida, que começa com gotículas de esperança e fé.
Foto: Quintal de casa 06/01/2019
Arte Esmera ... duma Vida Singela! Umburana
31 de janeiro de 2020
A rudia embaixo do pote, em cima do lenço branco-encardido do dorso já quase dormente da negra-mulata, acostumada com a labuta e a lida sofrida da vida corrida dum tempo de paz, que hoje quase não se faz. Carregando água pra encher a talha, pra saciar a sede do marido que esculpe e entalha debaixo duma laranjeira, acompanhado pelo canto do sabiá –entre outras imagens, e personagens que compõem sua vida singela– a mesma figura viçosa da negra faceira, pra dar de presente e vender na feira. Pegando água ao pé do lajedo embaixo da umburana, numa pequena moita da chapada. Árvore sempre junto a seus pares: Aroeiras, paineiras, alecrins e também o quase sempre, primo inseparável, seu parceiro umbu, de frutos doce-azedo. Com sua resiliência, atravessa dias e dias de chapada de pouca chuva. Armazenando água em suas raízes em formato de grandes batatas regando suas raízes e pintando os galhos de florzinhas brancas. Cachinhos vicejantes de florzinhas miúdas, que nas noites de luas de setembro, se tornam pequenos lustres com lâmpadas minúsculas fluorescentes de cristais luminosos, iluminando um castelo cinza, ainda sem folhas, mas aos primeiros pingos de chuva, se pintará de verde, suas milhares de telhas em formato de folhas. Logo, logo, pequenos frutinhos cairão já doces e amadurecidos rolando ladeira abaixo, parando na fria e úmida areia à beira dum fio d’água fria que corre silencioso.
O vento que assopra, tinge o chão –forrado de folhas secas– num branco brilhante, das plumas das paineiras, que caem suaves como se flocos de neve fossem, fazendo nevar no sertão. A umburana solta suas cascas, em finas camadas de pele ressecada, mas de madeira muito macia e muito apreciada, praqueles que tem a mão santa. Transforma em arte, galhos secos caídos ao chão, dando nova vida a uma vida que se foi. Árvore de muitas serventias. Suas sementes adstringentes, dá um “apertume” de franzir cara de menino meio desenxabido, –por causa de seu mal-estar– mas a semente logo, logo, o tornará arteiro. Cura muitos males da vida, até feridas, e sempre as tem guardadas, as donas de casa prevenidas. Mesmo depois de cortada e usada pra fazer cerca, rebrota seus troncos se enterrados ainda verdes, em galhos perfilados feito a procissão das mulheres rezadeiras. Em tempos de sol impiedoso, saem nas estradas com ramos e cabaças d'água na cabeça, clamando pra que a chuva caia no sertão, aflore todas as plantas desfolhadas e desfloridas, e o sertanejo não esbarre na precisão.
Os adornos, imagens de santos e utensílios da lida rural, são representados e entalhados nessa madeira lisa e rosada. É uma espécie de souvenir, uma lembrança, um gesto de gentileza, demonstrando a gratidão do caboclo, quase sempre muito subserviente e servil ao patrão. A sua “caturrice” contrasta com a leveza com que suas mãos deslizam o canivete, dando formas suaves à madeira. Arte rústica com traços delicados, que decoram as paredes branqueadas à cal das varandas –de dias longos das casas dos patrões–. Dias de muita labuta, entre elas, a feita de bolos. Batidos na gamela com a colher de umburana, salpicados com sementes de erva-doce, e adoçado com o grosso açúcar –de arranhar fundo de gamela¬– comprado na venda que fica à quinze minutos de corrida de moleque “bom corredor”. Ao final, a cabocla de sorriso fácil, é presenteada com uma generosa fatia, –enrolada num alvejado pano de prato– dado pela patroa também generosa. Outra fatia –de encher as duas mãos do moleque corredor– é aparada e saboreada pelo veloz buscador de encomendas, com seus cabelos esturricados.
Uma garrincha com seu canto sacolejante –feito a pick-up com platinado colado, arranhando pra dar a partida de manhã cedo– chocando seus filhotes num oco de galha seca; um calango ou uma lambu, que correram sobre as folhas secas debaixo da umburana, –atiçando uma corrida com latidos estalados, do seu fiel companheiro– ou até uma pequena lagartixa, espichada em cima dum galho de umburana ressecado, caído em cima do lajedo, em seu banho de sol, esturricando mais ainda, sua costinha ressecada, –que carecem de se passar um “capucho” de algodão imerso em óleo de coco-da-bahia– um cenário cheio de personagens, que servem de inspiração, para o exímio escultor das coisas belas da vida simples. Sua arte enfeita a casa do patrão. Em cima do centro da varanda, um galho seco transformado em admiração. Uma parelha de boi de umburana, feita com muita maestria, encangadas em seu carro. Bois de chifres esticados, tal qual a “compridez” dos dias dos pequenos, –que sobem e descem os carreiros, de passos velozes, feito a calango escarreirado. Noutros dias, mais calmos, empurrando seus carrinhos de umburana, por estradas de mentirinha, levantando poeira que se dissipa, como o tempo, que vagarosamente vai os empurrando também, pra idade adulta, em que guiarão um carro de boi, mas carro de gente grande.
Oratórios são feitos dessa “santa madeira”, ficando de portas abertas em dias de orações, clamando para que as nuvens se ajuntem, e que logo, as folhas da também umburana, sejam alegradas pela abençoada chuva que fará brotar galhos, que darão as flores dos frutos da vida. Homens de braços de mãos calejadas, se ajuntam à tardezinha, na “venda” de prateleiras de tábuas estreitas. Uma “vendinha” acanhada, atrás de uma pequena cancelinha –mas essa, de madeira de lei pra aguentar o abre e fecha das mãos pesadas– já meio derreada, pelas tantas batidas. Na chegada a soltam leve, mas na saída, a batida chega a ecoar rio abaixo. Mãos pesadas e passos largos e meio cambaleantes, torna a cancela mais estreita ainda.
Na pequena “vendinha”, vê-se um pouco de quase tudo. Uma caixa de pilha grande pra rádio; um empilhamento de açúcar, embalados em saquinhos de papel e tendo até de meio quilo; sal do bom RN –muito procurado principalmente pra salgar pano de toucinho de capado gordo– uma lata de querosene de 20 litros –com um jacaré impresso em alto-relevo– pra vender em litros, ou encher o velho lampião à querosene, em cima duma cantoneira, pra quando as conversas de alongar noite adentro. Penduradas na frente da prateleira, uma cartela de disco de pedras pra isqueiro e uma cartela de lâmina de barbear “Gilete e da boa” pra aguentar desbastar os pelos grossos de faces áridas e enrugadas.
Num canto ao fundo do pequeno cômodo, onde o baixo telhado se apoia, vê-se uma folhinha-calendário pendurada na parede –marcando as datas, mas de dois anos atrás, afinal, o boi nelore da gravura, era figura de admirar– ornamentada por uma pequenina colcha de renda, tingida d’um amarelo encardido. Muito pelo tempo, mas também tingida pela fumaça densa, das tragadas e assopradas que sobe desenrolando e esfumaçando uma pequena teia, tecida vagarosamente por uma pequena artesã. Ela no seu canto, sem pressa, tece; assim como os frequentadores das longas tardes também sem pressa, tecem sua história, nesse pequeno canto de mundo. Noutro canto, um baleiro feito a carrossel multicolorido, repartições de vidro, como grandes gomos de mexerica, cheias de bala, –à exceção de um, que fica os bloquinhos de papeis de cigarro– girando mostrando as balas coloridas: Balas de amendoim, menta, hortelã, nata, coco queimado, leite, de banana, de abacaxi, recheadas de mel; balas moles e duras. Na saída, essas multicoloridas, sempre enchiam a algibeira da camisa xadrez, em forma de troco, pra levar pros pequenos que ficaram em casa. Quase sempre caiam duas ou três pelo caminho, pelo sacolejar do cavalo castanho –que galopava sem muita pressa, feito ao dono– no ritmo do cair do sol. Uma réplica em miniatura, bem-ajeitado e bem-acabado, de um engenho de moer cana. Montado com muita paciência, dentro de um litro de vidro alcalino, que fica ao lado de outros, cheios ou já pela metade, com aguardente de todas as raízes, inclusive com casca da umburana.
Debruçados no balcão de adobe, com o reboco arranhado, deixando à mostra seus adobes –descascados pelas escorregadas das botas dos vaqueiros, com suas esporas de roseta de seis pontas, que sempre passam à tardezinha pra tirar a poeira da garganta– Balcão de pé umedecido, pelo gesto há muito tempo enraizado na cultura cabocla, de jogar “a do santo”. Num gesto quase sempre indicando com o dedo indicador da mão direita, pede uma “daquela”, e oferece a do santo, antes do copo ser erguido e lançada de um gole só, a aguardente com umburana, que desce queimando goela abaixo. Se assenta num velho banco, –um pouco recolhido à parte da rodinha dos senhores de posse, que conversavam ao pé do balcão– já com a palha ao lado da perna cruzada uma sobre a outra. Calça de tergal azul marinho, de bolso fundo, quase até aos joelhos –pra não correr o risco de perder as poucas notas, ganhas com muito suor– com remendos de outras cores e barra desfiada. Sacudindo a precata de pneu com corrêa de couro, deixando à mostra, suas unhas encardidas e meio deformadas, pelos tropeços da vida. Canivete já aberto, sempre afiado –numa pedra achada embaixo de um pé de umburana– pra não perder o corte preciso. O mesmo canivete que lavra a madeira e molda sua arte, corta o fumo pro seu cigarro, também castra o leitão pra engorda, tira a correia de couro pra precata, e ainda, pra amarrar o feixe de umburana, trazidos no ombro, –desgastando ainda mais, a camisa ganhada do Doutor filho do patrão, que estuda na capital.
Caboclo paciencioso, esfarela o fumo com movimentos circulares, entre as mãos ásperas. Espera a primeira fazer efeito e clarear as ideias, pra tomar mais uma, depois das conversas, entre rizadas. Umas mais graves ou mais agudas, e quase sempre chapéus –já surrados e de abas retalhadas pelos espinhos e galhos de alecrins– são erguidos, em menção a agradecimento Divino. Mesmo que os dias são de sol a pino, mas sempre terão dias em que as folhas amanhecerão com pingos cristalinos, e continuarão o dia todo, molhando seus passos e braços, nos carreiros agora estreitos, pela folhagem que cresce da chuva que cai, a terra umedece e a umburana agradece. Homens de pouca leitura, mas com sabedoria e dons Divinos, uns com o dom da lida, das coisas da vida; outros com o dom da arte em umburana, que a faz nas horas de lazer, enquanto o patrão não lhe chama. Mestre e Doutor, sem diploma de mestrado, mas preciso no traçado e ainda dá conta de plantar o roçado.
Debruçado na janela alheio à tecnologia, mas com o privilégio de dia após dia, assistir –numa imensa tela tridimensional de polegadas infinitas– as cenas do filme da vida real, que a cada dia se inicia um novo capítulo, cheio de sons e cores; voos e cantos, dos seres divinos que tornam a vida bela, ainda que singela.
Fotos : Fazenda Gameleira.
Pequenos Admiráveis
24 de junho de 2020
Assim como esse pequeno cachorrinho, ensaiando seus primeiros passos –em uma caminhada numa tarde de São João em tempos de quarentena, monitorado pela sua zelosa mãe– esse imponente mandacaru, um dia foi também, um pequeno admirável, hoje se tornou um grande notável.
De longe se vê seus galhos como se braços fossem, erguidos para o céu, num gesto de agradecimento ao seu clamor pela chuva. Como já disse um dia Luiz Gonzaga: Mandacaru quando “fulora” na seca é o sinal que a chuva chega no sertão [...]
E esse majestoso mandacaru já “fulorou” dezenas de vezes, visto que já atravessou incontáveis primaveras desabrochando suas “fulô”. Gerando doces frutos, que o vento e os pássaros se encarregaram de semear as sementes, desses pequenos admiráveis nascendo em seu redor, e que também se tornarão grandes notáveis. Quando pequeno, ainda que belo, é naturalmente arredio. Mas é uma forma de defesa frente aos grandes. Mas o tempo faz da sua aspereza, um ser mais dócil, apesar de grande, demonstra leveza. Assim como o sol que nasce e cai dia após dia, caem também seus espinhos, o tornando mais afável. Agora já permite que os pequenos o abracem sem o perigo de ferirem. E esse majestoso mandacaru, com seu tronco liso-robusto depilado pelo tempo, –já não pede mais pra que se afaste– mas como que agora dissesse: venha, aproxime-se, não sou tão áspero quanto aparento.
Os anos trazem sabedoria onde os mais velhos acolhem os mais novos com sua leveza e doçura. A aspereza da juventude se torna em docilidade e acolhimento. Os anos moldam todos os elementos da natureza –mesmo água mole em pedra dura tanto bate até que fura– molda também os seres vivos, pra que os pequenos se sintam acolhidos.
Mesmo que agora grandes, mas ainda dóceis. O tempo amadurece os frutos os tornando doces. Assim também deveriam ser as pessoas, que amadureçam sem perder a doçura.
Fotos: Fazenda Caraíbas – Curral de Dentro/MG 24/06/2020.
Flor de Primavera
02 de outubro de 2020
Às vezes temos que aprender a perceber e interpretar as mensagens que Deus nos escreve, em forma de elementos e demonstrações, pra que tenhamos a sabedoria de se viver em harmonia com todos os seres. Assim como essa flor que nos ensina: que é um dia de cada vez. Não se atropela o tempo, sempre haverá o tempo de espera, tempo de cautela, tempo de ação e o tempo da realização. Da paciência vem a resiliência, da resiliência vem a prudência, de onde se terá a recompensa. Às vezes as realizações não são em forma de bens ou de triunfo, mas sim, em forma de contemplação de realização e admiração, daquilo que nós seres humanos, somos incapazes de criar. Mas que tem um ser supremo capaz de nos mostrar o verdadeiro sentido da vida. Tudo de forma lenta e serena, e cabe a nós desacelerarmos, para que possamos contemplar esses pequenos-grandes milagres da vida. Assim são os desígnios de Deus. Dia após dia as coisas vão acontecendo, ainda que invisíveis aos nossos olhos. Mas no tempo certo, e somente no tempo d’Ele, é que tudo que é semeado, um dia florescerá.
Dias atrás, estavas escondida, começando a se mostrar devagar, e hoje se manifesta toda formosa, sensível e de uma beleza fugaz, mas que colore e traz mais beleza e leveza aos nossos dias. E somente uma única vez a cada ano, a cada primavera, o bulbo que fica escondido em baixo da terra, mostra a beleza da criação divina. O mesmo sol que aquece a terra fazendo o bulbo germinar, agora dá brilho às flores. Apesar da sua simplicidade se torna especial, por se mostrar somente uma única vez a cada ano, e em pouquíssimos dias de exibição.
Ainda que caiam as folhas e essas flores murchem, –e saiam levadas pelo vento, que varre o solo preparando-o para as chuvas que virão–, ainda haverá as raízes, que se renova e se mostra a cada ano, no ciclo contínuo, sereno e cadenciado da natureza.
Fotos: Quintal de casa – Floração da Amaryllis (Tulipa brasileira)
Foto em Preto e Branco
05 de outubro de 2020
Apesar do sol ofuscar nossa visão quando está se escondendo, deixando o cenário como um negativo de filme fotográfico, ainda assim, é um belo cenário. As cores cinzas, contrastando com seu brilho intenso, pintando um quadro em dégradé, nos revela formas e contornos, daquilo que já conhecemos e sabemos que é belo.
Foto: Minha filha
Quando a Chuva chegar!
07 de novembro de 2020
Quando a chuva chegar e a terra molhar —e quando chove de maneira contínua e suave, como nesses últimos dias— em que teve noites sem estrelas, mas noites inteiras e madrugadas de telhados encharcados, pingando a abençoada chuva que escorre e umedece o chão, fazendo germinar as sementes que estavam ocultas aos nossos olhos, aguardando a hora certa de se desabrocharem. Quando a chuva passar, e o vento assoprar as nuvens, abrindo uma imensa janela, o sol brilha e faz a sua parte. Tornando mais radiantes esses pequenos seres vivos, que a natureza se encarrega de dar continuidade ao seu clico de vida.
O sol aquece a terra umedecida e a semente se faz em pequena gema, se fazendo em pequenas folhas miúdas, mas que logo se fará planta, que se fará flor e tão logo, com outras chuvas que virão, se fará fruto. Fruto que de novo, continuará o ciclo fértil da vida. Outras que já são grandes, cumpre seu papel de florescer e tornar mais bela a paisagem, enquanto suas flores vão se tornando frutos.
São pequenos milagres que acontecem, e se multiplicam providencialmente e de maneira sábia, visto que já nasceram em terra fértil adubada por outros seres que completam toda uma cadeia de vida. Vidas que se convivem e se ajudam. Ainda que de forma involuntária, mas tudo providenciado, planejado e traçado por “Aquele” que criou tudo que nossos olhos possam ver e muitas outras, que nossos “olhos nus” não enxergam, mas que se revelam tudo a seu tempo. Tempo que às vezes não temos pra observar esses acontecimentos, mas muitas vezes o tempo se faz necessário, para direcionarmos nosso olhar pras coisas simples, pra que talvez aprendamos mais sobre as coisas ao alcance dos olhos, e que muitas vezes só enxergamos, mas não as vemos como verdadeiramente são.
Fotos: ao redor de Curral de Dentro/MG
O Tempo!
06 de Março de 2021
A natureza nos dando uma lição de sabedoria. O tempo, como senhor e mentor de tudo e de todas as ações do universo, mostra que a cada tempo tem seu ciclo e a cada ciclo, tudo se regenera, se renova, se resplandece. Uma vegetação que se mostrava ressequida, que até mesmo os resilientes cactos, se mostravam meio verde-acinzentado, poupando suas reservas de água até a próxima temporada de chuva. E após muitas noites de lua, dias de sol, dias de sol com nuvens e dias de chuvas ralas ou chuvas esparsas, hoje o mesmo plano de fundo, está pincelado com tons mais vivos. Onde toda flora se exibe, não mais de forma sutil, mas com cores intensas, de folhas de um verde brilhante, juntamente com um piso verde-plumado e macio, diferentemente do piso arenoso e quente do também ensolarado e quente mês de agosto de 2017.
A lagoa de nome farto, por ironia, estava pobre, com seu piso rachado quase sem vida. Agora volta a fazer jus ao seu nome “Lagoa da Fortuna”. O seu piso se tornou em um espelho d’água que reflete um céu dum azul anil, bordado com plumas brancas-alvas, mas que se acinzentam no tempo certo, pra transformar em chuva alcalina, que enche a lagoa, e a faz se afortunar novamente, pra que tudo e todos em seu redor, se fecunde, se prospere e se perpetuem. Talvez não seja fortuna pra nós seres humanos, mas certamente é uma fortuna imensurável pros seres da natureza que dependem da riqueza que cai do céu, em forma de um elemento essencial pra vida, também pra dos seres humanos.
Temos que dar tempo ao tempo, pra que tudo, a seu tempo e no tempo de Deus, floresça.
Foto: Lagoa da Fortuna Curral de Dentro/MG 06/03/2021.
Ponto e Vírgula
21 de Março de 2021
Numa despretensiosa caminhada hoje à tarde com os cachorrinhos, sem saber o que poderia encontrar, —além de uma revoada de “verdadeiras” logo no início— me deparei com essa árvore toda enfeitada de bolinhas amarelas, ainda que não fosse Natal. E logo depois, estando assentado num cupinzeiro degustando algumas dessas doces “pinhas do cerrado”, estava ao meu lado um estático “Toco” que um dia fora árvore, mas que chegou no seu fim, no seu ponto final de sua existência. Não se sabe qual árvore foste, mas certamente teve sua trajetória, entre vírgulas, reticências, até, chegar em seu ponto final.
Numa breve reflexão sobre o ciclo da nossa existência aqui na terra, me pus a questionar sobre os intervalos e caminhos que percorremos, como numa narrativa, onde podemos usar todos os sinais de pontuação. Em nossa trajetória, em sua maioria somos vírgulas, pra que possamos parar, respirar, refletir; repensar e recomeçar. Noutros momentos, temos que ser ponto e vírgula, para quando tivermos que tomar decisões e resoluções que envolvam um tempo maior.
Reticências para sermos reticentes, naquilo que tivermos dúvidas, pausar e agir com prudência. Que coloquemos entre parênteses, não só o que nos seja conveniente e importantes, mas também a importância do outro. E que nunca esqueçamos dos travessões que são expressões, falas e conselhos daqueles que tem a sabedoria de uma trajetória cheia dessas pontuações, ainda que não saibam descrevê-las em traços em folhas pautadas, mais sabem escrever nas entrelinhas da vida. E que sempre nos esmeramos nos colchetes, contidos as descrições das falas simples dessas pessoas sábias-autodidatas. E se preciso for, sublinhar esses sublimes conselhos.
Que sejamos menos interrogações daquilo que se pressupõe ser o correto. Que sejamos mais exclamações das interjeições de admiração, de tudo que é belo, ainda que simples ou sem cor, mas que sempre devemos elevar os pensamentos entre aspas, duplamente, reverenciando ao Divino Criador, de tudo que nos rodeia. Que usemos Dois pontos para fazer um balanço e descrevermos tudo que aprendemos de relevante, e também daquilo que almejamos conseguir sempre escrevendo nossa história, usando como parâmetro as experiências vividas.
Que não sejamos ponto antes do fim da página. E quando se pontuar com ponto final, será como esse tronco que já finalizou sua trajetória, mais ainda assim, já se iniciara outra história, visto que suas sementes já foram semeadas, levadas pelo vento, pelas águas que escorrem pelos carreiros, ou pelos pássaros que as semearam mais longe. Assim também é a humanidade, quando se pontua um final, outro já começou a ser escrito, pra que sempre haja páginas escritas com seus pontos e contrapontos da história de cada um.
Foto: A 400 metros depois do final da Rua Unaí Curral de Dentro/MG.
Segundo Andar
27 de Março de 2021
Dizem que quando se sobe uma montanha, estaremos mais próximos de Deus. E isso se constata quando estamos vendo boa parte do mundo lá de cima. Nos eleva ao menos por um instante sermos seres melhores, superiores. Não superiores aos outros, mas pra superarmos a nós mesmo. Apesar de nascido e passado toda minha infância a uns três quilômetros de distância da Serra do Anastácio, já haviam mais de 25 anos, desde a última vez que respirei o ar dessa altitude. Talvez alguma pedra tenha sido rodada e movido de lugar pela força das enchentes, mas certamente o lugar continua tão bonito quanto e a emoção foi em dobro. Desta vez, foi mais significativo e marcante, por fazer o percurso com meus filhos, que sempre o quiseram fazer.
Os casebres hoje em ruínas, já habitaram pessoas, —que ainda me lembro: desciam de lá e traziam palmitos e outras especiarias, para trocar por outros alimentos com minha mãe— não se sabe pra onde foram, certamente, muitos já passaram pro terceiro andar, pra um plano superior, visto que cumpriram sua jornada aqui na terra. Quando nas noites frias —de cachorro andar encolhido, se esgueirando em redor num fogão¬ dava pra ver de longe, o lampejo do fogo acesso no meio da casa, pra aquecer seus moradores em noites frias, dos meses de junho, quando a serra amanhecia coberta com um imenso cobertor branco de névoa tocando e umedecendo as pedras. Onde quase se perde o fôlego por uns instantes, não que o ar torne rarefeito, visto que a altitude é de 1.200 metros de altura —relativamente baixa se comparada aos mais de 8.000 metros do Monte Everest— mas pela visão panorâmica que temos dum plano mais alto e pela grandiosidade que nos faz sentir tão pequenos.
O cenário nos proporciona uma bela de visão de cores, movimentos e elementos: Imensos lajedos em um declive longo e acentuado, flores miúdas, mas de grande beleza. Borboletas coloridas com seus voos calmos e silenciosos, por entre as sombras de árvores frondosas. O canto de pássaros que ecoam serra abaixo, Beija-flores multicoloridos com seus roxos brilhantes; azul cintilante; vermelho intenso e verde neon. Até mesmo um olhar de satisfação do fiel companheiro —que se fez generoso e espontaneamente, de guia turístico— nos acompanhando desde o pé da serra onde mora os anfitriões desse lugar. E quando os menores se expressavam cansaço ele sacodia sua cauda como que dizendo “vamos você consegue”. Esses momentos nos servem como reflexão para se fazer uma analogia da vida. Assim como nas rochas molhadas temos que ficar descalços pra não escorregar, também devemos escalar os degraus da vida sem salto alto. Mas com pés de salto baixo, pés humildes. Foram pés descalços que semearam as sementes de ontem que alimentaram os que hoje, às vezes andam de salto alto.
Devemos compreender que, assim como a água nasce e brota num nível mais alto, mesmo ainda como um fio d’água fresco, que corre enfileirado por entre pedras —mas que já serve para saciar a sede da codorna, também com sua fileirinha de filhotes, de passos apressados, ainda de pluminhas feito a plumas de paineira, com seus papinhos cheios de pequenas sementes, mas que de grão em grão, enche seus papinhos, e se tornarão grandes amanhã— água que vai se avolumando e escorrendo prum nível mais baixo, pra saciar a sede daqueles que também moram no primeiro andar, nos tornando igualmente dependentes do mesmo fluido que faz a vida fluir, ainda que desiguais em nossa vã compreensão, mas semelhantes em nossa essência humana.
E é descalços, e somente descalços, desnudos das coisas materiais, que poderemos contemplar a natureza em toda sua plenitude. Podemos sentir a areia fina que massageia nossos pés —massageando e acalmando também nosso ego, que por ventura esteja elevado— É descalço também que se amassa o barro que constrói as casas simples de pessoas simples, mas que moram em lugares ricos de beleza. É descalço que se sente o calor da terra, que se sente a água fria desenrolando em pequenas ondas cristalinas carreando folhas e areia, num movimento contínuo. Carreando infinitos grãos de areia, redesenhando a vida nesse universo infinito, onde somos somente um minúsculo grão de areia.
Porque descalço viemos ao mundo, e descalço partiremos.
Fotos: Serra do Anastácio, município de Curral de Dentro/MG - 27/03/2021.
Régua em Descompasso
02 de Abril de 2021
Esses tempos de pandemia, serviu para nos mostrar, mesmo que de forma severa, que não adianta sermos grandes, sermos maiores, temos que ser iguais. E hoje Sexta-feira Santa, dia que simboliza todo o martírio e sofrimento de um ser que veio ao mundo para pregar preceitos de humanidade, e morreu desacreditado por muitos, que só vieram a acreditar Nele, após sua ressurreição. Serviu para mostrar que o mesmo ar que se respira num carro importado, se respira num fusquinha, ainda que não esteja condicionado ao seu sistema eletrônico, mas está condicionado à forma leve que você ver as coisas de janela aberta, sem se preocupar que empoeire seu banco que não é de couro. Muitas vezes só valorizamos o que é corriqueiro, como o simples ar que respiramos, e que Deus o proporciona gratuito pra nós; quando não o respiramos.
Quando se ver nosso semelhante agonizando, tentando através de respiradores mecânicos um fio de esperança. Um gesto que seria tão simples no dia a dia e que só se evidencia sua suma importância, quando nos vemos nesse estado. Nem sempre a condição social, faz seus pulmões espirar o ar que assopra livre lá fora. Mas ainda assim, têm muitos que ignoram, que acham que são imortais, mas imortal, foi quem criou tudo ao nosso redor. Mas quem não consegue ver e não compreende, se sucumbe na sua ignorância.
Agnosticismo, ateísmo, ceticismo e o negacionismo, são comportamentos que há tempos existem na humanidade. Esse último, se tornou mais evidente nos últimos tempos, em face da Pandemia, a despeito dos falsos mitos fascistas, que ignoram a sabedoria da ciência e ainda se vangloriam por serem chamados de mito, numa espécie de idolatria. Há momentos que temos que ser como a Mimosa pudica, que são plantinhas sensitivas que se fecham ao toque, numa demonstração de sensibilidade. Que não fechamos pra essas pessoas, mas que as mantemos à distância, pra que não nos sufoque com seu ar pesado e murche a nossa vitalidade.
Observando um ninho de garrancheiro à beira da estrada, com seu emaranhado de gravetos, a gente para pra pensar. As obras feitas pelos engenheiros da natureza são fora de esquadro, não têm traços retilíneos, mas tem solidez, tem harmonia tem simplicidade, não obedece critérios e por ser sinuoso se torna maravilhoso. A sabedoria Deus lhes deu, sem precisar de esquadro, trena, paquímetro ou escalímetro, mas que talvez se use o prumo. Mas o prumo da sabedoria, como forma de equilíbrio, para que não suba muito alto sem uma base sólida, sem uma base de humildade e honestidade, que falta em nós seres humanos.
[...] Meu caminho pelo mundo
Eu mesmo traço
A Bahia já me deu
Régua e compasso [...]
Aquele abraço - Gilberto Gil
Deveria se acrescentar na grade curricular das escolas, o que já se tem na grade da vida: a disciplina Caráter, e na parte diversificada, as disciplinas humildade e honestidade. Essas sim, verdadeiramente tem o peso maior na faculdade da vida, e que sem elas, sentiremos o peso das consequências. Nem sempre o maior homem é aquele que faz grandes feitos e constrói grandes obras. O maior do mundo fez coisas pequenas e sempre são as mais lindas. De uma simples gota d’água que se junta à outra se forma uma enxurrada, que forma um igarapé que se forma um rio que corre pro oceano.
Mesmo pequenas florzinhas, não são desprezadas pelas abelhas, que colhem sua pequena fração de néctar para encher o favo, que não só irá alimentar seus filhotes, mas também nossos filhos. Não precisa que seu armário tenha porta com amortecedor, que esteja alinhada ao esquadro, mas que a porta não se feche direito, pelos alimentos que o encha, e que irá amortecer a fome dos seus familiares. Que o seu filho não seja vítima de Bullying na escola pelo seu celular que não é tauk screen, mas que serve pra falar em som e voz com seus pais, e não em emotions sem emoção e calor humano.
Talvez a humanidade estude muito, mas se aprende pouco, desses ensinamentos. Estuda muito “academêz” e pouca sensatez. A faculdade sempre forma grandes médicos, grandes engenheiros, mas nem sempre formam grandes pessoas. Mas há aqueles que fazem jus à sua beca, e merecem nosso respeito.
Que não meçamos o próximo com a nossa régua, mas que o vejamos numa escala de medidas proporcionais à nossa compreensão humana, respeitando os limites individuais de cada um.
Fotos: “Ladeira de Conceição” – Curral de Dentro/MG
https://youtu.be/cVoT5d5MAno?si=dnOV-T4wIWSySQJr
Espelho d’água
17 de Abril de 2021
Um lago que já fora um grande espelho, passou um longo período como se fosse um espelho todo quebrado em milhares de pedaços, com sua superfície marrom que jamais poderia refletir as imagens que compõem o quadro da vida.
Mas com o vento fresco das noites —que prenunciam dias de chuva¬— veio varrendo esse espelho marrom despedaçado e empoeirado. Do dia pra noite os primeiros pingos de chuva, começam a colar e unir seus milhares de pedaços ora quebrados. Em poucos dias está todo uniforme, refletindo o clarão dos relâmpagos das chuvas que o fará ficar maior e mais transparente à medida que as águas represadas aumentam.
Quando o grande farol do dia se acende, se mostrando de manhã, às vezes as águas exalam uma leve névoa, como que um respiro de despertar. Durante todo o dia, reflete os imensos lençóis brancos que sobrevoam lentos e silenciosos sobre sua tela, mesmo estando à centena de metros de altura e os pássaros que também o sobrevoam, mas esses numa altura menor. ÀS vezes aparecem círculos que vão se abrindo —como num efeito de tela de descanso de uma imensa tela de computador— São os movimentos do balé dos peixes, fazendo sem saberem, uma bela imagem que se abre até se desfazer, levando consigo, as folhas que navegam sobre suas águas, como pequenos barcos à deriva, que irão se ancorar junto aos juncos ao redor do lago —que balançam como canudinhos em copos duplos de suco, com cubos de gelo tocando na borda do copo, mesclando seu “tinido” com as risadas estridentes dos adolescentes, numa tarde de lanchonete, ainda sem senha de Wi-fi—.
Pequenos caminhos sinuosos desenhados pelo nado dos patos d´água que com o brilho do sol, se tornam caminhos com cristais reluzentes. Outros pequenos círculos mais rápidos feitos pelas pequenas libélulas, em seus voos rasantes como pequenos aviões de asas transparentes. Quando a tarde cai e o sol reflete seu farol a 180º de inclinação no horizonte, como se fosse tocar na água, cria um cenário magnífico, com a Serra do Anastácio a Leste, imponente e majestosa, onde também brotam águas que irão ao encontro dessas, quando Deus abrir a torneira fazendo o açude “Empanzinar” e suas águas transbordarem descendo rio abaixo.
À noite, a luz que nasce atrás da serra, assim como o sol que também nasce atrás dela, faz se noite de luar. E em noites de lua grande, esse espelho fica ainda mais reluzente, refletindo milhares de luzinhas suspensas no universo.
E mesmo aqueles de visão já mais cansadas, podem contemplar esse espelho, ainda que precisem de vidros nos olhos, pra poder melhor te enxergar. Como diria Nando Reis na música Luz dos olhos:
[...] Pus nos olhos vidros para poder
Melhor te enxergar[...]
Espelho que reflete tudo e todos, que estão em seu raio de reflexão, criando imagens de ponta-cabeça, mas imagens belas, com pequenas ondas de oscilações de movimentos, mas são projetadas para a nossa admiração e reflexão... um espelho pra alma.
Fotos: Barragem no Rio Itaberaba Curral de Dentro/MG - 17/04/2021.
Altos e Baixos
04 de junho de 2021
Hoje numa ida rápida logo ali, somente na volta, que fui reparar. Uns pequenos jatobazeiros com frutos até desproporcionais ao tamanho da árvore. O jatobá do cerrado —que já não é um homenzarrão tão alto como seu primo da mata atlântica— mas esses eram ainda “rapazotes peduros”, franzinos e pouco maiores que uma bicicleta, mas já cheios de frutos. Estavam ali, como filhotes que rodeiam seu pai; já bem mais maduro, maior e também cheio de frutos, grandes e vistosos tanto quanto os frutos das diminutas árvores.
A cada dia de sol, seus frutos irão ficar —como uma cabocla de pele morena e curvas salientes de pele brilhosa— bronzeados e robustos, com sua casca ressecada e estalante, sinalizando praqueles que o apreciam: que sua farinha adocicada em formato de biscoito, está no ponto. Não precisa ser brilhoso —como brilha a casca do jatobá, quando o sol o aquece após uma leve chuva de primavera— mas que tenhamos brio nas nossas atitudes e sejamos dignos de admiração, ainda que sejamos pequenos jatobazeiros. Essas pequenas árvores nos faz entender: Que não há necessidade de sermos altos, a ponto de sermos vistos de longe, mas que tenhamos altivez, e sejamos grandes nas nossas realizações. Entre sermos importantes e imponentes —somente para elevar nosso ego— que sejamos úteis e amparáveis àqueles que talvez ainda sejam menores que nós, nessa pretensa escala social, de seres que se acham maiores que outros.
A natureza nos ensina que, não precisa de muita aparência, mas que se tenha essência. E na sua florescência, floresça, frutifique e semeie sementes de árvores vindouras. Nos ensina que o mesmo solo fértil em que nasce a grande árvore, nasce a pequena. Mas é preciso que se tenha raízes, pra que o peso do seu próprio tronco muito exacerbado e desmedido, não a faça vir ao chão no primeiro vento de verão.
Mas se ainda assim, a humanidade se opor aos ensinamentos da natureza, ela se encarrega de dá os frutos na altura em que todos alcancem, independentemente de sua “altura”, ignorando a escala de valores criada pelos homens.
Fotos: Ao redor de Curral de Dentro/MG - 03/06/2021
Casaquinho de Lã
11 de junho de 2021
A natureza é sábia e previdente, assim como uma mãe precavida e protetora. Ao pressentir que as noites serão frias, já providencia um casaquinho de lã para seu filho. Esta planta conhecida popularmente por bico-de-papagaio, também é chamada de: rabo-de-arara, manhã de páscoa, e ainda estrela-do-natal e flor-do-natal, —no Hemisfério Norte, ela floresce no mês de dezembro, quando a estação é inverno e coincide também com o Natal, fazendo jus ao seu nome— com suas guirlandas vermelhas, vibrantes e exuberantes, ornamentando naturalmente os jardins nas noites natalinas.
Aqui pra nós, no Hemisfério Sul, ela floresce também no inverno. Num exercício de paciência —como tem que ser pra ver as transformações da natureza acontecerem— eu a observei durante cinquenta dias, na confecção de sua nova vestimenta. Durante todo o ano, a gente a ver somente com sua vestimenta verde, mas no inverno, como que vestida para as noites festivas, ela se veste de roupa nova e fica mais alegre —como aquela criança que ganha um casaquinho de veludo, para usar nas noites frias do inverno— ainda que o calçãozinho não seja novo como o casaco; mas o aconchego e o carinho com que sua mãe o envolve, se torna tudo belo e novo. Ao acordar, já dá uma conferida na cabeceira da cama —só pra ter certeza se continua lá, o qual fora dependurado na noite anterior pra não se atrasar— e vai todo orgulhoso pra escola com seu casaquinho novo, tendo o maior cuidado pra não se sujar com a merenda, visto que outro novo, somente no próximo ano.
Companheiro inseparável —com dois bolsos laterais pra guardar balas, mas também para aquecer as mãos— que “acalorava” as noites frias de maio, para assistir à coroação das Festas de Maio, num palco montado em frente à Igreja Matriz. Ornamentado por um cordão de lâmpadas incandescentes penduradas, rodeando todo o palco, —como se estrelas fossem— iluminando o altar de anjos que coroavam a imagem de Nossa Senhora. Anjinhos posicionados em degraus, com suas asas de penas de papel seda, sendo assopradas pelo mesmo vento frio, que deixava a face dos expectadores mais branquinhos; meio rosadas. A partir do mês de setembro, quando já se inicia a primavera, o casaquinho que fora usado, também nas noites frias à beira da fogueira das festas juninas, agora já pode ser visto dependurado, porque as manhãs assim como as noites, são de ventos mais mornos.
Assim como a cada dia uma folha amanhece “colorida” de vermelho, assim também, as notas são guardadas uma a uma, dia após dia; porque o dinheiro é trocado e miúdo, como as florzinhas amarelas no centro de suas “guirlandas” vermelhas aveludadas, como se fossem pequenos botões forrados do “casaquinho novo”, que os pequenos, só se ganha uma vez ao ano, por isso se torna especial e de grande estima, zelo e admiração.
E é justamente no inverno, época em que essa planta coincidentemente, também se veste e se cobre com folhas avermelhadas e aveludadas para se proteger nas noites silenciosas, que assopram o ar gelado do inverno. Mas quando o sol a aquece, com seu flash intenso, contínuo e duradouro; exibem suas folhas pigmentadas de um vermelho intenso —feito a plumagem do guará-vermelho— onde borboletas e abelhas involuntariamente, contribuem para ornamentar e deixar mais belo o que já é formoso e primoroso. Sobrevoam e ainda polinizam suas flores, pra que a natureza continue confeccionando e bordando mais casaquinhos de lã, alegrando não só os pequenos, mas todos aqueles que veem essas belezas naturais.
A natureza como uma imensa máquina de costura, vai cosendo e unindo milhares de cachos, folhas e flores, formando uma imensa colcha de retalhos multicoloridos, que vai emendando e alinhavando, pra depois costurar e arrematar com pontos precisos e uniformes, onde tudo se casa perfeitamente, com uma linha invisível e interminável, que o tempo fia e tece sem pressa, na roda da vida que não para de girar e de fiar.
Fotos: Quintal de casa
https://youtu.be/nRfagfvQ8Wo?si=yW3qbQ1QBm1lDCEM
https://www.youtube.com/watch?v=nRfagfvQ8Wo
Sem Pressa
05 de dezembro de 2021
É chuva que cai, é vento que assopra, é folha encharcada que escorre gotas cristalinas, é fruto que de tanto maduro, também cai. É pássaro que come é semente que sai. É chuva que cai, é semente que levadas pelas águas, vai. Num canto se aquieta, é terra que vem se faz de coberta, pra ela esquentar e germinar.
É chuva que cai, é noite que chega, é vaga-lume que reluz, é noite que foi. É sol que sai, é terra que esquenta, é raízes que fincam no chão. É chuva que cai, é sol que sai, é torrão que racha, é semente que germina, é duas folhas que desabrocham, mas seu ciclo ainda não termina, apenas se inicia. Não demora, se tornarão dezenas de centenas de folhas, que cobrirão os galhos que farão sombra pra outros cachorrinhos e outros seres, ainda que não sejam os de hoje.
É cachorro que passa e pensamos que ele não a vê, —e se não ver, o quê que tem? Ele vê o que lhe convém— não é por pirraça, mas por causa de sua raça, que tudo cheira e tudo ver, a gente que não acha. Melhor assim, se fosse outros tipos de olhos de cobiça que a visse, não a deixaria estar, queria logo arrancar, e pra casa levar, ou por não vê-la, viesse a pisar.
É chuva que cai, é noite que cai, é dia que vem, é cupim que termina sua casa com pressa. Noutro canto, uma pequena “locomotiva” de dezenas de pequenos pezinhos, cruza o carreiro sem pressa, o cachorro nela tropeça, ela se enrola, “rodeira” ladeira abaixo desce, se aquieta, e depois de um quarto de hora, desenrola.
É chuva que cai, é botão que desabrocha, que se tornará flor, que se tornará maracujá. É chuva que cai, é chuva que cessa, é sol que sai, é pássaro que suas penas seca, sem pressa em seu poleiro, no topo da árvore, aguardando as mariposas que voarão, muitas para o bote de seu bico certeiro.
É chuva que cai, é vento que assopra, é dia que vem, é dia que vai, é vida que vem, é vida que se esvai, tudo no tempo de Deus, sem pressa e sem atropelo, com esmero, cuidado e muito zelo.
Fotos: Logo ali, Curral de Dentro/MG, 05/12/2021.
Pintura sem Moldura!
12 de dezembro de 2021
Logo ali, descendo uma pequena ladeira, a meia hora de passos, não muito lentos e nem muito ligeiros, pra acompanhar os passos curtos e cadenciados da cadelinha faceira —que apesar do tamanho, se faz de ligeira— se pode apreciar uma bela pintura, pincelada dia a dia, pelo pincel da natureza, guiado pelas mãos divinas de seu Criador.
Dias atrás, a paisagem ainda não era muito colorida. Como cai as gotas, que corre um fio, que se faz em rio, se acalenta num lago, até se empanzinar e deixar as águas continuar. Agora, a mesma paisagem se faz digna de um quadro, mas sem moldura, nem prego —que num canto duma sala qualquer a pendure— mas uma paisagem aberta à todos os amantes dessa arte, enquanto o tempo deixe que ela perdure.
Águas que criam reflexos, olhos ficam perplexos. Aos seres, causam perplexidade e felicidade. Águas que enchem o lago, mas também os enchem de alegria. Param inconscientemente, embevecidos da água que bebera, agora por um tempo, senta e a contempla.
Flores miúdas, flores graúdas: vermelhas, brancas, lilás e amarelas, compondo uma verdadeira aquarela. Umas plantas suaves, outras com espinhos, mas todas posam com suas flores e frutos, com muito carisma e carinho. Animais pequenos, animais grandes, uns que andam, outros que pulam, outros que nessas águas nadam e até saltam; outros que rastejam e outros que voam, certo é, que nossos olhos olham, olham e não enjoam.
De volta, subindo a ladeira, se faz necessário por um momento a caminhada parar, não por causa da ladeira, mas por causa do canto de sua majestade o Sabiá. Canto que ecoa, que viaja, atravessa a lagoa, enquanto doutro lado, o urubu —com seu paletó, preto descorado— voa.
Quadro sem parede e sem moldura pra expor essa pintura, mas que a natureza nos deixa emoldurar, até onde nossa vista alcançar, ou até onde nossa percepção puder suas nuances, cores e movimentos, enxergar. Pra acalmar e admirar toda sua imensa dimensão, e no seu colo de paz por um instante, acalentar.
Fotos: Ao redor de Curral de Dentro/MG, 12/12/2021.
À Primeira Vista
24 de dezembro de 2021
Chegando na cidade vindo da BR 251, a primeira vista natural que se tinha da cidade —apesar de estar distante se tornava em primeiro plano— era a Serra do Anastácio ao fundo, bem no fundo mesmo, a mais de 25 quilômetros. A lagoa à primeira vista, não se notava, ficava em terceiro plano ou quarto plano.
Quando a água era ausente nada se via, se ausentavam também as garças, e quem pelas suas bordas secas andasse durante o dia, avistava-se somente alguns cavalos magros pastando em seu leito, quase sempre seco e vazio. Os juncos e taboas decorando-a com seus pendões “marrons felpudos” —como picolés redondos de chocolate— expostos para a venda em dia de festival de sorvete.
Agora, a primeira a ser vista é ela, involuntariamente nosso olhar se dirige para o grande espelho que reflete o azul e as cores da cidade em seu entorno. Agora as noites serão de mais cantoria e algazarra dos sapos e rãs, com seus cantos amiúdes e estridentes, numa espécie de galanteio despretensioso, mas cheio de intensões. Seguramente, somente os que tem mais de três décadas, já presenciaram as lavadeiras e as “ariadoras” de panelas, muitas vezes molhadas pelos respingos dos saltos mortais dos moleques —de pele ressecada e cabelos esturricados de sol— com seus estilingues dependurados no pescoço, que após pubarem os pés de tanto ficar na água, saíam à caça de alguma codorna ou tico-tico.
Pra esta geração “smartphone”, é a primeira vez que se tem essa visão, mas pras gerações do rádio à pilha e da TV preto e branco, já tiveram essa visão. A lagoa transbordando, refletindo em cores, o raiar do sol e o grande clarão em noites de lua cheia, mas não se refletia os primeiros e segundos andares dos prédios, que hoje, refletem em seu espelho, demonstrando que a cidade crescera, e que já quase a abraça.
Tá quase tão vistosa como se viu noutras épocas, a natureza que em tudo se regenera, está fazendo seu papel, cabe a cada um de nós além de admirar, preservar e se não puder ajudar que ao menos não desajude. As tardes já podem ser de mais apreciação, mais admiração, ainda que de céu meio cinza, mas é quando ele se tinge de cinza, que tudo na terra se faz verde.
[...] Eu vim, vim parar na beira do cais
Onde a estrada chegou ao fim
Onde o fim da tarde é lilás [...]
A Paz - Gilberto Gil
Fotos: Lagoa de Curral de Dentro/MG 24/12/2021.
O Sertão Virou Mar
02 de janeiro de 2022
O mandacaru talvez não esteja entendendo nada, com água dando nas suas canelas de pelos duros e “agulhados” pra espantar desavisados.
O seu chão que há muito não encharcava, mas rachava, encharcou, alagou, tornou-se lago. A areia alva e fina, se tornou “chão de mar” que calango não pode atravessar.
Devido aos grandes períodos de chuvas “ralas” o mandacaru fez morada onde antes era água. Mas depois de muito tempo, a Lagoa da Fortuna se “afortunou” novamente, agora a água ocupa seu lugar dantes, e antes que seu potrinho dê com o focinho n’água, sua mãe dá a volta pela estrada, que quase se tornou novamente o vertedouro da lagoa. A riqueza que cai do céu, faz o sertão virar mar, a tornou rica. Abençoada lagoa que enche, mas não alaga, que faz transbordar de alegria todos os seres que dela dependem.
Que Deus conforte àqueles que por essas mesmas águas que a encheu, teve suas moradias invadidas ou destruídas, que Ele na sua sabedoria infinita, que tudo pode, tudo se cria, tudo se transforma, enriqueça seus corações de fé, pra que tudo se ajeite, que todos se recupere se reergam e se prosperem.
Fotos: Lagoa da Fortuna - Curral de Dentro/MG, 02/01/2022.
Águas Douradas
05 de janeiro de 2022
Hoje com nesse “mar d’água”, os burros não poderiam andar em círculo, que por milhares de vezes fizeram girar o engenho. Puxando o comprido mastro de madeira, como um grande ponteiro, marcando um tempo que já se foi, mas a história se fez, e ficou escrita.
Os primeiros que amassou e deu o ponto no barro para enformar e formar os tijolos, já foram descansar, no terceiro andar. Tocando os burros dando centenas de voltas para girar o engenho pra amassar o barro cinza que após secar ao sol e queimar, tornava-se tijolos resistentes, “tinindo” quase quanto o ferro, para sustentar como alicerce, o peso de muros, das casas de quarto e sala e até de primeiro e segundo andares.
O mesmo sol que a faz brilhar cor de prata de manhã, reluz dourada ao se por, dourando também os rostos que se silenciam por um instante, nas janelas entreabertas, curtindo a última brisa do frescor da tarde. A última revoada das andorinhas de voos rasantes, no espelho d’água, já se preparando para o acalentar da noite, que terá serenata dos cantores “coaxantes” da noite à beira da lagoa, no seu “lual”, mesmo em noites sem lua, a Lagoa se faz Dourada.
Talvez o dourado não esteja somente no seu nome. Lagoa de água branca-alva, prata ofuscante. Mas certamente, dourada fica a pele da mocinha, que passou a tarde de domingo se “amorenando” na piscina, mesmo que não à beira-mar, mas à “beira-lagoa”. Hoje, as luzes da cidade já sexagenária, já chegou em seu entorno e reflete seu brilho em suas águas. Cidade erguida em sua maioria, pela argila retirada do seu leito, por mãos grossas, que moldou o barro, o enformou e o desenformou. E já tijolo, secou, queimou; primeiro empretou, depois avermelhou, e por fim, branqueou.
O seu leito quando seco, se via os rastros e caminhos sinuosos, escritos pelos pneus das charretes puxando o barro, e dos caminhões Chevrolet D 60 e das Mercedes 1113, para “carrear” para a cidade, os blocos brancos que os moleques ficavam com o corpo todo “pinicando”.
Cidade que até hoje não parou de crescer e de escrever sua história, onde a lagoa, situada numa das entradas da cidade, se tornou um marco no rodapé de página, de sua história.
Fotos: Lagoa Dourada - Taiobeiras/MG, 01/01/2022.
Uma Pequena “Quase não Notável”
26 de fevereiro de 2022
Numa noite de neblina há oito dias, estava eu, parado na Avenida Afonso Pena, aqui de Curral de Dentro, já beirando à meia noite, aguardando minha filha, que vinha no ônibus que traz os estudantes do IFNMG de Salinas. Se não fosse pelo tempo da espera –que involuntariamente nos faz ficar ali, parado e em silêncio– talvez não a teria visto. Uma simples plantinha de beira de calçada, mas que olhada com mais calma se torna uma bela planta que compõe o cenário noturno.
Uma pequena plantinha desguarnecida, desprotegida, na longa noite, já quase entrando no outono, que se esfria ao se aproximar da madrugada. Pelo seu tamanho não seria notada, a não ser por eu está ali, parado ao seu lado. Uma noite de neblina, tendo que alternar o vidro entre subindo, descendo, meio a meio, pra sentir a brisa fresca da noite. O som do carro em baixo volume, mesclado com segundas vozes dos pequenos grilos cantando pra todo lado –e por ironia, a segunda música do Pen Driv “Noites com Sol” de Flávio Venturini– e a luz ao fundo no alto, fazia-se quase um sol noturno, iluminando os pequenos galhos daquela plantinha.
Ouvi dizer que são milagres
Noites com sol
Mas hoje eu sei não são miragens
Noites com sol
Posso entender o que diz a rosa
Ao rouxinol[...]
E foi num desses sobe e desce do vidro, que pude notar uma pequena vida, que não se sabe qual será seu ciclo de vida, visto que os comedores de grama e outras plantas, fazem a ronda noturna nas avenidas silenciosas, de cidade pequena, onde as noites silenciam mais cedo, e dá pra ouvir o som “estalado” dos seus cascos ferrados ressoando no asfalto. Às vezes andam de dupla ou três; ou mãe e filho, mas quase sempre solitários, talvez por ter escapulido do cabresto que o prendia pra ser selado logo às cinco da manhã, então saem na noite pra um lanche à beira da avenida. Mas como o tempo agora é de fartura, devido ao bom período chuvoso, essa plantinha escapou de ser “tosada” por dentes fortes e encardidos desses andantes noturnos, balançando suas caldas pra lá e pra cá, como pêndulo dum relógio marcando o tempo da madrugada que chega devagar, assim como seus passos.
Mas depois de oito dias, voltei ontem no mesmo horário, e ela ainda está lá toda vistosa, iluminada pela luz do poste que lhe faz companhia nas noites frias. Com suas raízes encravadas no passeio de paralelepípedo, que nos últimos dias foram irrigados frequentemente, dando-lhe muitos dias de vida. E à noite a brisa fresca que assopra da lagoa, agora bem “rechonchuda” faz a noite ficar ainda mais fresca, junto com o sereno que molha suas pequenas folhas.
Pequenas coisas que quase não notamos, não enxergamos, mas se tivermos no lugar certo, na hora certa, com tempo “praquilo”, tudo aquilo que não veríamos, se torna evidente, se torna compreensível, se torna admirável, mesmo que simples, mesmo que comum, mas que por um instante, se torna notável.
Foto: Avenida Afonso Pena, Curral de Dentro/MG 25/02/2022.
Doce-amargo
04 de março de 2022
Numa tarde de cochilo após o turno de trabalho, com a janela entreaberta, ouvia-se um zumbido não muito longe, o que parecia ser o sobrevoo de um Drone, quando “reparei”, entre o reflexo do clarão da tarde, e o branco dos grandes lençóis brancos, estendidos no céu azul anilado, –sendo desenrolados e levados pelo vento– vi que eram alguns mangangás sobrevoando e “visitando” as flores do pé de boldo ao lado da janela. Apesar de suas folhas meio murchas –e quanto mais murcha mais amargas– eles visitavam uma a uma, em seus voos em zique zague, como pequenos aviões monomotor –em sobrevoo sobre cidade pequena atraindo a atenção da molecada.
Também outro fruto azedo estava ali, entremeado entre o pé de boldo, como que lhe abraçando, também com algumas flores e seus frutos escondidos entre a folhagem. Mas esse se torna mais apreciável, dentro de uma jarra cristalina, com meia dúzia de colheres caprichadas de açúcar e outra meia dúzia de cubos de gelo trombando uns aos outros, –como bêbados em final de festa– com o chacoalhar da colher, para dissolver aqueles minúsculos grãos adocicados.
Outros ornamentos avermelhados, davam mais cor ao ambiente verdejante, atraindo mais abelhas, borboletas e até beija-flores. E ao fundo, já no quintal da vizinha, umas goiabas sortudas que ainda não foram avistadas pelas figas, ou por algum par de olhos ariscos.
Ao ficar observando esses pequenos seres, que são tão importantes para a manutenção da vida na terra, nos permite uma rápida reflexão das coisas e gestos simples –mas muito significantes e imprescindíveis para dar sentido à vida– que eles nos ensinam. Não deixe que o que adstringe, restrinja nosso sorriso e mude a nossa maneira de ver a vida. Temos que aprender a encontrar fluidez naquilo que às vezes nos pareça resistente e inflexível, sempre pode haver maciez na rispidez, sempre haverá leveza na aspereza; na amargura que achemos doçura.
A mesma cara fechada que se faz ao tomar um copo d’água com boldo, se faz alegre e aliviada após o alivio daquilo que lhe afligia antes. Nem sempre a doçura à primeira vista, é garantia permanente que dure pra sempre. O mesmo caldo de cana que hoje é doce, amanhã se não tomado ou resfriado, se tornará azedo.
Temos que aprender a seguir o relógio biológico da vida, assim como os seres da natureza o faz.
Que sejamos como as abelhas, achando doçura nas coisas que aparentam serem amargas.
Fotos: quintal de casa – 04/03/2022
Os V’s da nossa Vida
14 de março de 2022
Viemos do ventre, ainda não víamos
Mas já sentíamos, adivinhávamos o que viria
Assistidos por vários: parteiras, tias e até vovós
Vigiando de longe, um pai aflito e avexado na varanda
Mas não intervém, se contém, porque não lhe convém
No seu vai e vem, um cigarro, outra dose de vinho
De repente, vem do quarto um chorinho de vida
Viixxx!! Nasceu, agora já pode mais um vinho.
Avidamente vai ver se é uma menina ou um “varão”
Se for menina será Vitória e se menino.... veremos ainda
Mas já se sente vitorioso pela vinda de uma vidinha saudável.
Após umas vinte horas de nascidos, já vemos
Aos poucos é claro; o mundo se revela em vulto
As vistas ainda estão sob uma nuvem
Viva!....Vingou do mal do sétimo dia
Pois já se passaram mais de vinte dias
Tem muita vitalidade, graças à Virgem Maria
Agora já vemos tudo, mesmo sem entender
Olhos vigiantes, vibrantes, uns verdes, outros... vontade!
Os dias passam, vêm os primeiros passos
Ainda de vai e vem, vai pra lá, vem pra cá
Vão-se os dias, vêm as primaveras, vão vários verões
Ele vira molequinho, vira vaidoso, vai crescendo....
Ela, vira mocinha, virtuosa, despretensiosa vai crescendo....
Mas cada dia, mais cheirosa, sempre cobiçada
Pai vai ficando precavido, vira vigilante.
Vem a adolescência, várias mudanças, viradas e baladas
Às vezes nos vitimamos por coisas vulgares
Faz parte dessa idade, é usual é trivial
Visualizamos, vislumbramos, desejamos
Mas que tenhamos viço, para desviarmos dos vícios.
O visto no caderno do primário não valia nota
Mas valia conceito, valeria para a vida
Visto que depois quase aos vinte, no vestibular
Os conselhos e incentivos dos professores valeram
Foi lembrando quando acessado o AVA da faculdade virtual.
Viajamos, voltamos; visitamos nossos pais
Talvez pela veemência da autoridade, sempre voltamos
Mas pela saudade, hoje também visitamos virtualmente.
Vem a maturidade, vai-se a vaidade
Valorizamos e entendemos outros vários valores
O que nos vitimou, já revigoramos vencemos
Nos viramos, lavamos, passamos, vincamos, criamos vínculos.
Vem a melhor idade, virtudes, vitórias, aventuras
Desventuras, invariavelmente com certeza virão
Viramos a página do livro já lido e vivido.
Vem a velhice; silêncio, vagarosidade
Vagarosamente os dias vão passando
Devagar na subida, corrimões na descida
Melhor seria se voltasse, mas como o vivido não volta
Não revide, não vingue. Viva a vida.
Renilson 14/03/2022.
Bolinhas de Gude
31 de março de 2022
Numa tarde qualquer, quase no mesmo lugar, mas onde o cenário troca a cada dia, a cada nascer do sol. Num simples trocar de foco de direção da visão, num olhar mais observador, pode se ver muita vida e cores em movimento, que só a natureza pode nos proporcionar à observar tanta perfeição.
De repente, num momento de paz interior e contemplação, nos trocamos até de realidade. Somos transportados, pra outros lugares, outras viagens, assim como os passageiros do avião que passa riscando o céu –como se fosse um grande giz riscando as calçadas abrasivas da praça da matriz, traçando quadrados enumerados, pros pequenos brincarem de amarelinha. Já os meninos já “maiorzinhos”, riscavam uma meia lua –com o formato de um grande sorriso de menino– nas ruas de terra, que se dava o nome de “barca”.
Media-se uns seis ou sete passos, e riscavam o chão numa comprida linha pra ver quem jogava o cocão (bola de gude grande) mais próximo ou dental ao risco, que seria o primeiro a jogar rumo à barca cheia de bolinhas coloridas. Os bons de pontaria, e bons de “estilingar” o dedo polegar, ganhava todas as bolinhas, que iam sendo postas na –já suja camiseta em forma de um embornal pra ir juntando o prêmio tão disputado.
As frutinhas que hoje ali estavam –tão doce, quanto a doçura das pequenas criança– eram como bolinhas de gude multicoloridas de um ontem, não tão distante. Crianças empoeirando suas canelinhas nas grandes tardes esticadas, das cidades ainda, também pequenas. Brincadeiras que se desenrolavam até o sol deixar as tardes foscas, tingindo-as de turvas –como a poeira também tingia as meias dentro das congas azul marinho, ou dos kichute– daqueles incansáveis e insaciáveis jogadores, que somente ao final das partidas, junto com a tarde que caía, iam correndo pra casa saciar a sede, visto que na euforia das brincadeiras, não tinha intervalo para um gargalo.
Bolinhas que de tanto serem jogadas, ficavam desgastadas, meio “rachadinhas”, feito aos calcanhares das mulheres trabalhadeiras na labuta da “roça”, que ora tá dentro do rio –com suas mãos fortes esfregando as roupas da lida do marido– ora tá cobrindo com passadas largas e ligeiras, os grãos semeados na terra, com seu marido indo na frente cavando a terra e “covando” com a grande enxada de cabo já alisado, pelas tantas vezes que deslizou entre suas mãos ásperas, ásperas, como as bolinhas de gude que também não paravam sua ida e vinda, alegrando os dias de toda uma vida.
As bolinhas novas eram as mais cobiçadas, que refletiam a outra bolinha do olho vidrado, fitado nas bolinhas. Pequenas bolinhas que se tornavam grandes joias, muito cobiçadas, de grande valor, valorizadas pelos pequenos que ainda não tinham noção do grande valor, que essas brincadeiras teriam em suas lembranças futuras, que sempre que possível, viajam no passado, assim que o tempo permita para passar o tempo.
As bolinhas eram feitas de vidro reciclado, alegrando os dias de toda uma vida. Talvez hoje, elas já são virtuais, onde o polegar é usado para se movimentar pela tela do celular. Mas se pode também, reciclar as lembranças, e viajar no tempo, trançando uma “ barca” cheia de lembranças que a poeira do tempo não apaga.
Fotos: A 300 metros do final da Rua Unaí – Curral de Dentro/MG em 31/03/2022.
Guerra dos Meninos
05 de abril de 2022
Numa tarde retornando de uma breve caminhada, com a lua que já despontava, sobrepondo ao brilho do sol que já adormecia lentamente, criando uma penumbra, com uma corujinha estagiária, já saída de sua toca, com seus faroizinhos frontais arregalados, já atentos aos primeiros movimentos de algum petisco andante.
Tarde precedida do subir lento, belo e majestoso da lua, que anunciava noites de lua. Num lote vago à beira do meio fio, via-se umas bolinhas –feito às bolinhas felpudas das meias vermelho tomate das meninas ainda cursando o jardim de infância. Brilhavam ao flash da câmera, como as brilhantes, delicadas e quebradiças, bolinhas de natal –uma pequena árvore num canto da sala de estar, com no máximo uma dúzia delas, iluminando os lares com crianças e suas brincadeiras singelas– Natal com noites felizes, pra ganhar brinquedos simples, como a vida que levavam.
Bolinhas usadas, para fazer “guerra de brincadeira”, noutros tempos. Em sua maioria de cor verde, mas também essas de cores avermelhadas. Brincadeiras que faziam os dias estendidos, até a hora de dormir, o que não tardava muito a chegar, visto que o dia seguinte começava às seis, pra vestir o uniforme: calça azul marinho e camisa branca –mas esse uniforme, era para outra guerra, a das letras.
Bombinhas vermelhas que só causavam alguns hematomas e manchas roxeadas, que os pequenos “soldadinhos”, em seu mundo imaginário, não imaginavam que existiam outras bombas, com um maior poder destrutivo e faziam escorrer um líquido de cor também vermelha. Líderes tiranos e prepotentes, interrompendo a infância de inocentes, que pela ignorância, ganância, arrogância e outros adjetivos, que expressam esse tipo de ser humano, que não tem piedade, e nem se sensibiliza com a dor do outro.
Os hematomas causados pelas bolinhas avermelhadas, são bem menos vermelhos que os olhinhos encharcados vendo seus pais indo pra o “Front de Guerra” sem saber se voltará. Defendendo sua Pátria em nome de um patriotismo injusto e desigual.
Na guerra mais recente, uma guerra injusta e desleal, onde mulheres preparam “coquetéis molotov”, como um gigante lutando contra um pequeno, de estilingue na mão, atirando “bolinhas de mamonas” insignificante, frente a um inimigo de maior poderio bélico, e 96% maior em tamanho. Líderes em sua ambição desenfreada, de ego elevado, que querem demonstrar poder, que muitas vezes é uma disputa de poder meramente financeiro ou territorial, em detrimento de perdas de vidas humanas.
O mundo deveria estar unido para vencer outra guerra, a COVID, mas estão interessados cada um, com seu bem-estar financeiro, colocando a vida humana, como produto de valor insignificante, destruindo seus sonhos, e tudo que eles construíram, reduzindo suas casas a pó e ferro retorcido. Onde o dinheiro sobrepõe à vida, não importando os “hematomas” que ficarão na memória dos parentes dos entes perdidos na guerra.
Pessoas se tornando números, números que têm nomes, nomes que tinham uma vida, uma história; que fora ceifada pelos estilhaços das bolinhas nada inofensivas, criadas pelo homem.
Que o mundo alcance a paz, e que esses líderes, em vez de derramarem bombas de seus caças supersônicos, que semeiem sementes, de onde possa brotar a paz, onde só exista a guerra de bolinhas.
Fotos: Rua Unaí, Curral de Dentro/MG, 05/04/2022.
Dia de Chuva
28 de abril de 2022
Quando o vento sopra as folhas na ladeira
Rolam e caem nos regos ainda secos, da estrada
Vão fazendo um tapete espesso à sua beira
Tico-tico pisa leve, mas faz barulho, já o calango
Passa por baixo, se esconde do bote da cobra ligeira.
Vem a chuva, a areia é carreada pela enxurrada
As folhas descem como barquinhos à deriva a ladeira
Quando a chuva chega, chega com o cheiro do café
Num fogão da área de fora, a água já ferve na esculateira.
E um expectador, morador duma casa logo abaixo
Debruçado na janela, olhinhos curiosos e ansiosos
Espiando e aguardando a chuva passar, pra passear
Mas se tomar café terá que esperar, senão pode “estoporar”.
Pequenos papéis coloridos, também por ali caiu
Pássaro pequenino e de voo veloz, também os viu
Mas não os beijou, visto que não era flor
Muito sábio esse beija-flor !
Descartados pelos moleques, pelas águas são levados
Balas compradas numa vendinha, que fica ali pertinho
Meia hora de passos curtos e pronto.... é ligeirinho
Os maiores impõem respeito, vão em seus cavalos
E quando voltam, seus lombos suados são lavados
Meninos ligeiros em troca de balas ou de um trocado.
Folhas e papeizinhos, com rumo e destino incerto
Não se sabe se vai navegando até o mar
Ou nalgum barranco parar, não sabe ao certo.
Se for para o mar, o sal os fazerá desmanchar
Se for para o deserto, o sol vai lhes descorar e torrar
Já que nem todo rio corre para o mar.
Rio Okavango na Angola; nasce, corre se desenrola
Mas o seu final, é no deserto mais seco da África
Nas areias escaldantes do Kalahari em Botsuana
Suas águas que vieram de longe, não encontra o mar
Vai se apequenando, suas águas evaporam, vão embora.
Quando ainda não é noite, e a tarde escureceu
É sinal que chuva vem, porque assim Deus prometeu
E lá na varanda põe-se as bacias pra goteiras aparar
Gotas que pingam vagarosas, mas sem parar
Como gotas que pingam das velas do filtro
Ele útil e quieto no seu canto, ainda que envelheceu.
Quando a chuva “pispia”, e vem os primeiros pingos
Faz-se uma sinfonia, orquestrada pelas telhas
Cada qual com sua tonalidade e melodia
Fazendo música de ninar, ainda que se faz dia.
Quando os relâmpagos clareiam o céu acinzentado
Seus lampejos faz todo mundo ficar assustado
Corre pega a toalha, cobre o espelho, senão
Seu reflexo pode puxar a centelha e furar a telha.
E a galinha com seus pintinhos já corre pro poleiro
Mãe zelosa, deixa os filhos entrarem primeiro
Debaixo do quarador os maiores se encolhem
Pra que seus pescoços longos e pelados não molhem.
Logo, logo vai virar caldo grosso pra pirão
De tão grandes e coxas carnudas e alongadas
Enche uma panela grande, e em dias frios
Dá pra todos comerem à beira do fogão.
Os carneiros com seus grossos casacos encardidos
Ficam encharcados e pesados, escorrendo água
Feito a teto de caverna pingando formando estalactites
Mas como são resistentes, não corre risco de uma gripe.
No mangueiro acima, o cavalo sacode seu dorso
Enxugando sua crina e seu pescoço grosso
Um bem-te-vi desfilando por sobre sua garupa
E de tantos sacolejos, sua cauda já está enxuta.
E quando a chuva passa, não é por pirraça
Os meninos pulam nas poças da enxurrada
Correm e pulam, com muita alegria e euforia
A água fria é certeza da frieira já no outro dia.
Quando a noite cai o vagalume vem
Clareia a noite com uma luz que ele tem
Luzinhas fluorescentes em noites nubladas
A noite fica noite estrelada no terreiro
Na cozinha, a luz que “alumia” é a do candeeiro.
Quando a madrugada cai, o sapo já se vai
No terreiro ficam centenas de asas das mariposas
Que não escaparam de sua língua certeira
Se empanzina, como se fosse a refeição derradeira.
Já no outro dia o sol abre e tudo é revelado
Os carneiros já secos, pássaros cantando
Embaixo dos pés de umbu, as pedras cinzas
Se confundem com dezenas de outras pedrinhas
São seus frutos meio azedos, mas muito apreciado
E se a chuva perdura, até nas pedras nascem flores
Ficam cobertas por um manto esverdeado e aveludado.
Renilson 28/04/2022.
Mais do Mesmo
30 de abril de 2022
No último dia do mês de abril de 2022, foi dia de subir mais uma vez os degraus da Serra do Anastácio. Desta vez, além de uma colega de faculdade de minha filha, nos acompanharam também, quatro companheiros, que ecoavam seus latidos serra abaixo, acoando um “nerole”. À primeira vista, solitário, que estava pastando no pasto rasteiro da chapada. A água ele encontrava em abundância, por rios, e outros tantos “correguinhos” que correm silenciosos à sombra das árvores, onde os pássaros pequenos saciam sua sede em poças d’água proporcionais ao seu tamanho, como uma pequena bacia de menino pequeno tomar banho. Já na cachoeira, os pequenos latidores de "rabinhos" salientes, escalavam eufóricos, o grande lajedo de pedras enxutas que a enchente lavou pelas chuvas de meses atrás, e que forma um grande tobogã natural, onde a água desce “ariando” e lavando suas pedras.
A trilha segue ziguezagueando, ora íngreme, ora mais suave, pra os caminhantes dar uma respirada, e olhar lá pra baixo, onde o Rio da Boa Sorte e Gameleira, serpenteiam pelo vale, seguindo seu curso. Trilha quase toda sombreada, onde se respira um ar úmido e aromático. Entre pedras, alecrins de chapada, que deixam seu cheiro canforado nas pernas dos pequenos, se embrenhando por entre o mato pra verificar o motivo de tanta “latumia” dos cachorros, e pra se pegar os adocicados araçás do cerrado e conhecendo outras flores e frutos, até então desconhecidas por esses pequenos “botânicos”. Bromélias que fincaram suas raízes na árvore, que apesar de seca, ainda serve de base para a vida de outro ser, que não exige muito pra sobreviver, nos dando uma lição de saberes de vida.
Borboletas que sobrevoam silenciosas por sobre as águas da cachoeira, se refrescando nos respingos dá agua que despenca nas pedras, se exibem despretensiosas para que também sejam vistas, apreciadas e até fotografadas, mas que não as leve, além das lembranças de um leve e descontraído dia, encerrando o mês de abril. A generosidade, simplicidade e hospitalidade das pessoas simples que moram nas proximidades, serve como reflexão para sermos pessoas mais contemplativas, e valorizar ainda mais, as coisas simples, que representa de fato a felicidade de viver. Nos faz entender que não precisamos de muito, mas que saibamos viver felizes com o que vida nos proporciona. Pessoas que sorriem verdadeiramente, despendidas de bens materiais, e cumpridores duma atemporalidade, onde Deus rege os dias, que passam lentos e calmamente.
Grandes nuvens projetam sua sombra nas paineiras encrustadas nos lajedos, com grandes “barbas de velho” sendo balançadas pelo vento, como que denotando sua idade longeva, testemunhos da história. Dias de sol, dias de chuva, noite de neblina fria, e noites de lua, que faz suas barbas ficarem de um branco fluorescente.
Apesar de se percorrer o mesmo caminho, pisar nas mesmas pedras, mas sempre se pode ver um cenário diferente, até mesmo as pedras soltas na subida, certamente já foram movidas de lugar. Seja pela chuva, seja por pés de gente grande, de gente pequena ou por cascos de animais, ou pela carreira ligeira da seriema, subindo a ladeira. O que se pode ter como lição é que, mesmo convivendo com as mesmas pessoas todos os dias, sempre se pode ter outro olhar, outra impressão, outra atitude, pra que a vida cumpra o seu ciclo.
Fotos: Serra do Anastácio, município de Curral de Dentro/MG, 30/04/2022.
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Faz de Conta
04 de junho de 2022
Numa caminhada neste final de tarde, quase me tropeço num pequeno tronco seco meio retorcido. À primeira vista seria um toco qualquer, mas com um olhar mais apurado, pude ver um “faz de conta”. O mesmo tronco seco, se fazia numa idêntica cabeça de Alce ou de um pequeno nerole, dessecada pelo sol. Vivemos num mundo onde na natureza, se arranja, se entrelaça se comunica, se conjuga; na mais perfeita harmonia. Tudo tem sentido tudo se refaz, e pode ser até de faz de conta.
Mas os “faz de conta” da natureza ou de infância, são inofensivos e até ingênuos. Onde pedrinhas se transformavam em vaquinhas alvas, ou o barro amassado se transformava também em vaquinhas, mas essas com mais semelhança, ainda que feitas por mãos de aprendiz de artesão, ou de “faz de conta”.
Quando o homem cresce, e quando sua ambição é maior ainda, os “faz de conta” causam danos irreparáveis. Onde se paga uma conta alta pra satisfazer os sonhos materiais da humanidade. O ouro que é extraído a todo custo da natureza —pra se ter olhos brilhando de alegria ao receber uma joia— e deixando enormes crateras, que o vento assopra empoeirando os olhos dos seres daquela região. Quando não é extraído nas calhas dos rios, “enlameando” as águas juntamente com mercúrio, que deixa os peixes sem enxergar, devido a turbidez da água, agonizando sem oxigênio morrem. Ou sendo envenenados pelo mercúrio que é repassado ao pescador que comer desse peixe. O ouro deveria ser muito mais caro, porque o preço que a natureza acaba pagando é muito alto. Nem todo o dinheiro do ouro extraído, seria capaz de regenerar e deixar tudo como era antes, onde a natureza leva milênios pra construir, o homem destrói em minutos.
Vivemos num mundo de “faz de conta”. Abastecemos o carro, pagamos caro, e fazemos de conta que o soluçar do motor do carro, não é do combustível adulterado, —deixando o frentista meio constrangido. Mas também não é da conta dele, visto que trabalha o dia todo pra no final do mês receber seu salário, e vive fazendo conta, pagando as contas mais atrasadas, pra ver se sobra pra outras necessidades. Faz de conta, que o produto que está na gôndola do supermercado, não está com a data de validade adulterada, por alguns comerciantes —que não teriam a coragem de levar pra seus filhos, os produtos que ele mesmo vende.
Faz de conta, que o estudante aprendeu, e recebe todo orgulhoso o certificado de conclusão do Ensino Médio, muitas vezes concluído sem saber ler ou fazer conta. Faz de conta, que o político cumpriu a pena que lhe fora imputada na época do julgamento, e o deixa cumprir em casa —ainda com o dinheiro na conta— e ainda pode se candidatar novamente, com o fundo eleitoral aumentado além da conta.
Mas a vida segue, sem darmos conta de contar os dias. Mas no final, quem tiver contas a acertar, será cobrado com ônus, por aquele que rege tudo e a todos.
Fotos: ao redor de Curral de Dentro/MG – 04/06/2022.
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Brilhos e Reflexos
12 de junho de 2022
Após quase uma “horinha” de caminhada de passos lentos, como o pôr do sol e o nascer da lua —que escalava lentamente os degraus da tarde, que não ia demorar se fazer noite— não pude deixar de observar o reflexo do brilho da lua refletido em águas calmas e frias de final de tarde. As minúsculas ondinhas e os círculos ondulantes, desenhados pelo bote da traíra, não impossibilitava de comtemplar essa bela imagem. A água nos confunde, e às vezes vemos de ponta-cabeça, sem saber onde é céu e onde é água.
Sentado à beira dum lago, com a sinfonia de grilos, insetos e pássaros, sendo observado por algumas vacas e um urubu, já empoleirado no topo de uma árvore seca. Os cachorros sem entenderem o motivo da parada, mas faziam suas carreiras esticadas, demonstrando muita alegria pelo passeio. Pássaros empoleirados também já se preparam para dormirem, acalentados pelo brilho suave da lua depois de um dia inteiro comendo frutos que o sol fez amadurecer, e esquentou as suas penas, agora contempla a lua, até ela se pôr na madrugada, já quase anunciando o despontar de um novo sol. Um avião que passou riscando o céu, como que demarcando e delimitando o meio do mundo, ou até onde o sol e a lua pudessem ir.
Como a caminhada do retorno seria rápida, o tempo que passei observando o brilho ofuscante do sol de um lado, e o brilho suave da lua do outro, deu-se tempo para uma breve reflexão. O sol é um astro tão brilhante e poderoso, mas empresta seu brilho pra que a lua também brilhe. Ela, mesmo não tendo o brilho e calor como o sol, mas sua luz é vital para reger a vida de todos os seres da terra, seja marcando as estações do ano, seja fazendo tempo de marés cheias e marés baixas, controlando as águas dos marés. Seja indicando o melhor tempo pra plantio e melhor tempo pra colheita, e ainda; pras moças cortarem o cabelo e ficarem mais vistosas, essa seria a lua crescente. Assim como na vida tem pessoas generosas, que empresta o seu brilho e faz da sua generosidade, a luz pra outras brilharem, e assim elas poderem também iluminar a vida de outras pessoas. Cada um usa a lente que preferir, para fazer juízo de valor de seu semelhante: De grau, para aumentar ou diminuir as pessoas, seja positivamente ou negativamente, ou até lentes “ transitions”, que muda a cor —ou “põe cor”, fazendo com que os de cor mais escura, sejam vistos por último, ou simplesmente sejam ignorados— mas tem aqueles que olha com lentes sem grau, que enxergam as pessoas de fato como elas são, sem filtro.
Assim como o sol tem seu reflexo forte que prejudica e atrapalha nosso olhar, e a lua é mais amena, cada um tem uma ótica diferente. A mesma pessoa pode ser vista por um prisma diferente. São imagens criadas a partir de uma visão ofuscada, talvez pela maneira de não querer ver, já são preconcebidas e até impressas em formas de palavras ou gestos. A mesma lua que ilumina a natureza ilumina também as cidades, mas talvez por causa das luzes das lentes dos celulares, ela passa despercebida por muitos , mas outros tantos a ver e a admira, mesmo em noites que não seja de lua cheia, sua beleza a faz impar.
Se por um lado a imagem de uma pessoa é vista de forma a ofuscar e não pode enxergar nitidamente, por outro, tem outros que a ver de forma mais amena como o brilho da lua que não prejudica. Que saibamos observar o sol e a lua, ambos são imprescindíveis em nossa vida, ainda que de forma e intensidade distinta.
Fotos: Logo ali pertinho – Curral de Dentro/MG, 12/06/2022
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Final de Espetáculo
25 de junho de 2022
Uma casinha certamente abandonada já há muito tempo pelos seus construtores genuínos, visto que sua entrada já está com uma cortina de seda cheia de folhas secas, estendida sob sua entrada, tecida pela nova moradora desse lar. O senhor João-de-barro e sua esposa, depois de dezenas ou centenas de voos, carreando o barro, moldaram essa obra de arte. Talvez se mudaram, deixando pra trás seus alicerces de vida, ou tenha encerrado seu ciclo aqui na terra, não se sabe ao certo. Mas ainda não é o fim do espetáculo, dos cantos de todas as manhãs e tardes de alegria desses pássaros engenheiros construtores, seus filhos darão continuidade. Mesmo depois de muitas luas e manhãs de neblina fria, e de vários outros inquilinos a usarem e ela vier ao chão, ainda não será o fim, seu barro se tornará novamente em terra.
Um ninho construído no alto de um mandacaru, mesmo que os filhotes já aprenderam a voar e bateram asas, ainda pode servir de moradia pra formigas, e só chegará ao seu fim, quando o vento e a chuva jogarem seus gravetos no chão, finalizando de vez um ciclo. Mas o mandacaru ainda estará lá, para servir de cenário pra outros atores da natureza exibirem seu espetáculo. Uma árvore mesmo depois de seca, serve de ponto de observação de carcarás e urubus ou de poleiro noturno, até suas galhas virem uma a uma, ao chão, finalizando somente um capítulo, porque ainda servirá de lenha, que virando cinzas, aí sim encerra-se o espetáculo. Um cupinzeiro, silencioso e sem os milhares de passinhos minúsculos que o moldaram, ainda servirá de lar para periquitos constituírem suas famílias.
Assim como o sol se põe todas as tardes e volta a brilhar no dia seguinte, nunca saberemos quando é o fim do espetáculo. Talvez um breve fechar de cortina, é para troca de cenário, já que nem um dia se encena igual ao que passou ou ao que ainda está por vir. A flor que ficou vistosa na primavera murcha e cai, muitas vezes dando lugar aos frutos que irão dar continuidade ao espetáculo. Na vida, a cada fechar de cortina encerra-se o ato, mas ainda não encerrou o espetáculo, sempre ficarão outros atores, se não forem os protagonistas, serão coadjuvantes, pra que o espetáculo continue. Somente quando as cortinas se fecharem, e o cenário for desfeito e “desmantelado”, e o palco não mais existir, aí se pode dizer fim do espetáculo.
Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto.
João 12:24
[...]Se o amor é como um grão?
Morre e nasce trigo
Vive e morre pão[...]
Drão - Gilberto Gil
Fotos: Arredores de Curral de Dentro/MG, 25/06/2022.
Troca de Turno
12 de julho de 2022
Numa tarde de sol meio “amornado” pela estação de inverno, mas ainda assim, seus raios brilhantes penetram a vegetação —já meio rala já se preparando para o rebrotar da primavera que não tarda— aquece nossa face e a faz franzir, se tentarmos encará-lo e pode avermelhar as faces de peles juvenis ou mais rosadas ou peles com texturas iguais as flores de orquídeas, guardadas à sombra, em razão da sua sensibilidade e beleza. Ainda prefiro o avermelhado da face com o calor do sol da tardezinha, ao “rosear” de face e nariz gelados, do vento frio e cortante das noites de inverno.
Andando e ouvindo os cantos dos pássaros; observando o cortejar dos machos para conquistar sua parceira, os caminhos nos permiti caminhar num paralelo de tempo de outras estações. Talvez ficasse cor-de-rosa a face da mocinha, não pelo frio intenso, mas pela intensidade de romantismo e ternura com que seu admirador a pedia em namoro —também de bochechas avermelhadas, muito menos pelo frio, mas pelo pulsar frenético de seu coração— silabando as palavras com frases entonadas quase que gaguejando e abreviando as palavras como num bate papo de corretor de texto de caixas de mensagens virtuais de hoje.
A tarde se torna um grande salão iluminado. O sol com seu farol alto e ofuscante, deixa as tardes pinceladas de cores mais vibrantes, e a lua de farol baixo, de luminosidade mais fluorescente, trazendo luz às noites que ainda permanecerão frias.
Como numa troca de turno de trabalho de uma grande empresa, onde quem já cumpriu o turno de trabalho, raramente se encontra quem está chegando para iniciar o seu. Quando se veem, é de longe como o sol que está se pondo no horizonte, acenando para a lua, que se ergue lentamente, iniciando sua ronda noturna, clareando os caminhos dos andantes da noite.
Fotos: Natureza ao redor de Curral de Dentro/MG, 12/07/2022.
Olhar Superior
23 de julho de 2022
Na serenidade do alto, os pássaros reinam soberanos numa imensidão que vai além do alcance da nossa visão. Podem apreciar lá de cima tendo uma visão privilegiada das coisas que estão abaixo dos seus olhos. Mesmo estando em altitude, conseguem enxergar pequenas coisas que passariam despercebidas por humanos desatentos, ou desinteressados em observar as coisas simples da natureza.
Apesar de serem pequenos, se tornam superiores a nós, visto que não chegaríamos aonde eles vão, se não usarmos que outros mecanismos e instrumentos e mesmo assim; são seres simples e dóceis. Apesar de seu “olhar superior”, os pássaros são seres frágeis, belos e cheios de gratidão. Se pusermos uma tábua numa árvore com canjica ou frutas, eles aceitarão de bom grado, e ainda nos deixarão os observarem. Se o olhar não for de segundas intensões, ainda nos permite aproximar para admirarmos mais de perto, suas cores e seus cantos.
Os que voam mais alto supostamente seriam mais superiores, no entanto, alguns deles, fazem suas refeições do que sobra aqui no chão, e que a maioria de outros seres não comeriam. Mas os urubus, com seu voo gracioso e silencioso, planando em correntes de ar quente, lá do alto tudo ver. E quando tem refeição à vista, avisa aos outros que não demoram a chegar em revoada, tingindo o céu com pontos pretos no contraste do azul celeste. Apesar de sua aparência carrancuda, sempre de paletó preto, são seres de paz, apesar de não terem um bom hálito, mas têm um bom hábito, e nos presta um grande serviço de limpeza e profilaxia, evitando a propagação de doenças. Uma árvore que os pássaros aterrissariam com muita maestria, se torna um tanto quanto difícil, pra se chegar nos galhos mais altos pra se ter a mesma visão privilegiada do horizonte. Visto que com os anos, a rapidez e destreza com que se escalava aquela mangueira de infância, agora parece que a mangueira se torna mais alta a cada passar de década.
Talvez na quietude do alto, podemos ter a visão das coisas que estão no baixo e entendermos que, mesmo tendo um olhar superior, o que nos engradece de verdade, é entender a simplicidade, como a maior grandiosidade da vida.
Fotos: Em torno de Curral de Dentro/MG, 23/07/2022.
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Quietude em Movimento
28 de agosto de 2022
Nesta tarde de sol e sem vento pra balançar os galhos e chacoalhar as folhas verdes, e assoprarem as secas que estão no chão, podemos perceber, que mesmo em momentos de uma certa quietude, a natureza não para. Dezenas de centenas de folhas secas caídas ao pé duma árvore, ela quieta, não podemos imaginar quantas vezes o vento as balançaram em seu galho, e após caírem ao chão, quantas vezes serão assopradas até parar se aquietarem. No mesmo cenário um jatobazeiro tem frutos verdes e outros já secos maduros, nos mostrando que o ciclo da vida não para, mesmo ele quieto, mas sua evolução continua desde seu florescer até o amadurecer.
Quando vemos um animal de muita força muito comedido, em seu momento de passividade e descanso, e calmante pastando, e também nos olhando, talvez tendo a mesma sintonia de paz. Deixando gentilmente um bem-te-vi passear por seu lombo. Observando um cavalo calmo e tranquilo pastando dentro dum lago hoje, logo imaginei: Que já teve muitos momentos de saltos e carreiras, quando ainda era um “potrinho” de pernas miúdas, com uma inquietude pertinente à sua tenra idade, deixando sua mãe inquieta, mas feliz pela saúde do pequeno. E durante toda sua vida de adulto, nem imaginamos os lugares, ladeiras e carreiros por onde ele já passou em carreira desenfreada com seus músculos contraindo e retraindo, com respiração ofegante e o suor escorrendo por seus pelos. Quantos recados o vaqueiro mensageiro levou, pra chamar a parteira para se aquietar o patrão inquieto, na varanda, não via a hora da parteira chegar, porque era chegada a hora.
Um ninho de garrancheiro pendurado, quieto; mas sabemos que já fora lar que inquietos e barulhentos filhotes — ainda de “ bundinhas de fora”— sedentos pra se alimentarem. E esse ninho hoje quieto, exigiu muitos movimentos e incansáveis voos de seus pais, para trançaram os gravetos um a um, até construir esse lar. A natureza nos proporciona uma fusão de ações e movimentos. Atrás desse ninho, bem ao longe, um avião; deixando seu rastro no céu. Certamente seus passageiros todos sentados e quietos, mas seus pensamentos talvez, voem mais rápido que os 600 km por hora do avião, remetendo seus pensamentos às pessoas e lugares de onde vieram, a centenas de quilômetros, ou às pessoas do lugar para onde vão. Mesmo aqueles que estejam dormindo, podem estar viajando no subconsciente dos sonhos, porque a vida nunca se aquieta. Um cupinzeiro parado, mas a metamorfose está acontecendo e já nas primeiras chuvas, as inquietas mariposas sairão em seu balé aéreo, enchendo de alegria, o palco da vida. Uma árvore seca quieta no seu canto, mas que um dia já fora toda folhada, e o vento as balançavam. Mas hoje, ainda seca, seus galhos servem pra outros pássaros se descansarem durante seus voo, ou se aquietarem durante a noite.
Pequenas e coloridas flores de assa-peixe, quietas à beira d’água, causam movimento das abelhas que as sobrevoam e também nos chama a atenção pelo perfume que exalam. Quietas também estão as águas, mas os peixes que nela nadam, fazem pequenas ondas em círculos, e as plantas aquáticas mesmo quietas, fazem sua fotossíntese e se desenvolvem flores e frutos. As águas paradas quietas represadas —são verdadeiros espelhos que refletem a beleza da natureza— mas que já desceram serras, lavaram pedras e por um momento estão serenas, mas quando chover continuarão seu curso até chegarem no mar e se evaporar e começar um novo ciclo de movimentos contínuos que não para. Outras flores de Ypê amarelo caídas ao chão, depois de terem cumprido seu papel, se aquietaram no chão. Mas as inquietas e ligeiras formigas, as carregarão para sua moradia, que as deixarão quietas para se transformarem em fungos, para alimentar uma comunidade de pequenos seres, que não se aquietam.
É na quietude e no silêncio da noite, que a semente rompe o torrão úmido da terra, elevando seu caule, desenrolando suas duas primeiras folhas à luz do luar, para quando passar dias de vento fresco, deixando suas folhas inquietas, dias de cantar de pássaros, dias em que virão flores que serão frutos. Uma pessoa quieta, nem sempre está parada, às vezes seus pensamentos estão viajando pelos quatros cantos do mundo, na inquietude da compreensão. Na vida sempre temos que ter momentos de quietude e reflexão. Um menino quieto na carteira de escola, mas seu cérebro está inquieto tentando resolver as questões da prova de matemática ou viajando no imaginário, para compreender o texto literário proposto pelo professor, ou ainda, tentando lembrar dos símbolos da tabela periódica, que periodicamente é lembrada pelo professor.
O sol e a lua parecem fazer suas trajetórias devagar, mas na velocidade dos astros, mesmos nós parados admirando a natureza, estamos girando a milhares de quilômetros por hora. E sem percebermos essa “Quietude em Movimento” o tempo não para.
Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para
Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora vou na valsa
A vida tão rara [...]
Paciência - Canção de Lenine
Fotos: Em torno de Curral de Dentro/MG, 28/08/2022.
Quando Entrar Setembro
03 de setembro de 2022
Já estamos em setembro e não demora muito, já estaremos na primavera. Mas algumas plantas já se antecipam, e já se vestem de roupa nova para a próxima estação; a estação das flores. Desabrocham suas folhas –ainda “roxeadas” como face de bebê recém-nascido– e florzinhas “branca alvas”, na certeza que virá a abençoada chuva, para crescerem seus adocicados frutos. Outras plantas já amadureceram suas sementes, e estão deixando o vento as levarem, para quando a primavera chegar e a terra molhar, germine e se faça planta, se faça flor e se faça semente, e cumpra seu papel, no sempre contínuo e renovador ciclo da vida.
Um pequenino mandacaru –que ainda não passou por muitas primaveras– ao lado de uma árvore, que certamente, já passou por muitas renovações de folhas. Ele pequenino, providencialmente ao seu lado, protegido por uma árvore que também não desperta muita cobiça, visto que também é coberta de espinhos. Ele se sente protegido; talvez sejam primos distantes, visto a semelhança espinhosa. E até ele se tornar adulto –com espinhos pontiagudos até maiores que sua protetora– virão dezenas de primaveras e quando estiver na sua maturidade, talvez sua companheira de tantos anos, não estará mais ao seu lado, mas nos anos que passaram juntos trouxera muita proteção, visto também que é uma árvore que tem sua defesa natural. Não longe dali outros já maiores, perfilados como que dizendo: estamos aqui e seremos uma família.
Quando chegar a primavera, os pássaros cantarão mais alegres visto que terá o ar fresco com cheiro de terra molhada das primeiras chuvas que cairão, tingindo de verde, o até então capim “cinza-seco” que contrasta com o branco da novilha que o come mesmo assim, porque já está acostumada, e sabe que logo terá capim fresco e verde pra ruminar deitada, num cenário “alviverde” –ela mais branca lavada pela chuva, e o capim verde brilhante– observando os bem-te-vis, que se fartam de insetos, agora em abundância –mas que em tempos de escassez, o seu lombo fora um porto seguro, pra ele retirar alguns parasitas e se alimentar.
As águas que estão turvas, se tornarão alcalinas e refletirão com maior nitidez o verde ao seu redor, e as cores dos pássaros que sobrevoam por sobre seu espelho e abaixo de imensas nuvens brancas, que não demora, se tingirão de cinza, e derramarão chuva; que enche lagoas, correm rios, molha as folhas que respingarão em gotas cristalinas e brilhantes, quando o sol novamente se abrir, tudo no tempo certo, regido e conduzido por Deus.
Quando entrar setembro
E a boa nova andar nos camposQuero ver brotar o perdão
Onde a gente plantou juntos outra vez [...]
Sol de Primavera – Beto Guedes
Fotos: Nos arredores de Curral de Dentro/MG, 03/09/2022
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Farpas e Espinhos
16 de setembro de 2022
Desde os primórdios o homem já fazia cercas; seja de pedras, seja em forma de um vale –até a descoberta do minério para se fazer arames– para delimitar suas terras ou pra que seus animais não fugissem e ultrapassassem os limites de suas terras. Traz segurança, mas ao mesmo tempo, tira a liberdade que os animais tinham antes, de percorrerem grandes distâncias, como fazem até hoje, os rebanhos dos parques da África, que migram grandes distâncias em busca de alimento e água.
As farpas não são obstáculos naturais como os espinhos, mas são obstáculos de imposição e se torna em prisão. Um animal preso aparentemente calmo, mas pode se tornar revolto, quebrando as amarras, rompendo os elos das correntes que o prende. Em nome da liberdade se arranha com as “farpas”, enferrujadas, mas o sangue quente que escorre pelo seu pelo grosso, logo se estanca e se esfria, e ele se acalma, se sentindo livre. Os menores atravessam por baixo sem se arranharem, já os pássaros, esses não conhecem esses limites, e transgridem graciosamente as leis da natureza, na qual o homem tenta impor limites. O que para o homem serve de proteção, para os animais, é uma prisão, mas mais dia menos dia, o arame enferruja, as farpas caem junto com a madeira apodrecida.
Não bastasse o erro do homem em prender os animais, já se chegou ao cúmulo, de “Ditadores” e “Tiranos” prenderem seres humanos atrás de cercas com farpas. Jamais se apagará da história, os horrores e as atrocidades cometidas contra a humanidade, passados nos barracões de prisioneiros em Auschwitz, e em outros campos de concentração, durante a Segunda Guerra Mundial. Mas ainda hoje, as amarras existem. Não são físicas, mas amarras demagógicas; amarras sociais, amarras da exclusão, amarras da negação de direitos ou de oferecê-los pela metade, para tornar prisioneiros para sempre, aqueles que têm necessidades básicas premente e angustiante de sobrevivência. O ser humano sempre se achou dono daquilo que ele não construiu –ao contrário deles, os animais convivem e compartilham da natureza, sem serem donos; mas sim, sendo parte importante e integrante dela. O dono de uma terra de hoje –ainda que tenha pago por ela– mas fora adquirida de outro ontem, que adquiriu de outro anteontem... e assim sucessivamente; até chegar no primeiro, que se achou no direito de cercar e de se apossar dum espaço que fora criado para todos os seres vivos viverem em harmonia. Sem cercas sem farpas –somente com os espinhos das plantas, as quais Deus as concebeu assim.
Até mesmo uma casa que o homem viera a construir, ele simplesmente usou do que já existia, não se criou nada. O adobe foi amassado do barro, feito da terra que já existia, molhado com a água que corria livre pelos córregos e hoje, o homem a represa e fala que a represa e aquelas águas são suas. Deus manda chuva que rompe a represa e faz as águas transbordarem, nos mostrando que podemos usar, mas não somos donos de nada. Até o nosso nome, muitas vezes não somos donos exclusivos dele, pois existem outros semelhantes. Talvez sejamos donos dos nossos atos e atitudes —daí somos responsáveis pelas inevitáveis consequências. Porque até o pensamento, Deus sabe do que pensamos e o que desejamos. Hoje vivemos na facilidade e no conforto dos instrumentos tecnológicos, que são construídos de matéria prima extraídas da natureza. E quando não nos servem mais, são devolvidos a ela de forma poluente, que não se decompõem ou que não se integram mais à natureza.
Viva a natureza e os seres que nela existem. São capazes de nos dá compreensão e nos desprender das amarras que eventualmente nos envolva.
Fotos: Ao redor de Curral de Dentro/MG, 16/09/2022.
Singelas da Primavera
01 de outubro de 2022
Com o início da primavera inicia-se o ciclo duma colorida aquarela. Onde o pincel da paleta de cores, a natureza é quem conduz. Pintando de cores brancas, roxas, vermelhas e amarelas, as flores que se misturam com o verde da natureza, como são também são tingidos de várias cores, os cavalos que pastam calmamente nessa tarde de sábado do primeiro dia de outubro. O que nos parece morto, cinza e sem vida hoje, amanhã já estará vivificado, se revigora, se aflora.
Na natureza as plantas não se exibem, simplesmente se deixam mostrar e serem achadas e observadas, suas flores, com suas formas nuances, cheiros e cores. Tem umas que no lugar das folhas, têm espinhos, mas ainda assim, brotam lindas flores e os espinhos as protegerão até virem seus frutos que alimentarão outros seres igualmente importantes, que fazem a vida fluir na natureza. As primeiras, Deus quem as plantou e outras várias, os pássaros e outros animais as fazem nascer, semeando suas sementes perpetuando as espécies, talvez sem saberem, mas fazendo parte dos saberes que a natureza nos ensina. Flores pequenas, grandes e “miúdas”, mas que têm sua importância e significado na imensidão da natureza. São pequenas, são singelas, mas se fazem e se tornam belas, como aquelas, que decoram os parapeitos urbanos das janelas.
Por serem simples são raras, por serem raras são efêmeras, por serem efêmeras, quase não são notadas. Mas num andar mais calmo, e de olhares atentos, além de ouvir o andar dos animais, o canto dos pássaros, se ouve também o chacoalhar das folhas revelando suas flores com suas cores e leveza, que tingem a grande tela pintada pela natureza.
Fotos: Área rural de Curral de Dentro/MG, 01/10/2022.
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Pedagogia em Silêncio
10 de outubro de 2022
Um espaço que de segunda a sexta-feira é sempre de muita correria com vozes e sorrisos estridentes dos adolescentes com seus tênis multicores, camisetas e mochilas coloridas, correndo por todo o pátio da escola, que agora ficará uma semana em silêncio. Somente o canto dos pássaros preenche o espaço que sempre fora de barulho. Agora dá lugar a outras cores talvez menos extravagantes, mas de cores leves e cheias de vida, colorindo o chão acinzentado, as cores que se vê, são das flores e folhas que caem silenciosamente colorindo o chão do pátio silencioso.
Chega a ser desolador, mas a monotonia é quebrada pelo canto dos pássaros. Se ouve até as folhas secas sendo roladas pelo vento, que assopra forte, fazendo cair pequenas flores, que vão uma a uma, bordando uma grande colcha de flores amarelas, estendida ao chão. Uma consonância de sons em harmonia —que em dias normais de aula, não se ouve, devido a gritaria pertinente a qualquer ambiente escolar— os diversos cantos dos pássaros, personagens que por esses dias, farão o recreio. Talvez também estejam sentindo falta daquele vai e vem na hora do recreio em dias de aula, com grupos distintos sentados à sombra das arvores. Os pássaros ficam aguardando o retorno dos alunos para as salas, pra poderem descer das árvores e se alimentarem da merenda caída ao chão.
Além dos ensinamentos pedagógicos que se aprende na escola, o silêncio também nos ensina muito, os questionamentos introspectivos feitos em silêncio, tendem a ter uma resposta mais assertiva, visto que temos um tempo maior para se tomar as decisões.
Mas em poucos dias os alunos estarão de volta, e esse silêncio será quebrado. Porque escola sem alunos é como uma floresta sem árvores frutíferas, tem flores lindas e é bonito de se ver, mas se não tiver frutos não terá animais e pássaros e se não tê-los, não tem alegria, seria uma ambiente de monotonia.
Fotos: E. E. Veríssimo Teixeira Costa - Curral de Dentro/MG, 10/10/2022.
Maturidade Extemporânea
12 de outubro de 2022
Nesta quarta Dia de Nossa Senhora e Dia das Crianças, uma tarde de sol, mas também de vento muito fresco, assoprando e refrescando o "rosto" com "cara" de alegria, dos cachorros, em mais um passeio de final de tarde.
Coincidentemente neste dia em que também é destinado às crianças, me deparei com animais ainda crianças. Uma mãe, mas essa, já com idade pra ser mãe com seu bezerrinho pequeno e outro já maiorzinho, que talvez esteja temporariamente sob seus cuidados.
Uma garça com sua plumagem branca —como as nuvens que coroava por sobre o lago. Talvez estivesse ali, não somente para involuntariamente embelezar a tarde à beira do lago, mas para pescar e levar o alimento para os pequenos que ficara em seu ninho. Graciosamente levanta voo, deixando mais ainda evidente sua beleza, com suas assas de longa envergadura. Logo adiante, um mandacaru que se destacava pela sua aparência um tanto quanto diferente. Ainda muito jovem e já cheio de pelinhos brancos em sua extremidade superior como se fosse um senhor de cabelos brancos e ralos, denotando sua maturidade. Mas logo em seguida tinha outro de mesma idade e sem pelos brancos, somente com seus espinhos.
Observando essas transformações da natureza nos remete a uma reflexão. Essa árvore símbolo de resistência e resiliência, frente às adversidades da natureza, talvez tivesse que se tornar adulto ainda antes do seu tempo. Semelhante a uma jovem que por algum infortúnio da vida, perdera os pais e teve que ser mãe ainda muito jovem, cuidando dos irmãos mais novos. Sem ter maturidade pra isso, e ao mesmo tempo, sufocando sua mocidade e juventude, numa “Maturidade Extemporânea”, porque a vida a fez amadurecer antes do tempo. Ou pode ser que também seja uma responsabilidade temporária, até que seus pais voltem de alguma viagem de no máximo 15 dias. Assim como esses pelos do mandacaru, que talvez seja pela época de sua floração ficou cheio de pelinhos brancos, mas logo ele voltará a ser jovem novamente.
Às vezes a vida nos apresenta obstáculos ou momentos que temos que ir da infância à vida adulta tudo num mesmo cotidiano. Mas temos que ter sabedoria, equilíbrio e sensatez pra lidar com esses momentos, ainda que não tenhamos a maturidade necessária para tal. Mas ainda que já estejamos adultos, nunca devemos apagar o lado criança que moldou toda nossa existência.
Feliz dia das crianças, com as bênçãos de Nossa Senhora.
“São as crianças, que sem falar, nos ensinam as razões para viver. Elas não têm saberes a transmitir. No entanto, elas sabem o essencial da vida”.
Rubem Alves
Fotos: Em torno de Curral de Dentro/MG, 12/10/2022.
Janela Entreaberta
02 de novembro de 2022
Como disse o poeta Carlos Drummond de Andrade:
O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar [...]
Taiobeiras não é tão grande como o mundo, mas a alegria que se faz, ao estar, não cabe no coração, como cabe a imagem da Igreja, enquadrada numa imagem que causa muita emoção. Talvez praqueles que são jovens demais, ou pra os que nela há pouco tempo morem, talvez perceba devagar, ainda que demore. Ademais talvez andem ocupados demais, mas pros que nela nasceram ou cresceram e que moram fora, a conheceram pequena, virou mocinha, cresceu muito, e hoje se faz uma senhora; vistosa, acolhedora e virtuosa.
A Igreja da Matriz, imponente e majestosa, mesmo num Dia de Finados de tarde chuvosa, se faz de charmosa, e faz o coração ficar pequeno, estreito e emocionado. Quando me lembro que corri por suas calçadas, às vezes de joelhos “arranhados”, e hoje ainda piso sobre o mesmo piso abrasivo, onde corri ainda de passos estreitos, apreensivo, dando a volta em seu entorno pra não ser encontrado, das brincadeiras de “Salvo” e “esconde-esconde” ou no intervalo das aulas de catequese.
Num tempo em que as crianças não se escondiam suas faces atrás das janelas de mão, dos modernos celulares de hoje, que os fazem prisioneiros e reféns dum mundo virtual, colorido, mas um tanto quanto ilusório. Enquanto a vida corre lá fora, a cidade cresce, e muitos não observam ou percebem, porque ficam imóveis e estáticos, visitando o mundo virtual, enquanto tem muita vida lá fora, depois duma janela entreaberta.
Fotos: Praça da Matriz, Taiobeiras/MG, 02/11/2022.
Juntando os Caquinhos
06 de novembro de 2022
Enquanto na natureza os seres vivos estão cada um cumprindo o seu papel para a evolução, perpetuação e continuidade da vida e das espécies que nela moram, a humanidade está indo na contramão. Evolui mas ao mesmo tempo, se autodestrói.
Observando este ser —crescido e ficando de "bundinha" saliente por alguns dias— uma formiga que criou asas e se tornara tanajura para voar para além de sua casa natal, para cair e criar sua própria família. Trabalhando com muito afinco como se fosse uma retroescavadeira, cavando e trazendo os “torrõezinhos” de terra, um a um —e ao mesmo tempo, de olho se não aparece algum bico de pássaro ligeiro para carregá-la.
É uma cena que nos faz parar por um instante e lembrar que vivemos num mundo totalmente adverso, entre a construção e a destruição. Aqui vemos um pequeno ser de passinhos ligeiros, nesse mundo tão grande, livre e cheio de força construindo seu novo lar. Mas ao redor desse mundo, vemos máquinas juntando os “cacos” que sobraram das moradias transformadas em ruínas. Com que direito um ser humano invade a vida das pessoas, destrói seus sonhos de anos de luta e trabalho duro para construir seus lares. Se acham no direito de destruir para satisfazer seu ego de poder, de uma conquista sangrenta, marcada pelo sangue até de crianças inocentes.
Líderes mostrando todo seu autoritarismo e desumanidade. Enquanto as pessoas sofrem de fome, frio, machucadas e mutiladas, o causador de todo esse sofrimento, está em seus “palácios” suntuosos ilesos, se alimentando e no conforto de um lar. Lar que milhares de pessoas perderam, pela destruição de mísseis ou drones teleguiados, pela ordem desses líderes tiranos e insensatos. Crianças feridas e assustadas escorrendo lágrimas que lavam suas faces sujas e enfumaçadas pela fumaça da destruição, causada por fascistas, onde muitos ainda dormindo, acordam com o teto desabando sobre suas cabeças.
A história sempre foi, e será escrita por esses episódios. Se querem guerrear, vão pra um lugar neutro, cada líder, com sua legião de soldados lutando entre si, sem ceifar vidas inocentes. Um conflito armado, ainda que se tente justificar, não é justo, civis serem mortos por uma guerra em que pais de família, são obrigados a abandonarem suas esposas e seus filhos, dando um último abraço, sem saber se dará outro de volta um dia.
Enquanto na natureza os seres caminham lado a lado num convívio harmonioso, cada um respeitando o espaço do outro, o ser humano caminha para a destruição do planeta e dos recursos naturais; e até destruir a si mesmo. Assim caminha a humanidade.
Fotos: Natureza ao redor de Curral de Dentro/MG, 06/11/2022.
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Música ao Ar Livre
09 de novembro de 2022
Tarde de cantoria a menos de um quilômetro do final da Rua Unaí. Sair um pouco da cidade onde se ouve muitos sons mecânicos e digitais, e se olha muita tela de computador e celulares. São sons gerados sem energia elétrica, mas que recarregam a nossa bateria e renova a nossa energia para a correria do dia a dia. E eles sem saberem, deixam os dias mais alegres. Cantam com graciosidade pra gente, sem cobrar nada, é de graça, graças à mãe natureza que nos proporciona momentos de paz e harmonia.
Deus criou tudo em perfeito equilíbrio. Aqueles que não podem ouvir, enxergam as cores e formas da natureza, com maior sensibilidade, e os que não podem enxergar, ouvem os sons por ela emitidos, com maior profundidade, ouvem além dos sons. E não precisa de legenda ou intérprete, para sentir e admirar sua infinita beleza, cada um interpreta à sua maneira o que está ouvindo ou o que está vendo.
Mesmo porque, muitos que enxerguem e ouvem perfeitamente, não veem a sua essência, e aqueles que tem alguma limitação, a sentem com maior profundidade e sentem a presença de Deus, mesmo nas coisas que nos pareçam pequenas ou invisíveis, e de fato entendem o significado das coisas e da vida.
Fotos: Natureza em torno de Curral de Dentro/MG, 09/11/2022.
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Suor Sagrado
27 de novembro de 2022
Uma imagem que está muito rara de se ver em tempos atuais. Uma fotografia do tempo que passa apressado, mas ainda se pode ver imagens simples, mas belas. Nos faz parar e até voltar os ponteiros do relógio imaginário.
Uma casinha singela com seu morador olhando pela janela, erguendo seu velho chapéu ao céu, vendo o fruto do seu suor que fora derramado, mas agora, o chão antes empoeirado, está molhado, agora sua plantação já cresce, e não demora, já floresce. Encurtaram as famílias. Antes eram dezenas de mãos para se semear, dezenas de pés para se tampar a semente, e esperar a chuva chegar, para fazer germinar, e o lavrador se alegrar.
Encurtaram as distâncias, hoje ficou mais fácil, é melhor ir logo ali no mercadinho e comprar do que plantar. Mas o que não diminui foi a fé e persistência do lavrador —mesmo solitário ou com os poucos filhos que não foram pra cidade— com suas mãos grossas, arou a terra, de enxada nas mãos, “covou”, semeou e a semente já germinou.
Plantinhas verdes e vistosas tão alegres quanto os olhos de quem as plantaram, e as observa, debruçado na janela da cozinha —que ainda tem algumas poucas latas com os mantimentos da safra passada— mas que com sua fé no Deus Provedor, sua cozinha irar se encher novamente, com os grãos para o sustento dos seus.
Pessoas generosas, onde até os cachorros nos sorriem latindo, como que dizendo: volte sempre, porque serás bem vindo. E o visitante vai embora com uma ou duas garrafas “encarcadas” de feijão, dadas de muito bom grado, pela esposa generosa —com seu lenço florido e colorido, tanto quanto colore as plantas o seu terreiro— mulher de seu compadre, que se despede fechando o último pau da porteira, enquanto o amigo sobe a ladeira.
Fotos: Fazenda do Sr. Conceição – Curral de Dentro/MG 26/11/2022.
Folha de Rascunho
03 de dezembro de 2022
Uma velha casinha que atravessou gerações, escreveu sua história, tendo o tempo como testemunha. Quem a construiu, certamente rascunhou em sua mente o traçado que teria esta pequena moradia, antes de riscar a terra seca para cavar, fazer o alicerce e erguê-la. Dia após dia, —em meses ainda sem chuvas, para não amolecer o barro e ir ao chão— até ver seu sonho ser realizado, de telhas, portas e janelas novas e de parede “caiada”.
Ela ainda permanece imóvel, como um papel de rascunho de uma história escrita em folhas que o vento não levou. O vento que assoprava os pequenos pintinhos no terreiro que iam correndo pra debaixo das asas de sua mãe, agora faz o bambu requebrar, com sua densa folhagem provocando um estalo, quase o mesmo estalo das telhas da velha casa, que uma a uma, vai caindo ao chão, deixando à mostra suas rugas e cicatrizes.
O tempo que faz tudo progredir, tudo transformar, até as cores mais vivas, faz descorar. Mas também cria imagens belíssimas na natureza. Umas envelhecidas e outras curiosas. Um poste de cerca fincado ao chão que depois de alguns anos, os cupins fizeram sua arte. Pequenos seres que mesmo sem saberem escrever, são capazes de nos dizer a idade e o tempo duma madeira. Está coberto por uma casa crocante —feito a cobertura de picolé, com casca crocante de chocolate com flocos. Um gavião aproveita outra árvore próxima, como torre de observação, com seus galhos secos, certamente já cumprira seu ciclo e não durará muito tempo.
Tudo que fazemos ou construímos, antes de se chegar à perfeição, num final pronto e acabado, tivera que ser por várias vezes ser testado, ora sucesso ora frustrado. O que se escreve em papel de rascunho, deverá ser passado a limpo e transcrito em um original, que durará, não pra sempre, mas por muito tempo, visto que estará guardado, protegido das intempéries do tempo. Enquanto que o rascunho será jogado fora um dia, e dissolvido pelo tempo.
Mas na natureza podemos encontrar flores lindas e vistosas, juntamente com cascas ressecadas dos frutos da estação passada, tudo numa mesma árvore. A natureza não rascunha, já faz tudo com perfeição, já escreve em papel “matriz” que vale por uma vida inteira, ou por um ano inteiro —como caderno de estudante, que só é trocado a cada final de ano letivo. É trocado por outro novinho, ainda de pautas vazias, que serão escritas no decorrer do ano. As linhas horizontais do caderno em sintonia com a linha do horizonte que se põe a cada final de dia de lida, sobrando somente a noite, para “escrevinhar” à luz de candeeiro, as palavras soletradas pela professorinha simpática, que morava na casa do patrão.
Certamente essa talvez seja a história de muitas pessoas que viveram em cenários assim: Uma história que fora rascunhada e depois escrita, em casa simples por pais humildes. Por não saberem ler, não precisavam de papel, mas exerciam o seu papel. Tinham sabedoria impressa em simplicidade e verdade. Casinha que hoje padece, mas que fora protagonista de muitas vidas, e serviu de palco para encenar e ensaiar os primeiros passos, escrevendo e traçando o início do destino de seus filhos, que ainda tinham muitas folhas em branco a serem escritas.
Fotos: Fazenda do Sr. Conceição/Lagoa da Fortuna - Zona Rural de Curral de Dentro/MG, 03/12/2022
Que Seja Fruto Enquanto Flor!
09 de dezembro de 2022.
O céu azul fica meio cinza, se enche, escurece
A chuva molha a terra a natureza agradece
As árvores desadormecem, as folhas crescem
Aparecem pequenos botões e a planta floresce
Vem frutinhos pequeninos, mas que a cada dia cresce.
Flores exalam seu perfume atraem beija-flores e abelhas
Com suas dancinhas graciosas, talvez sem saberem
Mas esse foi o propósito do criador quando as concebeu
Polinizarem as flores e fazerem as frutas crescerem.
De verde se amarela, fica vermelho, amadurece
Uns caem primeiro, outros por derradeiro
Colorindo de vermelho o chão do terreiro.
Que cresça tronco enquanto raiz
Que cresçam galhos enquanto tronco
Que brotem folhas enquanto galhos
Que brotem botões enquanto folhas
Que desabrochem flores enquanto botões
Que seja fruto, quando a flor se for.
Que venha a figa e coma o fruto maduro
Que o beija-flor beijou, quando fostes flor
Que se torne novamente semente
Que seja regurgitada e semeada ao voar
Que germine enquanto a terra molhar
Que a vida seja bela, enquanto durar!
Na cadeia da vida é assim, os que nascem primeiro
Sorriem primeiro, choram primeiro, aprendem primeiro ...
Erram primeiro, caem primeiro, mas também levantam ligeiro
E amadurecem primeiro em face dos janeiros.
Por isso, são importantes para os que vierem depois
Terem uma estrutura e um suporte onde possam apoiar
À sombra daqueles nos quais possam de fato confiar
Para que cresçam e também atinjam sua maturidade
E que sempre lhe darão a mão, até que aprenda a andar.
E os derradeiros, verão a partida dos primeiros
Após completarem terceira, ou quarta idade
Ainda muito sábios apesar da pouca vitalidade.
E por fim, findarem o seu ciclo de idas e vindas
Na certeza de terem cumprido sua caminhada
Numa jornada às vezes curta, breve ou comprida
Agora já de passos lentos e corrimão na descida
Cumprindo o papel para o qual fora concebido na vida
Fotos: Quintal de casa ( 30 dias, da flor ao fruto).
Encontro das Águas
01 de janeiro de 2023.
Primeiro dia do ano de 2023, ao pé da Serra do Anastácio, com moradores e seus quintais com suas mangueiras, forrando o chão de frutas maduras nos remetendo aos tempos de infância. Quintais cultivados e plantação já se aflorando com folhas viçosas, um verdadeiro jardim de admiração pelo "lavrador" que arou a terra e semeou a semente que hoje cobre o chão de folhas verdejantes, dando muita alegria em ver sua fé se realizando; duma semente semeada, geminada e agora se ver multiplicando.
A chuva fez brotar água por debaixo de quase todas as pedras, criando pequenos córregos silenciosos, que cruzam a estrada descendo boqueirão abaixo, aumentando o fluxo d'água do Rio da Boa Sorte que deságua no Rio da Gameleira, que por sua vez deságua no Rio Itaberaba que vai de encontro ao Rio Pardo que continua seu fluxo em seu traçado sinuoso e comprido, atravessando o estado da Bahia, até despejar suas águas no Rio Salsa já próximo a cidade de Canavieiras/BA e por fim, encontrar o Oceano Atlântico, salgando essas águas que também brotaram silenciosas nas pedras na Serra do Anastácio, até encontrar o mar.
Fotos: Comunidade de Boa Sorte - Curral de Dentro/MG em 01/01/2023.
Tecendo os Dias
03 de janeiro de 2023.
Em mais um passeio de fim de tarde para iniciar o ano com mais disposição, com os incansáveis e eufóricos companheiros de caminhada, quase nos mesmos lugares e carreiros, mas sempre com novos olhares e novos flagrantes da natureza.
Como o dia se torna curto mesmo em tempos de dias “grandes” e devido aos olhares involuntários que a natureza nos proporciona, o retorno já se fazia “noitinha” já com os seres da noite preparando a sua teia para esperar pelo jantar —como um pescador que arma a rede lançando sua sorte ao mar— ágeis e ligeiras bordadeiras retocando possíveis danos causados em sua teia enquanto dormiam o dia todo, emboladas cobertas por uma manta alva e macia, entrelaçada metodicamente fio a fio, tecida por dezenas de patinhas trabalhando freneticamente como agulhas de tear.
Fotos: Em torno da cidade de Curral de Dentro/MG, 03/01/2023.
Dia de Sorte... Dia de Sol
13 de janeiro de 2023.
Apesar de muitos não gostarem de sexta –feira 13, mas hoje é um dia comum. Dia ensolarado e cheio de cores, mas pra muitos supersticiosos é um dia carregado de energia negativa. Mas superstições à parte, a energia que o sol irradia, é muito positiva.
Uma tarde com chuva no horizonte, com o sol espiando atrás de nuvens carregadas, que despejavam suas águas em enormes chuveiros ao longe. Os raios de sol atravessando entre as nuvens jogando seu flash de luz radiante atrás das árvores, deixando a tarde com uma visão primorosa, onde o quero-quero voa graciosamente com seu canto estridente e esticado. Cavalos correm velozes amortecendo suas patas no tapete de grama macio.
O único revés, foi o encontro com uma planta –que queima feito vela derretida na mão em dia de procissão subindo ruas "enladeiradas" de cidade pequena– um pé de urtiga, que estava em um local estratégico pra desavisados –abaixo duma cerca de arame que cruza o carreiro, onde os caminhantes têm que abaixar para atravessar o arame– mas pra quem já é do “meio”, já avista de longe aquelas folhinhas aveludadas, nada amigáveis. Mas apesar da sua “descortesia”, é uma planta muito bonita e viçosa, até acolhe besouros e joaninhas, que passeiam por suas folhas sem se queimarem, e ao invés de arrancá-la, deixa-a estar.
Dia de sorte; que o diga esses senhores de terno preto de brim, convidados para um banquete, certamente vieram de longe, convidados pelo olheiro que patrulha o céu com sua visão de raio x que tudo enxerga, e lhes envia uma mensagem em sua rede de wifi privada. Não demora vem um bando em revoada –como um comboio de aviões em combate– mergulhando num voo desenfreado, mas são exímios voadores , fazendo um balé aéreo, pousando com voos rasantes e precisos, lotando a árvore como –arquibancada de estádio de futebol, em dia de final de campeonato.
Mas em contraste com a urtiga, tinha a doce e colorida flor do maracujá, que apesar de seu leve “azedume”, é uma fruta muito apreciada, e suas flores atraem as abelhas fazendo seu balé de dançarinas alegres, com asinhas velozes fazendo seu zumbido rodeando as flores, que colorem de roxo o verde da paisagem.
Fotos: Nos arredores de Curral de Dentro/MG, 13/01/2023.
Olhares Involuntários
20 de janeiro de 2023.
Na música Noites com Sol de Flávio Venturini ele diz:
[...] Livre será, se não te prendem constelações
Então verás que não se vendem ilusões [...]
Mas não tem como não nos prendermos o olhar na imensidão do céu em noite de milhões de pontinhos brilhantes a perder de vista, e ainda fazer um pedido em silêncio, após ter visto uma estrela cadente cruzar o céu, com sua imensa cauda de brilho fugaz e reluzente. É uma ilusão boa, que sempre fez parte do universo infantil, sentados nas calçadas à toa, nas noites sob um céu estrelado e iluminado.
Não tem como não admirar uma lua cheia brilhante, quase sendo “Noites com Sol” que com sua luz alva, deixa as noites claras como dia, deixando os terreiros e carreiros “clareados” pra calangos e cachorros correrem “escarreirados”. Uma grande lua nascendo atrás da serra, clareando as pedras e as grandes paineiras com suas barbas-de-velho (bromélias) penduradas, deixando-as com um branco fluorescente.
Não tem como não fixar o olhar num nascer do sol que perdura durante todo o dia, deixando mais visíveis e admiráveis, os ypês com suas flores roxas, brancas e amarelas, contrastando o verde do capim, com o branco felpudo das ovelhas que pastam num boqueirão, que vai tenuamente se inclinando morro acima, até encostar nas nuvens, onde o sol se põe com seu brilho dourado, deixando as tardes lilás.
Não tem como não se aprisionar ao menos por alguns instantes, na admiração duma cachoeira, que despenca suas águas do alto do morro lavando suas pedras e molhando nossa face, com suas águas em forma de neblina fina e suave. Não tem como não enxergar as cores do arco íris, coroando com seu arco gigante com sua nuance de sete cores, por sobre a paisagem que acabara de chover, desenhado por respingos de chuva e com os raios do sol espiando por trás das nuvens. Fazendo uma pintura com a sutileza duma criança de jardim de infância, na imensidão da natureza pra ser admirada também, por gente grande.
Não tem como não prender nossa audição no canto dos pássaros que cantam mais alegres e vibrantes, após uma chuva, apresentando uma orquestra, entoando seus cantos, com dezenas de tons e melodias. Não tem como não se render ao barulho do vai e vem das ondas do mar se desenrolando na areia, com coqueiros “derreados”, com suas folhas quase tocando n’água. Ou ondas batendo e lavando as pedras, fustigados pelas águas salgadas e pelo eterno vento, que assoprando nossos cabelos, nos faz de refém por um momento.
Como já disse Gilberto Gil, na música Tempo Rei:
[...] Água mole, pedra dura
Tanto bate que não restará nem pensamento [...]
E após um tempo olhando essa paisagem, não tem como não aliviar e esvaziar a cabeça de segundos e terceiros pensamentos. Acho que a natureza causa fascínio em quem a admira, nos aprisiona. Observando as pinturas ao ar livre, que nos prende a atenção com suas belezas. Que nos liberta das aflições e dilemas do dia a dia. Acho que não são ilusões ou utopia, mas momentos de visões que de forma gratuita, nos faz prisioneiros de noite ou de dia.
E quando se está no lugar onde a sua vida teve início, o lugar onde a gente nasceu, estando com pessoas simples que fizeram e fazem parte de sua história de vida, a emoção é indescritível.
Fotos: Fazenda Gameleira - Curral de Dentro/ MG, 20/01/2023.
Chuva com Sol.... Dia Festivo
28 de janeiro de 2023.
Desde pequeno eu ouço dizer que: chuva com sol é casamento da raposa com o rouxinol.
Se hoje tinha casamento eu não sei ao certo, mas o cenário estava como que preparado e ornamentado para uma tarde especialmente diferente. Com flores, luzes multicoloridas que coroavam o céu –como uma grande aliança banhada com as cores dos raios brilhantes do sol.
Se encontrava bastante andantes pelos carreiros, uns que voam, outros que andam nem tão ligeiros. Certamente fossem convidados, e estavam vestidos a caráter, cada um com sua vestimenta, tal qual como fora concebidos, se destacando no verde da natureza. Uns vestidos de preto, outros de branco, outros de preto e branco – como um terno de fraque.
Mais à frente uma imagem se destaca; dois mandacarus sobre um arbusto florido –como se fosse um bolo, com caricatura dos noivos por sobre o bolo. Sendo um mais alto que o outro, possivelmente o mais alto fosse a raposa, e o bonequinho menor, o rouxinol.
Além das frutinhas agridoce encontradas, talvez fosse servir até ponche de vinho branco, visto que tinha uma imensa tigela com centenas de canudinhos verdes ornamentada com delicadas florzinhas amarelas – talvez fossem comestíveis, e estavam à disposição dos convidados– e o buquê da noiva, talvez fora jogado para o alto, e as flores assopradas pelo vento, se espalharam pela vegetação.
Não teve grãos de arroz nem fogos na saída dos noivos, mas teve o som dos trovões, que ecoavam seus sons graves por entre as nuvens, que já despejavam gotas de chuva que caíam do céu cristalinas, e me trouxeram a passos apressados até o portão de casa, pra não molhar o celular, e pôr tudo a perder, perdendo as fotos, ou até mesmo o celular viesse a queimar
Fotos: Em torno da cidade de Curral de Dentro/MG, 28/01/2023.
Espectadores Curiosos
08 de fevereiro de 2023.
Mesmo numa "pedaladinha" individual junto à natureza, dificilmente ficaremos solitários. Sempre tem espectadores que vêm nos saudar, como dezenas de novilhas e novilhos curiosos, perfilados me saudando ao passar. Outros que nos cumprimentam com seus cantos. Além do sol, que nos guia com seu farol de luz baixa –como faróis de milha das carretas que se cruzam no asfalto– baixando lentamente no horizonte, pintando em degradê, o mesmo verde que se faz verde, o dia inteiro, desde o nascer do sol.
Fotos: Numa pedalada rumo à BR 251 – 08/02/2023.
Testemunha duma História
11 de fevereiro de 2023.
Não tem como saber quantas vezes essa velha e resistente cancela, que resiste ao tempo, foi empurrada –ou serviu de brinquedo de parque de diversão– para um menino que ainda era pequeno para o peso e tamanho dela.
Não tem como saber quantos cavaleiros parou ao seu lado para abri-la –com o já treinado cavalo que já sabia como e de qual lado parar– para o cavaleiro arquear o corpo, puxar com braço forte e rapidamente atravessar e logo em seguida, ouvir o estalo da cancela batendo no mourão, ecoando rio abaixo, juntamente com os estalos das ferraduras resvalando no lajedo que atravessa a estrada que passava em frente à casa onde nasci; que fica logo abaixo.
Quando acabava a alegria das férias, ficava a imagem de Laura –uma espécie de irmã mais velha que morava com minha mãe– abandando as mãos, debruçada nos gomos de madeira serrada da cerca do terreiro, e o menino segurando a cancela aberta, com um cachorro chamado Feroz, roçando em sua perna, como que dissesse: que também ficaria com saudades daquele menino, que estava com um nó na garganta e os olhos inundados, dum líquido brilhante, que refletia a imagem da velha casa e a pick-up 1977 –placa LT 2765. Seu lugar primeiro, era um pouco abaixo ao lado do umbuzeiro, sendo mudada de lugar ladeira acima, onde se encontra hoje, ainda que de propriedade de outro dono, mas é testemunha das lembranças duma história que não se perdeu no tempo.
Testemunho da história também, é um velho engenho, que fica na fazenda do saudoso Senhor “Liozinho”. Sua fazenda fica ao lado da gameleira, na região conhecida por “Saco de Dentro” –onde também nasceu meu pai. A casa do Senhor “Liozinho”, fica “encravada” no alto dum boqueirão, quase ao pé da Serra do Anastácio. Um senhor que escreveu sua história residindo nessa casa, e mesmo depois de sua partida, sua presença ainda é muito viva, visto que fora sepultado num pequeno cemitério ao lado da casa, onde também estão outros membros de sua família.
No tempo de infância, eu meu irmão Ronildo, e os amigos Juelí, Daço e outros, íamos buscar o pendão seco da piteira pra se fazer gaiolas –cujas folhas verdes, eram usadas como sabão pra se bater e lavar os quartos de tijolos de ladrilho da casa de minha mãe. Era um ambiente meio hostil, onde pra se chegar tinha que atravessar por entre capim, espinhos de “serrote” e jurema, quebrar muitos galhos de alecrim, –cujo cheiro canforado, ficava impregnado por entre os dedos– mas quando se chegava, toda as adversidades, era compensada por uma visão maravilhosa. É um lugar fascinante, com plumas flutuantes, pequenas sementes de paineira, envoltas em sua fina lã, que eram levadas ao sabor do vento para lugares longínquos e incertos, dando continuidade da criação de Deus.
Hoje, 11 de fevereiro de 2023, fiz uma visita à última de suas filhas, que nos recebeu com muita alegria e simpatia. Fez sala de estar embaixo dum pé de umbu carregado de frutos, e enquanto conversávamos, íamos colhendo alguns muito doces. Apartada da cidade, em sua casa simples, distante da cidade, mas não totalmente alheia às coisas e acontecimentos ao redor do mundo, visto que ouve as notícias pelo rádio e pela TV, e ainda comentou: sobre a Guerra na Ucrânia e o recente terremoto na Síria e Turquia. Pessoas simples, sem crachá no peito, pessoas de peito aberto, que já se autoidentificam, que são pessoas de verdade. Como diz Charlie Brow "Quem é de verdade sabe quem é de mentira". Pessoas de muita sabedoria de vida, ao contrário daquelas que carregam pendurados seus crachás debaixo de queixos empinados de ostentação e discursos demagógicos. Eu prefiro as simples, a aquelas de crachá.
Fiquei sentado por momento sobre a velha cancela, observando a paisagem, de onde se tem uma bela visão da casa onde nasci, e de todo o vale que segue rumo à Serra do Anastácio. Rebobinei um filme de lembranças em minha cabeça. Cenas de lembranças que nem o tempo apaga, o mesmo tempo que apagou as ranhuras escritas no lajedo pelas ferraduras que se enferrujaram e também já não existem mais.
Fotos: Fazenda Gameleira, município de Curral de Dentro/MG - 11/02/2023.
Semelhantes, mas não Indiferentes
17 de fevereiro de 2023.
Em cidades do interior, quem quiser sair um pouco da rotina da cidade, ou se desprender um pouco das telas dos notebooks e smartphones; ou quiser ouvir e ver a natureza, não precisa andar muito. Aqui em Curral de Dentro/MG, no final da rua onde moro, a pouco mais de 500 metros, dá pra se mesclar o urbano e o rural. Se ouve um misto de sons: O canto dos pássaros que quase se confunde com o apito do juiz –que apita a partida do final de campeonato de futsal no poliesportivo da cidade– juntamente com o grito dos torcedores fazendo eco que viaja até a zona rural não muito longe dali.
Mas praqueles que por ventura não tenha o costume de andar pela natureza, tem que tomar alguns cuidados. O que parece uma despretensiosa ”bola de queimada”, pode desencadear uma carreira, após a gente sentir umas agulhadas quentes na pele, que com certeza, deixará o local da picada, mais dormente que uma bolada de queimada acertada em cheio. Uma fruta-de-lobo que mais se parece um marmelo, ainda verde, com sua pele aveludada. Também não é aconselhável se aproximar muito dum “nerole” –com cara de simpático– mas nunca se sabe como tá o seu humor, visto que tá rodeado de algumas damas.
Na natureza encontramos coisas e seres naturais, semelhantes aos existentes nas cidades, mesmo sendo pouco parecidos, não são indiferentes ao nossos olhos. Podemos encontrar até mesmo, uns “pompons de algodão”, parecidos com aqueles vendidos nas quermesses, mesmo quem já cresceu, daqueles fios adocicados, não se esquece. Já esses da natureza, mesmo não tendo doçura, mas tem a ternura, são admiráveis, pela beleza e simetria com que fora construídos dia a dia, por seres tão pequenos em tamanho, mas grandes em sua sabedoria, na imensidão da natureza.
Fotos: Próximo de casa – Curral de Dentro/MG, 17/02/2023.
Parada quase Obrigatória
21 de fevereiro de 2023.
Os percursos da natureza sejam eles: estradas, trilhas ou carreiros, sempre à beira deles, encontraremos surpresas, se não formos muito ligeiro. Podem atrasar um pouco nosso trajeto, mas ainda assim, não perdemos a rota. Um avião que cruza riscando o céu a mais de 600 quilômetros por hora; uma juriti que levanta voo, com o bater robusto de suas asas que voa a 20 quilômetros por hora; as carretas, que a 100 quilômetros por hora, cruzando na pista, assoprando o vento forte, que faz reduzir por alguns segundos o ritmo das pedaladas. O gavião pousado por um momento, num galho do jatobazeiro, que além de voar ligeiro, também paira no ar pra ver o que está em movimento lá embaixo, pra mergulhar como flecha, e agarrar sua presa que se tornará seu alimento.
Enquanto a corrente desliza pelo disco, movida pelos pedais com movimentos contínuos e cadenciados –que giram mais rápido que o ponteiro que marcam os segundos, dum relógio de parede, percorrendo seu grande círculo– fazendo a roda se movimentar, assim como o sol que se movimenta ao longe. Mesmo que nos pareça lento, mas se movimenta a milhares de quilômetros por hora em torno da terra, que gira a mais de 1600 quilômetros por hora, fazendo tudo se movimentar.
Pequenas formigas que percorrem poucos centímetros por minuto, com suas perninhas minúsculas, carregando pequenas folhas e gravetos, mas são maiores e mais pesados, proporcionais ao seu tamanho. Construindo grão a grão, sua cidade de terra –como grandes dunas do deserto. Pequenos grãos, do tamanho dos mesmos que envolvem os caroços adocicados do articum, que já está quase maduro, pendurado também à beira do caminho, e não demora a cair.
E na volta, até o anoitecer pode nos surpreender. Mesmo não sendo noite de lua, mas as estrelas nos servem de guia, orientando e demarcando o rumo, até alcançarmos o clarão das luzes da rua.
Fotos: Nos arredores de Curral de Dentro - 21/02/2023.
Meio a Meio
27 de fevereiro de 2023
Hoje numa breve caminhada, de tarde já sem sol, a lua estava se mostrando somente pela metade. A lua nos ensina muito com suas fases. Tem noites que ela está cheia vistosa, majestosa. Tem tardes, já se escurecendo, como hoje –que ela se parece mais com a metade dum queijo. Tem noites que está minguante, tem noites que fica do tamanho de um pedaço de unha –cortada a tesoura, fechando as suas duas metades para tal. Mas isso não mingua a sua beleza e sua importância vital para a vida. E por ironia, hoje a caminhada com os cachorros foi menos da metade, visto que já saí tarde, e a cadelinha está prenha, tendo dificuldade pra andar.
A vida também é feita de fases, e temos que aprender a conviver com elas. Nem sempre atingiremos o objetivo almejado, em sua totalidade. Mas se atingirmos ao menos a metade com todo nosso esforço, isso é vitória. Porque o triunfo talvez não esteja na quantidade, mas no valor da conquista, advinda de muita luta.
A metade do dia é luz, a outra metade é noite. Muitos animais e aves caçam à luz do dia, outros durante a noite ou à luz da lua. Da mesma maneira como a fase da lua rege as marés; as plantas além do sol, precisam da luminosidade da lua, acelera o processo de germinação das sementes e a escuridão, ajuda no processo de frutificação do cogumelo.
É mais sensato duas metades dum copo d’água saciando a sede de duas pessoas, que um copo transbordando na mão de um, deixando o outro sedento. É mais humano, duas crianças cada um com a metade dum pão, em suas pequenas mãos, que uma grande bandeja abandonada numa mesa da praça de alimentação dum shopping center, com um hambúrguer somente comido pela metade, que será jogado no lixo. Não adianta o aluno tirar total em exatas e zerar a redação. É mais assertivo que ele tire metade em algumas disciplinas, e enfatize no que tenha mais facilidade. Nem sempre a nota máxima, e preceito de avaliação, se uma pessoa será disciplinada na vida, se não tiver humildade e humanidade. Mas em contrapartida, aquele estudante que sempre tirou metade, passou sempre na média, pode vir a ser uma pessoa de bem, mais humana, visto que trilhou seu caminho com dificuldade, porque só tinha metade do valor da tarifa do ônibus, ou o ônibus não ia até sua comunidade, e tinha que fazer a metade do percurso a pé.
Tudo na vida tem que haver um equilíbrio das partes; senão o navio afunda; senão o avião não decola; senão a cangalha “vira” e derrama os grãos, onde metade é do fazendeiro, e a outra metade é do meeiro, que após a colheita, junta suas duas mãos calejadas e agradece a Deus pelo pão de cada dia, em cima da mesa. É melhor a fruta meio madura que durará mais tempo à mesa, e poderá alimentar mais pessoas.
Assim como nos mostra a natureza, um pé de pinha de cerrado, cheio de frutas verdes, mas algumas já amadurecendo, mas por partes, uma de cada vez.
Fotos: Ao redor de Curral de Dentro/MG, 27/02/2023.
Águas de Março
01 de março de 2023
Hoje com a lua já mais crescidinha e com a proximidade do outono, que esse ano terá início em 20 de março –dia em que também estarei completando mais uma primavera– os dias vão ficando menores, e as noites mais “encompridadas”, se tornando noites de luar. É notável a alegria dos pássaros o reflorescer de pequenas flores vicejantes e vistosas, desabrochando de novo, o reviver do verde da paisagem, onde os animais pastam com mais alegria, a natureza se renova da noite para o dia.
Num trabalho solitário, uma aranha tece talvez sua última teia. De uma prole numerosa, agora está sozinha, quem sabe os outros membros morreram, ou ela se exilou, para ficar independente e criar seu próprio lar; ou escolheu levar uma vida eremita, fugindo do convívio do seu grupo familiar, não se sabe.
Em contraste com a aranha, próximo dali pousada num galho, uma família de corujas de quatro membros. Quem sabe seja pai, mãe e dois filhos, ou uma mãe solteira com seus três filhotes. Mais numerosa ainda, é uma colmeia de abelha que fez sua morada num cupinzeiro abandonado. Alegre e despercebido, o saltitante “Jack” –cachorro de minha filha– passou bem próximo, mal sabendo ele, que uma picada daquelas “agulhinhas” quentes, dói mais –que uma picada de vacina tetravalente, em bundinha de recém-nascido.
Uma tarde de clima muito agradável, de terra ainda úmida, da chuva da tarde do dia anterior; último dia de fevereiro. O primeiro dia de março, já se anuncia que as águas de março virão; e se Deus quiser, em abundância, fechando o verão.
Fotos: Próximo de casa, Curral de Dentro/MG – 01/03/2023.
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Lumiar
05 de março de 2023
Em noites de lua grande, dá quase pra se achar uma agulha num palheiro. Ela sempre foi companheira das noites, principalmente das pessoas mais simples, iluminando seus terreiros. Se as lamparinas eram poucas –pra ir ver se as galinhas já tinham se agasalhado no poleiro– a lua “lumiava”, e dava pra ver até a claridade do jirau de chuchu, pra ver se o saruê não estava escondido de “treita” à espreita, pra atacar as franguinhas mais novas.
Moradias singelas com poucas janelas, fechadas por tramelas, e na cozinha, uma prateleira com xícaras e pratos de esmalte e algumas panelas. Panelas que irão pro fogão logo de manhã cedinho, pra cozinhar o andu, que será debulhado na calçada com a lua lumiando a peneira –rodeada pelo pai e os pequenos, porque a mãe estava em outros afazeres– pra fazer a farofa com toucinho e manteiga de garrafa no almoço do dia seguinte. Pessoas simples, que mesmo precisando, se lhes oferecem, falam que não carece, mas como a precisão às vezes lhes batem à porta, recebe; ergue o chapéu aos céus, e agradece.
A lua tornava a noite como dia, "lumiando" o carreiro que se seguia à beira da cerca, pra ir na casa do compadre contar causos, visto que durante o dia, a lida não permitia. Como a noite se alongava e a madrugada ainda tardava, dava também pra esticar as “pileras”, entre causos de mentira e outros de “divera”. E pros pequenos, dava até pra catar algumas pedras de cristal na ida –que reluziam como prata ao brilho da lua– munição para os estilingues do dia seguinte. Iluminado também, ficava o estreito, mas comprido carreiro, cheio de pequenas formigas, em seu ritmo frenético, esbarrando seus faroizinhos entre si, numa pista de mão única congestionada.
E o rapazinho maior sentado na calçada, olhando o rosto da amada –mas acompanhada de sua irmã mais nova que encantada com a lua, nem percebia o encanto, causado ao rapaz pela sua irmã, sentada noutro canto. Ela com a face de um lado meio roseada, e o do outro, clareada; iluminada pelo “lumiar” desse grande astro, que é testemunha de muitas juras e promessas, feitas sem muita pressa.
Fotos: Natureza ao redor de Curral de Dentro/MG, 05/03/2023.
Faixas Contínuas
05 de março de 2023
Hoje, olhando umas fotos que fiz recentemente de jatos desenhando faixas contínuas na imensidão do céu. Traços paralelos retilíneos –iguais às faixas contínuas ou pontilhadas das pistas de mão única– mas essas, não se dissipam com o vento, como as desenhadas no céu. As das estradas da vida, em sua maioria, são amarelas, advertindo que é de mão dupla, se brancas –como as riscadas pelo jato, é de mão única– mas ainda assim, mesmo sem tráfego contrário temos que ter cautela nas ultrapassagens não ultrapassando quando as duas estiverem contínuas e as amarelas ainda que pontilhadas, ou uma seta gentilmente à nossa frente piscando à direita, temos que ter calma. Nós é que temos que saber da potência do veículo que conduzimos, ou o peso que carregamos, porque quem nos sinaliza que “tá limpo”, talvez pense que estamos num carro 4.0, então temos que ter prudência e ter visão do horizonte pra tomarmos a decisão no momento certo.
Paralelamente às faixas contínuas, nossa vida prossegue continuando nosso caminho, ora de linha reta, ora de curvas sinuosas, mas sempre de olho nos sinais que a vida nos mostra, guiando do nosso destino, num percurso já traçado por Deus. Só temos que aprender ler e decifrar os sinais que delimitam, ou que permitam irmos além, mas sempre em velocidade moderada pé embaixo pras subidas e pé leve nas descidas.
E não é preciso de faixas de pedestre pra que paremos nas esquinas, pra permitir a travessia de pessoas de passos já não tão largos e ligeiros, que atravessam a rua devagarinho, erguendo a outra mão –que não está segurando a bengala– e acena, agradecendo a gentileza, com um sorriso estreito tanto quanto são seus passos. Enquanto o idoso atravessa a rua, dá pra refletirmos. Quem também seremos amanhã, após termos ultrapassado tantas faixas paralelas e muitas vezes não bastasse ser contínuas, eram além de tudo amarelas.
Eu sempre gostei de olhar avião cruzando os céus seja ela grande ou pequeno. Desde da época de infância, sentado na cerca embaixo do pé de fícus, no terreiro da casa de meu pai, e se ouvisse o som de um pequeno monomotor, ecoando no boqueirão, era motivo pra deixar o que estivesse fazendo, e ficar de olhar fixo, até que o pequeno avião surgisse passando por entre as nuvens. Corria e sentava na caixa d’água do mangueiro, onde também pousava anu-preto, João-de-barro e também as simpáticas curraleiras; com seu terninho preto e branco –pássaro conhecido como lavandeira mascarada ou noivinha– pra beber água com seus voos rasantes; mas esses eram menores e cantavam ao invés do ronco dos motores.
Era uma imagem que além de bonita, instigava a minha imaginação, de onde vem, pra onde iria, quem estaria lá dentro, avistando a imensidão de mundo, além daquele ao qual eu conhecia, e sempre imaginando como esse avião poderia atravessar a redoma que cobria o meu mundo, e ia olhando até ficar do tamanho de uma semente de cardo santo –planta que nascia sempre à beira do curral, em épocas de chuva– e desaparecer por completo entre os enormes coelhos, ou às vezes grandes cavalos brancos no céu.
Mas quando se é criança, não entendemos que esses mesmos aviões que transportam pessoas, ou órgãos que serão transplantados salvando vidas, podiam também transportar bombas, ou pilotos que jogavam os aviões contra navios e outros alvos, na Segunda Guerra Mundial –conhecidos como os kamikazes– hoje são aviões (drones) controlados à distancia, ou mísseis que cruzam dum continente para o outro com a velocidade três vezes maior que um jato em seu voo de cruzeiro, gastando milhões de dólares, para provar que o poder bélico de um ditador, é maior que o do outro. É inaceitável ver líderes de países, sendo verdadeiros ditadores e tiranos. São capazes de se comoverem e ajudarem vítimas de terremotos, que são tragédias de acidentes naturais, e não se comovem e cessem uma guerra desumana, que eles próprios causaram, que destrói lares, mutilam crianças, transformando seus sonhos em pesadelos.
Bom seria se a vida fosse via de mão única, com faixas contínuas ou no máximo, de mão dupla bem sinalizada, mas muitas vezes, o homem é descontinuado, é metade humano, metade tirano e outras vezes, é faca de dois gumes.
Fotos: Natureza ao redor de Curral de Dentro/MG, 05/03/2023.
Nossas Cicatrizes
08 de março de 2023
Sempre que faço minhas caminhadas nos finais de tarde numa área perto de casa, passo próximo a muitas árvores. Mas uma em especial, me chama a atenção. Acho ela muito formosa e imponente –já até posou junto com a lua pra uma bela foto— e somente hoje, que a observei mais de perto, e pude ver que ela traz suas cicatrizes. Um tronco seco que ela já o envolve com seu novo tronco. Não se sabe se foi um dos galhos que secou e morreu, ou se a árvore de hoje; foi rebrotada, quando esse tronco estava encerrando seu ciclo de vida, não se sabe ao certo. Também não se sabe se foi fungo ou fogo que a fez perder um dos troncos. Não importa, mesmo com suas marcas, continua sendo linda e admirável. E hoje, os quero-queros sobrevoavam ao seu lado –pra que ela posasse novamente, como protagonista duma fotografia digna de quadro com moldura. Aves também admiráveis, com seus voos graciosos, demonstrando muito alegria com seus cantos, mas também não se sabe, se canto de alegria, euforia, ou canto de advertência avisando aos outros que tem intruso em sua área.
Assim também são as pessoas. Às vezes as vemos sempre alegres, sorridentes e de alto astral, mas não sabemos do seu interior –ainda que não as vemos de cabeça baixa. Talvez esconda frustrações e trazem marcas e cicatrizes, visíveis ou não, físicas ou emocionais; e se não as vemos, tampouco as sabemos.
Quando elas forem emocionais, tente apagá-las. Se custar, talvez sejam pesadas, não se sobrecarregue, não meça esforço, se esforce, não seja orgulhoso, se permita aproximar. Assim suas marcas serão percebidas, assim como se percebe somente de perto, um galho seco, que um dia cairá ao chão, pra que outro renasça, fazendo a vida ressurgir e seguir seu curso.
Talvez não sejam cicatrizes, mas sinais das lutas, das resiliências de ontem; ou marca da consequência de vivências e atitudes inconsequentes, causadas por outrem. Mas permanecerão somente por um período, até que o tempo as cicatrizem, as curem, visto que o tempo, é o melhor remédio.
Mesmo que essas pessoas nos pareçam frágeis ou vulneráveis, também têm suas defesas, como essa casa de Marimbondo-tatu, no alto da árvore. A picada de um desses, não deixa cicatrizes, mas dá dois dias de licença do trabalho, com febre e íngua nas axilas. Serve como lição e aprendizado, pra não pormos a mão em “cumbuca”, feito menino levado que tudo “futuca”.
Fotos: Próximo de casa – Curral de Dentro/MG, 08/03/2023.
Rastros e Lembranças
16 de março de 2023
Uma rápida e tempestiva chuvinha nesta tarde, animou as aranhas a retocar sua teia de seda. E a julgar pelo tamanho da “anca” da matriarca, as noites estão sendo de pescaria farta.
Até correu uma pequena enxurrada, lavando os carreiros, deixando depositada uma fina areia, feito a açúcar refinado – hoje meio fora de uso, mas no tempo de infância, às escondidas da mãe, era muito apreciado.
Esses “pequenos leitos” de rio seco, amanhã servirá de tela de pintura, onde também pequenos pés de pássaros, calangos e formigas, deixarão suas impressões digitais gravadas nessa tela de pintura efêmera, que o vento irá apagar. Talvez não com a mesma rapidez, com que o aluno apagava os desenhos feitos a giz, na losa escolar duma sala de “primário”, todo orgulhoso pela confiança e responsabilidade nele depositada, pela professora sorridente e educada.
Fotos: Numa caminhada próximo de casa – 16/03/2023.
Caminhos Estreitos
25 de março de 2023
Hoje eu andei por uma estradinha construída como antigamente, por métodos atualmente, pouco usados. Caprichosamente bem feita e varrida – tal qual terreiros das casas de zona rural, que sempre são varridos aos sábados de manhã, ainda sem sol. Estrada aberta à mão por braços fortes que a fez, ou as pessoas que a fizeram, num trabalho persistente sem muita pressa, visto que “rompe” poucos metros por dia, sem muita pressa –como um cavalo que passeia sossegado, comendo alguns brotos nessa estreita estrada. Os caminhos estreitos e cheios de obstáculos, que muitas vezes temos que rompê-los com as próprias mãos, são os mais sólidos e duradouros. Talvez seja uma forma de desafio, e independentemente do tempo que levar, mas sem muita ambição e literalmente de pés no chão.
Os sonhos não se concretizam tão rápido, quanto seca o concreto duma obra. Temos que ter sonhos e projetos, mas a ambição a todo custo, pode nos custar caro. Castelos construídos com pedras sólidas não vêm ao chão tão facilmente, como prédios construídos à beira mar, usando areia do mar para se economizar. Onde os moradores pagam duas vezes pelo imóvel. Pagam o valor em dinheiro, depois pagam com suas próprias vidas quando o prédio desaba —já estando imóveis debaixo dos escombros— por ter sido construído com areia que contem sal, tudo em nome duma ambição desenfreada, como já vimos episódios assim, noticiados em jornais e TV’S.
Como exemplos de grandiosidade, existem várias obras no mundo, que demoraram décadas ou até mesmo séculos para serem concluídas: Como a muralha da china demorou 1900 anos para ser construída, assim como as pirâmides do Egito que também demorou séculos, ou seja, não existe “castelo dos sonhos” que se ergue com facilidade. Atualmente, as pessoas vislumbram realizar sonhos fantasiosos. Aplicam seu dinheiro ganho através de muito suor derramado, e aplicam em bolsas ou financeiras.
Hoje a moeda da vez são as “Cripto moedas”, mas muitas vezes, é um investimento de alto risco, não tem solidez. Muitas vezes, os donos dessas pirâmides, corretoras ou financeiras, são pessoas sem credibilidade. A aplicação em bolsas de valores, realmente rende dividendos, mas atualmente, muitas empresas e grandes conglomerados estão quebrando. E nesse meio, existem muitos estelionatários que ostentam uma riqueza virtual, mas sem solidez, onde as pessoas perdem tudo que construírem numa vida inteira, desde o alicerce, e vê seu sonho ruir da noite pro dia, onde uma pessoa dorme milionária, e acorda com a conta zerada, no vermelho. Mas os donos das financeiras estão em Dubai nos cassinos cheios de luzes coloridas. Mas há quem prefira vê o boi no pasto, o porco no chiqueiro, talvez esses são os mais, sábios, mesmo porque já foi dito que “é o olho do dono que engorda o porco”
Uma obra de arte muitas vezes não é entendida por muitos. Às vezes acham bonita, mas não entendem o significado, simplesmente ver, mas não entende a mensagem que o artista quer passar. Mas quem tem um olhar mais apurado, fará uma leitura particular e contemplativa, e entenderá sua essência, e a emoção impressa pelo autor, naquela arte.
A natureza é uma sala de aula a céu aberto, nos dá uma lição de vida. Numa mesma planta, vemos flores novas recém-desabrochadas, com vagens com sementes ainda verdes, junto com outras já ressecadas cujas sementes já foram espalhadas para disseminação da espécie. Nos mostrando que dá pra conviver em um mesmo espaço, o novo e o velho, respeitando cada um o seu espaço e o seu tempo. Lembrar das pessoas que fizeram parte do nosso cotidiano de vida, e sempre as visitarmos, enquanto não encerram o seu ciclo de vida.
Até mesmo uma velha morada abandonada, se torna uma nova morada para um casal de periquitos chocarem seus ovos, criarem seus filhotes, nesse lar de cômodo estreito, mas muito seguro e aconchegante, construído por criaturas muito pequenas, mas de grande importância para a natureza. Hoje as pessoas andam muito imediatistas e de pouco, ou nenhum esforço para realizar ações e tarefas do dia a dia. Até o CtrlC e CtrlV do teclado (copiar e colar), que tornou tudo mais fácil nas pesquisas escolares, já está se tornando obsoleto, visto que já existem ferramentas que já fazem a pesquisa e digita o texto que fora solicitado, e já nos entrega pronto, criando uma geração de pouco esforço físico e mental, tornando as pessoas muito virtuais e menos presenciais.
Temos que navegar menos e andar mais. Apreciar mais as cores da natureza, que as luzes das telas, o vermelho das flores nos alegra, ao contrário do vermelho do extrato da aplicação bancária, que nos frustra, ao se descobrir que fora furtado. Que ademos de pés no chão, por caminhos estreitos, aproximando das pessoas, estreitando as relações.
Fotos: Próximo à cidade de Curral de Dentro/MG 25/03/2023.
Retrovisor
26 de março de 2023
Neste domingo, 26/03/2023, eu e meu sobrinho Tim, fomos cumprir um trato, que fizemos há tempos, pra reencontrar um rapaz, conhecido por “Diocrido” –hoje certamente com mais de 70 anos de idade– que morou muito tempo na fazenda Saco de Dentro, até então, de propriedade de Tio Nenzinho, na década de 70. Mas acabamos por fazer somente a metade do trajeto, visto que não sabíamos exatamente o local onde ele estaria morando atualmente, mas encontramos outros personagens que fizeram parte de nossa infância. Encontramos entre outras pessoas: “Celi Preto”, na Vila São João, no Distrito de Barreiros, que também não o via a mais de quarenta anos. Este também morou na mesma época que “Diocrido” na fazenda Saco de Dentro.
Celi era um dos vaqueiros muito conhecidos nessa época, juntamente com “Geraldo Vaqueiro” –este último, era vaqueiro que morava na fazenda de meu pai na Fazenda Gameleira. Todas as tardes, um aboio ecoava entre os boqueirões do “mangueirão”, era o vaqueiro ajuntando o gado para tirar o leite no dia seguinte. Se via ao longe, o cordão branco que se formava das vacas enfileiradas nos carreiros entalhados por entre as pedras, pelos seus cascos, pelas tantas idas e vindas das reses. Antes das cinco horas da manhã, o vaqueiro já estava dentro do curral, com o caneco na mão, pra tirar o leite, junto com as alegres e cantantes curraleiras; com seu terninho preto e branco –pássaro conhecido como lavandeira mascarada ou noivinha– procurando alimentos entre o esterco. Assentada na cumeeira da “seringa” do curral, só observando o seu espaço, que ficava todo alvejado, pelas dezenas de vacas que iam entrando perfiladas. Em épocas de vacinar o gado, era a alegria da molecada, que ficavam em cima da cerca do curral, de olho nas tampinhas dos frascos, para fazer as rodas para os seus carrinhos. E os blocos de gelo que conservavam a vacina, se transformavam em picolés.
Numa época em que os sonhos de consumo não eram muito grandes, ou eram meio limitados, talvez pela simplicidade em que viviam. Uma sela nova, um rádio à pilha, uma “muda de roupa nova” –comprada na loja da saudosa Dona Esmênia, no até então, arraial de Barreiros. As roupas ficavam penduradas num torno “enficado” na parede, caiada de cal, juntamente com outros, para pendurar o chapéu e a espora; um canivete cabo de osso, para cortar um fumo bom –que era esfarelado, nas palmas de mãos já calejadas– pra mais um aprazível cigarro, uma foice e uma peixeira na cintura, pra descascar laranjas ou pra acudir de uma eventual desavença, nalgum pé de balcão, se preciso fosse.
Os aposentos dos empregados solteiros das fazendas, muitas vezes eram de chão batido, e continha somente as “traias” usadas na lida, e alguns objetos de uso pessoal. Decerto uma mesinha ou uma cadeira com poucos pertences: Um frasco de desodorante spray, VanEss, mistral ou avanço –esse último, servia também para passar no rosto, após o barbear (queimar a barba)– uma escovinha de pentear que se encaixa na palma da mão, com movimentos fortes, desliza sobre os cabelos, “agasaiando” os fios esturricados pela lida de sol a sol; uma pomada minancora e um vidrinho de óleo de babosa, para deixar os cabelos brilhosos, após um banho de rio.
Nesse contexto de vida simples e de um ambiente bucólico, viviam outras pessoas que ficaram gravados na memória, talvez até, por serem pseudônimos ou nomes um tanto quanto diferentes, tais como: Sr “Parcidino”, Senhor Cristino, Miro –salvo engano, filho do Sr. Cristino, Senhor Conceição –que de longe já era conhecido, pelo seu corte de cabelo, deixando a cabeça “lumiando”– “Sa Lia”, Senhor Miguel, Senhor Beijo, Senhor Liozinho, Ananias, João meia noite, Senhor "Major", Senhor Odílio, Dedê, Ozébio, Senhor Tiadoro, Senhor Joberto, Senhor "Leza", Senhor Dermiro, Dô Vei, Manel "Bolota" Dona Filurinda (parteira) entre outros. Ainda tinha o Senhor Ricardo, uma espécie de mensageiro, que se mudou para a Zona da Mata, e trazia as notícias e cartas, de outros que também moravam lá, como a família da minha Tia Dominga irmã de minha mãe, que foi morar naquela região, na década de 70.
Se muitas lembranças se apagaram, outras estão literalmente impressas nos braços desses vaqueiros, como tatuagens, “escrevinhadas” pelos espinhos e garranchos dos galhos de jurema, debruçados à beira do caminho.
Apesar da vida dura, seu sorriso largo ainda perdura.
Apesar das vistas às vezes já meio curta, mas pra arrear o cavalo, pouco lhes custa. Ainda monta no alazão junta o gado, derruba o bezerro no chão e amarra o boi bravo no mourão.
Algumas lembranças se vão, assim como as imagens refletidas no retrovisor do carro em movimento, outras permanecem imóveis, assim como as pedras e lajedos, decorados com os simpáticos cabeças de frade (coroa de frade) que também vão se renovando ao longo dos anos. Outras se apagam como o arco-íris que se mostra radiante por alguns instantes, coroando a Serra do Anastácio.
Fotos: Comunidade de Barreiros - Distrito de Berizal/MG, 26/03/2023.
Árvore Genealógica
30 de março de 2023
Observando essa árvore, conhecida em nossa região por Gonçalo, e pesquisando na INTERNET, verifiquei que o nome dela é Gonçalo-alves. Talvez muitos dos sobrenomes das famílias tenham sido inspirados na natureza. Nomes de famílias muito comuns no Brasil, imitando a natureza tais como: esse grande Gonçalves, que certamente já teve até Sicupira, ao seu redor, e também Pereira e Carvalho. Tem muita pinha madura, tem Madureira. Nas beiras dos Rios, nascidos em Fontes com suas águas Alves da Silva, correndo entre Rocha, e Pedreira, com grandes árvores como: gameleira, paineira e Moreira, num ribeirão; daí certamente surgiu o sobrenome Ribeiro. O eucalipto e o Pinheiro, são de reflorestamento.
Em meio a vegetação num descampado de grama verde, com algumas mulheres colhendo as Flores, para enfeitar os Santos ao pé da Cruz, no dia de Santana ou domingo de Ramos, entre elas muitas marias: Margarida, dos Anjos, das Dores, de Jesus, dos Passos. A lenha cortada a Machado, vem trazida pelos homens que também Tavares com elas nos verdes Campos, em Dias de céu azul Celestino. Os feixes, Botelho nas Costa, ou no ombro amarrados por Correia, com os meninos à frente Aguiar, que já conhecem esses caminhos desde o seu Nascimento, porque cresceram correndo nesses Matos, subindo nos pés de Oliveira e nas Palmeiras, que mesmo na Siqueira, florescem.
E se não tem laranjeira, tem os Gomes da Lima colhida na Limeira logo ali, depois da Ladeira. Não tem Leão porque é sertão, mas certamente no terreiro, pode se ver alguns gatos, cachorro e até uma galinha de Pinto, mãe zelosa, cheia de Amorim por seus filhotes, descansando debaixo dum pé de Arruda. As casas em sua maioria, feitas de tijolos de Barros (adobe) e no fogão, a chaleira ferve como uma Caldeira. No curral, uma Bezerra presa aguarda que a Marques com as iniciais do nome do dono, com o ferro vermelho de quente, feito pelo Ferreira Silveira, que Vieira da cidade dos Araújos.
Fotos: Em natureza ao redor de Curral de Dentro/MG, 30/03/2023.
Farol de Milha
07 de abril de 2023
O sol se pondo por detrás das árvores, ofusca nossa visão –como faróis de milha numa pista de mão dupla, em noite com neblina– tendo que pormos a mão sobre os olhos, como quebra-sol. Esse imenso farol brilhando a milhares de quilômetros, não ofusca a visão das pequenas e ligeiras formiguinhas. Se cruzam até em fila dupla, numa pista congestionada e não se chocam, não precisam de quebra-sol. Talvez já pressentindo que logo será noite, e hoje não será noite de lua cheia, pra que lhes sirva de farol, se apressam em seus afazeres, pois sabem da sua importância no equilíbrio da natureza.
Mas às vezes é até bom que o sol ofusque nossa visão, além de criar um belo cenário, acaba inibindo a cobiça daqueles que veem as belezas naturais, como sendo souvenir, ou lembranças a serem levadas pra casa, não importando o dano deixado ao retirá-la do seu local de origem. Na natureza além das belezas que se exibem naturalmente, existem aquelas escondidas, entremeadas na vegetação, ou em cavernas, onde é preciso a luz de “faróis de milha” ou lanternas pra serem vistas. Belezas que levam décadas ou até séculos para se formarem, e muitas vezes, pela insensibilidade humana em poucos segundos, pode-se apagar essa bela imagem. Estalactites e estalagmites, que se formam lentamente de gota por gota, que caem silenciosas desenhando com o calcário que vai moldando esculturas que enchem os olhos daqueles que sabem admirar sem depredar. Tem a possibilidade de ver seres únicos e até peixes, que nunca viram a luz do dia vivendo na escuridão. Muitos se guiam pelos seus sentidos e sensores, e se forem perturbados, pode acabar interferindo em seu habitat.
Os animais e aves, ainda que um dependa de outro para sobreviver o fazendo de presa, mas se o homem não interferir, a natureza seguirá em perfeito equilíbrio e harmonia entre os seres e elementos que nela vivem e existem. Os animais a veem, convivem e a usam, mas ajudam a compor sua beleza, com seus cantos, cores e formas, porque esse foi o propósito de seu Criador, cada um com sua graciosidade, cada um com sua peculiaridade, cada um com seu jeito de se movimentar pra nos encantar.
Que saibamos olhar, admirar e não depredar e nem pra casa levar, deixar a natureza com sua beleza intocada, assim como a achamos. Quem depreda desagrada quem as criou e até desabriga os seres que dependem dessas estruturas e elementos para viverem.
“Se você ama uma flor, não a colha. Por que se você colhê-la, ela morre e deixa de ser o que você ama. Então se você ama a flor, deixe-a estar. O amor não está na posse. O amor está na apreciação”.
Osho
Fotos: Nos arredores de Curral de Dentro/MG, 07/04/2023.
Seres Iluminados
03 de maio de 2023
Hoje foi dia de esticar as canelinhas duma pequena mas eufórica cadelinha. De um lado o sol já dando seu aceno, e do outro, a lua nascendo. A lua apesar de um astro gigante, mas por estar tão distante, se torna do tamanho dos olhinhos curiosos dessa pequena, que tudo olha tudo cheira, mas a mãe releva, faz parte da idade. Enquanto sua mãe dá quatro passos, ela tem que dá oito; às vezes requer colo, mas logo quer descer. Passinhos curtos, mas tracionados em quatro por quatro, ligeiros e eufóricos, ainda meio “desafirmados”, mas cadenciados e continuados. Já o pai; mais salta que anda, e ainda descobre umas codornas que saem em revoada.
Mas logo logo, ela estará grande, vai crescendo, assim como a lua, ora nova, ora crescente, ora gigante e brilhante. Depois recomeça, tão pequena quanto um pequeno pedaço de unha do dedão cortada ao chão. Se não sai de dia, sai de madrugada, mas sempre admirada. Ora bonita, ora linda, ora bela, ora maravilhosa, sempre majestosa.
Ela um astro iluminado que “alumia” os caminhos desses pequenos seres iluminados, que Deus criou pra nos fazer companhia, e até quem não pode ver a luz do dia e da lua, por eles são guiados. Talvez são irracionais, mas são entendidos e nos estende as patas, se não agem pela razão, agem pela emoção que também nos emociona. Sempre têm a reação de proximidade correspondida, se essa for uma aproximação amiga, ainda que de rabinho entre as pernas à primeira vista, mas depois se tornam verdadeiros companheiros e amigos verdadeiros.
Se não os gostam, ao menos os deixem, mas não os maltratem.
Fotos: Logo ali nas proximidades - Curral de Dentro/MG, 03/05/2023.
Floresça
03 de maio de 2023
Se os galhos não forem suficientes, usa-se o tronco. Faça como essa graviola, se o ambiente não lhe é cabido, use o espaço que lhe é permitido e permaneça, cresça, floresça ... mas nunca pereça!
Fotos: Quintal de casa – 03/05/2023.
Retalhos
09 de maio de 2023
A natureza é como uma imensa colcha de retalhos. Retalhos de panos coloridos que ela costura com suas cores, formas e tamanhos. O sol que colore as flores, também deixa os espinhos afiados do mandacaru, cristalinos. Refletidos contra sua luz, os deixa feito agulhas de costurar à mão –que tem em cima ou dentro do guarda-louça, de toda dona de casa precavida. Até a cadelinha saltitante, parece ter sido feita de remendos em preto e branco.
Me lembro de minha mãe remendando as calças de meu pai, e também os calção dos moleques levados. Seja porque tinha estima pela calça, seja porque naquele tempo, era usual fazer a coisas durarem mais tempo, não tinha esse consumismo dos dias de hoje. Mesmo porque, o dinheiro era curto, e muita coisa se comprava a retalho (fracionado), como meio quilo de açúcar –embalado ainda em saco de papel. Quem gostasse de um cigarrinho de fumo, e se o trocado estivesse menos que as palhas no bolso, pedia-se a retalho. Ainda tinha direito de fazer um cigarro pra experimentar se o fumo era do “bom”.
As costuras eram feitas em uma máquina de costura Singer, que ficava no quarto de Laura. Quando não estava sendo usada e num descuido de minha mãe, os pequenos a usavam pedalando o pé que movia a roda, imaginando ser uma bicicleta. Os cortes eram marcados com uma carretilha de costura, cujas marcas ficaram vincadas na mesa, registrando o ofício de uma época. Atrás da portinhola de madeira, que dava pra escada, ficava o ferro de passar, sempre ao lado do fole.
Esse quarto também ficava lotado –feito quarto de pensão– em épocas de férias escolares. Vinham as cinco filhas mulheres, além de Melina –e de vez em quando, alguma amiga de ginásio das meninas, pra dormirem tudo nesse quarto. Melina foi uma segunda mãe nossa, e Laura uma espécie de irmã mais velha. Ambas moraram décadas com a gente. Laura gostava de juntar retalhos coloridos e ia confeccionando uma colcha de retalhos, além de fazer um objeto de decoração, feito de triângulos de quatro lados, recortados de papel de caixa de sapato, forrado com retalhos multicoloridos pra se fazer o giramundo (estrela da felicidade), uma arte muito bonita, feita com muito esmero.
Quase sempre, eu gostava de ficar sentado na soleira da porta da despensa que tinha seu piso de terra batida, elevando um pouco mais alto em relação ao piso de tijolos de ladrilhos da cozinha. Esta soleira era um lugar muito proposital de se sentar, pois podia se sentir o cheiro dos biscoitos de seringa, de queijo e de goma passada, guardados em latas que ficavam em cima do jirau. Era um cômodo que exalava muitas essências. Além do cheiro de queijo perfilados na prateleira suspensa na parede –senão os gatos poderiam abocanhar algum. Dava pra se sentir uma espécie de fragrância adocicada, o cheiro das mangas rosas que meu pai punha pra amadurecer dentro do balaio onde era guardado o algodão pra se fazer as puxadas para os candeeiros, e também usado para passar sabão russo ou álcool nos aranhões das “canelas” dos meninos sapecas. Mas não podia pegar, só quando meu pai pegava e descascava com o seu canivete de cabo de chifre. Mas de vez em quando, algumas dessas mangas sumiam misteriosamente, talvez fossem sorrateiramente retiradas e levadas na carreira.
Mas em muitas casas, as esposas remendavam as calças à mão, com os pespontos alinhavados em movimentos contínuos e sem pressa. Muitas vezes com linhas fiadas em rodas de fiar, ou simplesmente em fusos, fiando o algodão confeccionando a linha, pras donas de casa alinhavar os remendos das calças dos maridos que de tanta labuta, ficavam surradas e rasgadas, mas ainda dava pra remendar usar por muito tempo. Alinhavados de manhã, e deixadas pra arrematar mais na parte da tarde, depois que já tivesse ariado as vasilhas do almoço –que fora servido rigorosamente às onze em ponto. Aproveitando esse tempo livre, em que os pequenos estão soltos na xácara, ou correndo com os pés descalços na areia lavada no fundo do rio, que a água vai carreando grão a grão, rio abaixo.
Colcha de retalhos multicoloridos, que vão sendo emendados e alinhavados dia e noite, com pontos precisos e uniformes, onde tudo se casa perfeitamente. O tempo fia e tece sem pressa, na roda da vida que não para de girar e de fiar. E se a calça rasga, e o tempo a desfaz, ficam as lembranças entrelaçadas em nossa linha do tempo.
Fotos: Ao redor de Curral de Dentro/MG, 09/05/2023.
Solitude
24 de maio de 2023
Como disse o pensador Paul Tillich:
"Solitude é um isolamento voluntário. É preciso encontrar beleza no silêncio e na tranquilidade trazida por ele".
E nessa tarde, em meio a andares e olhares, parei para refletir sobre esse substantivo. Nem sempre quando estamos sós, estaremos de fato solitários, principalmente se estivermos contemplando a natureza, sentados sobre uma rocha, sentindo e ouvindo o vento em assopros, fazendo as folhas se tocarem e se cumprimentarem, ouvindo o canto dos pássaros e observando outros, que nos parecem solitários, mas também estão somente num momento de silêncio e calmaria. Podem está à espera de algum alimento ou presa pra levar para seus filhos, e certamente está feliz, sabendo que tem uma família, um lar a te esperar. Ou estão descansando ou simplesmente, também num momento de contemplação, cuidando de sua plumagem.
A natureza é coletiva e interativa, de convivência mútua, onde há muita reciprocidade e harmonia. Mas entre os seres humanos, muitos são subjetivos. Primeiro ele, segundo ele e terceiro ou quarto é que se pensa no seu semelhante. Quando alguns fingem que estão dormindo pra não ceder o lugar no coletivo a um idoso ou uma gestante. Mas também há muitas pessoas que tem a atitude de humanidade e civilidade, tem solicitude e se dispõe a dar seu lugar e ficar em pé, a ficar disfarçando de desentendido.
Em meio aos seres vivos também se pode perceber momentos de solitude. Observando um urubu, sozinho desenhando círculos no ar com seus voos graciosos, em poucos minutos estará rodeado com seus pares, se ele encontrar o jantar da tarde. Deu pra observar aves, borboletas, formigas, plantas e flores, em momentos de individualidade e singularidade. Uma velha árvore somente com seus últimos galhos, mas ainda está solícita e os oferece para as aves fazerem seus ninhos ou se empoleirarem à noite. Então não está sozinha, talvez tenha momentos de solitude. Mesmo uma flor que nos pareça solitária hoje, amanhã estará rodeada de outras tantas que florescerão de suas sementes, que serão espalhadas ao seu redor. Até uma pequena formiga desgarrada de seu bando, certamente tá cumprindo seus afazeres, e logo voltará para junto dos seus.
Um casal de pássaro, que choca seus ovos num ninho pendurado, a cada momento um está recluso, está sozinho no ninho, mas seu par estar por perto a vigiar, e também terá seu momento de reclusão, para sua parceira se alimentar. E deve está pensando, que em poucos dias esse lar estará cheio de cantos e agitação, e o ir e vir dos pais para alimentar sua prole.
Já de volta, com o dia fechando sua cortina, pra dar lugar ao espetáculo noturno, estava a lua, com sua presença e sempre atenciosa e cheia de solicitude, mesmo à distância. A distância e a era dos astros e corpos celestes, não se mede em centímetros, com tic tac’s dos ponteiros, com hodômetros ou paquímetros, mas se conta em milhões de quilômetros ou anos luz, que o tempo guia e conduz. E se uma lágrima brotar, não a refute, mas a permita pela face rolar. Porque serão lágrimas cristalinas, refletindo o brilho da lua, e se o ontem não foi um dia de luz, o amanhã certamente, trará novas centelhas de esperança. E nunca permita que furtem ou ofusquem o brilho que existe em cada ser, estando ele sozinho ou em tribo.
O instinto da tartaruga marinha, a traz de volta em seu lugar onde nasceu muito tempo depois. Agora já como adulta, volta pra desovar. Ela com seu rastejar lento e sozinha –mas certamente não está solitária– porque carrega contigo, o sentimento da fertilidade e maternidade, está trazendo dezenas de ovos que se tornarão pequenos seres vivos. Ela sabe que de seu gesto solitário, trará uma geração de novas tartaruguinhas, que desbravarão a imensidão do oceano.
A solitude às vezes é necessária e também pode ser muito eficaz pra se estudar com tranquilidade. Isso me faz lembrar do ano de 2001, em que eu estava estudando para prestar o concurso da SEE/MG. Nesse período, eu estava morando com meus pais na fazenda Gameleira e estava focado estudando uma espessa apostila. Durante o dia estudava em vários cenários: Sentado à sombra do pé de ficus no terreiro, sentado na calçada da varanda, outra hora sentado no alpendre da área, noutros momentos; sentado na calçadinha que descia pro quintal. Sempre aos sons da natureza. O canto dos joão-de-barro, anuns, cardeais, e quase sempre uma revoada dos estridentes periquitos e até o diálogo entre as galinhas que passavam rumo à moita de bambu que ficava atrás da casa. Essa tranquilidade, com certeza me fazia memorizar as questões estudadas. À noite estudava na mesa da sala à luz do candeeiro ou lampião. A energia elétrica foi instalada na região, pouco tempo depois. Me lembro de uma noite que minha mãe estava conversando alguma coisa comigo, e eu disse a ela:
– Agora não posso dar atenção pra Senhora, senão não consigo memorizar alguns assuntos. E ela me disse:
– Deus ajuda que você passa meu filho! Suas palavras foram providenciais. Fui aprovado nas duas etapas do concurso, e fui nomeado em março 2002.
Um ato solitário de um cientista, entre pesquisas e testes, de muitas noites mal dormidas, ou de finais de semana passados em branco, pra se descobrir um medicamento que aliviará o sofrimento de muitos, num trabalho solitário, mas com o sentimento de dever cumprido. Através da pesquisa adquire conhecimento, que traz decifração, encontra a solução. Mesmo estando ele sozinho em seu laboratório, isso não é solidão é solicitude, porque lhe trará muita satisfação, sabendo que tem outros que dependerão de suas ações, que poderão ter a cura, saindo da clausura e do internamento que causa solidão.
A pior solidão é aquela em que nos encontramos em meio a uma multidão, mas ao tempo nos sentimos sozinhos, por não ver um rosto conhecido, um sorriso ou um cumprimento direcionado a você. Como numa plataforma de metrô entre centenas de rostos e nenhum lhe é familiar ou se permite aproximar.
Mas em cidades do interior se faz da exceção das grandes cidades, a regra para a convivência do dia a dia. Os passos rápidos e compridos das cidades grandes pra se cumprir os horários, se tornam curtos e menos apressados, em proporção das distâncias e da precisão que são diminuídas, aumentando assim os dias e esticando o tempo.
É na solitude, que podemos tomar decisões mais assertivas, menos impensadas e intempestivas. Decisões tomadas a tempo; nunca antes e nem depois, mas tudo a seu tempo.
“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu.” Eclesiastes 3:1
Fotos: Nas proximidades de Curral de Dentro/MG, 24/05/2023.
Álbum de Figurinhas
01 de junho de 2023
A natureza é como uma folha de recorte duma imensa revista de folha única; sem margens, sem páginas, sem pautas, sem bordas nem limites. Sem número de páginas, mas que são foleadas e repaginadas dia após dia, pelo sol e a lua, transformando, mudando pedras de lugar, mutando os seres e recolorindo a paisagem com cores em conformidade com as estações. Folha com linhas invisíveis, onde o “Criador Divino” escreveu e desenhou, encaixando tudo milimetricamente em seu lugar, na mais perfeita harmonia e sintonia.
Imagens sobrepostas distribuídas uniformemente; em alto e baixo relevo, em primeiro plano, e em segundo plano, com reflexo, e ainda, figuras em movimento. A cada dia se pode encontrar uma nova figura para montar nosso “álbum de figurinha”. Álbum que talvez não tenha fim, dada a infinidade de imagens que a natureza nos proporciona, como uma impressora imprimindo a cores e em escala e cinza. Não precisa recarregar, basta uma única tinta, mas que transforma o cenário, em dezenas de centenas de cores. Tinta alcalina e incolor, que cai em gotas milagrosas, fazendo tingir tudo, em cores surpreendentes e inimagináveis. Muitas flores que também serão frutos, que alimentarão pássaros, aves e animais, que residem nesse imenso quintal.
Figuras que vão de um verde intenso, a matizes variadas, ora paisagens monocromáticas. Ora brilhante, com as águas refletindo o brilho do sol, ora degradê ou cinza, com o sol se pondo, ora fluorescente com a lua dando o seu retoque; ora um azul celeste, de um céu infinito, ora branco algodoado com imagens tridimensionais (3D).
Nessa imensa folha, tem paisagens literalmente cor de areia, até onde os olhos alcançarem, que durante o dia é areia escaldante, e à noite, se transforma num cenário cinza opaco, com temperatura abaixo de zero. Assim são os desertos, uma paisagem árida e inóspita, mas ao mesmo tempo linda e intrigante, e ainda pode-se encontrar vida em lugares improváveis aos olhos de nós, seres humanos. Ou uma paisagem de um branco ofuscante de um deserto de sal, que se confunde onde é sal onde é nuvem. Uma paisagem deslumbrante: O Deserto de Sal (Salar de Uyuni) na Bolívia.
Às vezes levamos pra casa figurinhas repetidas, mas se voltarmos no mesmo local em outra data, essa mesma figurinha se tornará exclusiva, visto que o cenário fora retocado pelo pincel da natureza, conduzido pelas mãos de Deus.
Fotos: Ao redor da cidade de Curral de Dentro/MG, 01/06/2023.
Último Dia de Aula
06 de junho de 2023
Como essa semana vai ter feriado estendido, principalmente nos estabelecimentos de ensino, hoje eu fui buscar minha filha na Faculdade em que ela estuda, porque lá, o feriado já começa amanhã. Enquanto eu a aguardava na portaria, do Hospital Veterinário do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, da cidade de Salinas/MG, por ironia, ao lado da portaria, me deparei com um pequeno formigueiro, mas cheio de formigas ligeiras – como se fosse uma cidade em movimento.
Certamente estavam armazenando provisões, para mais uma noite fria que se anuncia. Deu pra se fazer uma analogia e um paralelo, entre esses seres organizados e precavidos, em sua correria, com o mundo dos estudantes. A cada minuto saía um grupo de determinada turma, eufóricos por que seria uma semana de descanso, enquanto na pista ao lado, também acontecia um vai e vem de automóveis, talvez pessoas finalizando mais um dia de trabalho, ou indo buscar seus filhos pra uma viagem agendada, já pra manhã seguinte.
Não importa o lugar, a quantidade, ou o tamanho dos seres, cada um tem sua importância e contribuição para um mundo em constante movimento e transformação. Por vezes ainda são jovens, às vezes pequenos em tamanho, mas suas ações ou pesquisas e experimentos as quais os estudos lhes proporcionam em seu dia a dia, mas que somente surtirão efeito e reconhecimento num amanhã, mas certamente um amanhã promissor, advindo de muitas idas e vindas, pra passar os finais de semana com seus familiares. De muitos “hojes”, ontens e anteontens, de muito estudo e pesquisa, os quais os farão grandes, assim como crescem as pequenas formigas desse formigueiro, com o trabalho incessante e contínuo de pequenos seres, às vezes imperceptíveis, mas que são imprescindíveis.
Fotos: Hospital Veterinário do IFNMG de Salinas/MG - 05/06/2023.
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Roupa Nova.
09 de junho de 2023
No inverno, até as plantas se vestem de roupa nova, pra ficarem mais aconchegantes e ainda mais belas. Após 42 dias, entre dias de sol, e noites de lua nova, crescente e cheia, essas duas plantas já estão com nova roupagem, e suas folhas verdes ganharam novas cores. A Noivinha –que literalmente está vestida de noiva– e o Bico de Papagaio vestido de vermelho (também conhecida entre outros nomes, por Flor do Natal).
Como não podia deixar faltar, vieram as borboletas e abelhas. Uma aranha também fez sua morada entre as folhas antes verdes; agora de um vermelho intenso. Tecendo sua teia –talvez esteja dando os últimos arremates nessa roupa nova– ou está de olho nas pequenas abelhas que sobrevoam as flores, fazendo seu trabalho de polinização. Até uma pequena lagartixa quis posar pra foto; talvez seja um broxe de adereço ou assim como a aranha, estivesse também de olho nas abelhas e borboletas.
Gotas cristalinas de orvalho das madrugadas resfriadas –se transformam em pequenas pedrinhas de brilhante reluzente, quando o sol nasce– dando um retoque a mais na plumagem vermelha aveludada, e o vento balança as folhas brancas, fazendo ondas brancas em movimento, como ondas do mar que se desenrolam brancas e espumantes na areia da praia.
Fotos: Entre 29/04/2023 a 09/06/2023, Quintal de casa – Curral de Dentro/MG.
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Galeria de Arte a Céu Aberto
18 de junho de 2023
A natureza fazendo arte, esculpidas sem pressa pelo tempo, tendo como ferramentas, o sol, a lua a chuva e o vento, ou pelo seres vivos nela existentes. Sendo o tempo o artesão e o escultor, que esculpe delineando e moldando, ainda que demore um tempo.
Sem nenhuma pretensão, transformando velhos pedaços de madeira ou ossos ressequidos em arte rústica. Ora surreal, ora abstrata, ora singela, mas são sempre belas. A arte imitando a vida, que encontramos ou até tropeçamos e às vezes não são notadas ou passam despercebidas. Às vezes a arte é incompreendida e só tem significado para o seu criador, ou praqueles que conseguem ver além da matéria física, onde a imaginação transcende a razão.
Nada neste mundo é eterno e imutável, até as pedras mudam, se transformam ou movem de lugar. Como diz o dito popular: Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. É de tempo que a vida precisa. Tempo de semear, tempo de germinar tempo de nascer, tempo de florescer, até chegar a época do amadurecer e o dia de colher. Tempo do cortar e do mastigar quase sem parar, dias de andares em ondas, do balé das lagartas, pra depois se ter o tempo de enclausurar, pra se enlaçar e “encasular”, pra que venha o tempo da revoada das borboletas.
Tempo de planejar, tempo de iniciar, até chegar à realização, causando instantes de admiração; e a natureza nos proporciona esses instantes a cada momento, todos os dias. E quando findar, outro ciclo irá de recomeçar, visto que a vida é feita de recomeços, entre acertos e desacertos.
Às vezes, é à beira dos caminhos sinuosos da vida, que se pode encontrar um achado inesperado. Causando o despertar duma ideia, sobrevinda de um achado, que para tal, precisou de um tropeço.
Fotos: Das minhas andanças pela natureza.
Tapete de Retalhos
06 de agosto de 2023
O inverno, apesar de deixar as árvores desnudas, produz um belo espetáculo de ser visto. Folhas que vão caindo silenciosamente, dia após dia, numa grande calmaria. Como a dona de casa sentada na soleira da porta da cozinha, em sua pequena casinha –entre o término do almoço e o cair da tarde– cosendo silenciosamente, pequenos retalhos. Ainda que os cômodos sejam pequenos, mas a fé é grande e cabe todos bem “agasaidos”, e é até bom que um esquenta o outro. Emendando e alinhavando pequenos retalhos coloridos, e enquanto conduz a agulha com movimentos precisos, com sua mão cheirando a tempero –mas se há cheiro de tempo, há comida na mesa. Cosendo ao mesmo tempo que observa a galinha com seus pintinhos, se aconchegando debaixo de suas asas. Lembra que já é hora de os porem pra dormir, e voltar pra quebrar o milho com uma pedra, pra fazer a canjica pra eles comerem no outro dia, que logo cedo, sairão saltitantes com sua mãe. Passando pelo carreiro do mangueiro, que leva ao rio. Carreiro que ela passa todos os dias, subindo uma pequena ladeira com o pote d’água na cabeça, e a criança na escadeira –mas na descida, ela o põe no chão, e ele desce na carreira. E alguns desses pintinhos, estarão grandes, e de coxas grossas e saborosas, cobertas por cheiro verde numa panela grande, quando seu marido retornar. O cheiro que permeia pela casa, faz despertar até o gato marisco, que cochilava ronronando, no alpendre da área, se aproximar do fogão. Vem se esgueirando nas pernas do menino do meio, na certeza de ganhar um pedaço, disputando com o cachorrinho de rabinho saliente. O leitão ainda delata a crescer, talvez esteja no ponto pro Natal. Próximo sábado, ela irá no povoado, pra ver se ele mandou notícia, ou se mandou algum trocado, como fora prometido, talvez até dê pra comprar um novo vestido.
Volta e meia, as lembranças do marido vem à tona. No dia de sua partida, ele, Já no terreiro da varanda se despedindo dela –após ter ficado longos minutos abraçado ao menor. A mulher com a voz embargada sem conseguir falar, mas com o olhar lhe disse: Deus o acompanhe! Meio arqueado para dar na altura nos meninos, os abraça junto ao seu peito com o braço direito –já que o outro, estava segurando o nó dum saco branco com uma “malinha” de duratex, pendurada em seu ombro. As lágrimas do filho do meio, molharam o “cós” de sua algibeira que entra outras coisas, tinham alguns trocados na carteira. Tinha também sua certidão de nascimento –já quase dividida em quatro pedaços– a qual seria usada pra expedir sua carteira de identidade e a de trabalho, porque mesmo o serviço sendo braçal, ele iria trabalhar registrado.
Já o maior não. Esse teve que engolir a seco, e conter o choro. Mas sempre que se lembra do pai, seus olhos encharcam, mas logo se recupera e se lembra das palavras que seu pai disse: –Fiquem com Deus. Cuide de sua mãe e dos menores, agora você é o homem da casa. Mas nos finais das tardes de sábado, ele volta a ser a criança que era. Com os tênis meio rasgados jogando bola num campinho temporário que ficava numa área que alagava em tempos de chuva, e noutros meses, se transformava num campinho com uma espécie de gramado, aparado pelos cavalos.
A cada ponto, em que a agulha desliza e cruza o retalho, ela se lembra Daquele que morreu pendurado na Cruz –cuja ilustração, está na folhinha de calendário, também pendurada na parede da varanda– e mesmo em silêncio, roga suas mãos aos céus, agradecendo por mais um dia que vai se findando. Numa rápida ida na cozinha pra “atiçar” o fogo, e passar o olho na criança pequena que dorme calmamente ao lado do fogão, com o gato debaixo do pequeno “catre”. Num canto da cozinha, o feixe de lenha que já está minguando. Trabalho que era do seu marido –mas como ele ganhou o mundo a mais de trinta dias, em busca dum melhor sustento pra família– essa tarefa agora, ficou com os dois filhos mais velhos; entre outros afazeres.
E como um sinal de respostas às suas orações, o vento assopra seus cabelos –onde os fios já meio grisalhos, abre uma brecha– permitindo que ela veja seus filhos descendo o boqueirão com dois feixes de lenha. Ela se apressa pra mornar a água pra eles banharem, porque amanhã cedo, ainda é dia de aula, e a escola fica a três quilômetros de caminhada. Tendo mais a agradecer do que pedir, agradece pelo pouco, que pouco a pouco; se multiplica. Também não pede muito, mas o suficiente, que sua vida seja regada de bênçãos, que não lhes falte o pão de cada dia. Sempre esperançando dias melhores, que seus filhos cresçam saudáveis a cada dia, e com sabedoria. E ainda tem que regar o pé de erva cidreira, que está meio murcho. Porque se à noite o pequeno voltar a tossir, precisa levantar pra fazer-lhe um chá.
Suas ações e atitudes em sincronia, casam perfeitamente com as folhas que caem e se intercalam formando em cada movimento, um objetivo. Quando a colcha estiver pronta, protegerá seus filhos do frio em noites que as folhas caem silenciosas lá fora. Será o presente pra seu marido em seu retorno que também estará trazendo presentes pros pequenos, e um frasco de perfume pra ela. O qual virá em noventa dias. No tempo perfeito pra arar a terra e plantar, visto que já será primavera, e a chuva já molhou o tapete, o transformando em adubo pra nutrir as plantas. Tapete que a natureza “coseu” e bordou –mesmo sem ponto em cruz– mas unindo milhares de folhas secas, num belo tape macio, onde a zelosa mãe codorna, cisca forrageando, com seus pequenos filhotes –ainda de pezinhos de pele sensível– onde as folhas torna o chão macio, pra seres de pés ainda miúdos, de passos curtos e delicados. Mas sua mãe os conduz e os orienta pra não causar “alvoroço”, e despertar o olhar aguçado do gavião que sobrevoa por sobre árvores desfolhadas, ou de alguma jiboia, que por ventura, esteja dormindo por entre esse fofo tapete.
As orações jaculatórias, são à noite na hora de dormir, de manhã ao acordar, e após as refeições. Ela e os pequenos ao redor da mesa. Mas nesse momento, em que ela está a coser, é como se fosse uma conversa, entre ela e Deus. Mas certamente, Ele compreende as suas palavras, ainda que não saiba ler a escrita, mas ler nas entrelinhas da vida e entende os dizeres dos mandamentos Dele, e os cumpre fielmente em sua simplicidade. Não precisando de reverências de pretensos sabedores da escrita, que são bons somente nas palavras, numa espécie de fisiologismo religioso, pressupondo sobrepor à sabedoria dessas pessoas simples, que se reverenciam a Deus seus agradecimentos e bênçãos recebidas, não de coisas materiais, mas principalmente das coisas espirituais. E não se deixam levar por palavras bonitas, mas vãs.
"Ninguém vos engane com palavras vã; porque, por essas coisas, vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência"
(Efésios 5:6)
Fotos: Ao redor da cidade de Curral de Dentro/MG, 06/08/2023.
Tempo Rei
19 de agosto de 2023
O tempo o senhor e mentor de todas as transformações das coisas, dos seres, das plantas, e de tudo que é regido por ele. Se um galho quebra, logo, logo, brota outro, e o que quebrou, servirá de lenha ou se decomporá e adubará outras plantas, dando continuidade ao ciclo contínuo da vida. Assim como se inicia o ciclo de vida duma plantinha que vi à beira d’água, ainda com as” bandinhas” da semente que germinou e já exibe duas folhinhas alegres e ainda rosadas, que com o tempo, ficará verdejantes.
Tempo que enferruja e emperra as dobradiças, trava a fechadura, e cerra uma porta –a deixando “escanchada” já de tábuas frouxas, a ponto de cair. Mas somente se encerra um ciclo, e faz nascer outro. Outras portas se abrirão, se essa não abrir mais. Assim como essa velha cancela já meio “derreada”, que se esbarrou a passagem por ela. Não se sabe quantas vezes ela se abriu, quantas pessoas passaram por ela. Agora encerrou o vai e vem de pessoas, só tem o sinal da velha estrada, certamente por onde passou muitos cavaleiros trazendo mantimentos para vender na feira de domingo na cidade.
Percorrendo a velha estrada, se encontra até frutos que amadureceram e secaram no pé, por não ter muito transito de gente por ela. Pinha e outras frutas, cujos pés, nasceram no meio da estrada que agora é somente um velho carreiro. Percorrendo por ele, encontrei um outro –que até cruzamento tinha– recentemente teve um tráfego intenso, visto que ainda está “varrido”, pelas centenas de patinhas minúsculas e ligeiras, das formigas que transitaram por ele. Um pouco abaixo já num descampado, com lagos e uma orquestra de quero-queros, um vulto em movimento. Um enxame de maribondos de estava usando um galho como quarto de hotel pra esta noite, dando um tempo para pensarem, pra onde irão. Certamente sua morada fora invadida ou destruída, ou simplesmente, estão mudando, como o tempo assim requer.
A natureza é o melhor divã. A gente tem todos os elementos que precisamos para nos acalmar. O vento que assopra suave –fazendo as folhas sussurrarem aos nossos ouvidos– sons que dá pra traduzir em palavras de alento e calmaria, nos dando inspiração e tempo, pra pensarmos, num monólogo mesmo que silencioso ou mentalmente, ouvindo os sons que a natureza e os animais emitem, na intensidade e volume perfeitos.
Fotos: em torno da cidade de Curral de Dentro/MG, 19/08/2023.
Como já disse Gilberto Gil, na música Tempo Rei:
Não me iludo
Tudo permanecerá do jeito que tem sido
Transcorrendo, transformando
Tempo e espaço navegando todos os sentidos[...]
Passos Apressados
21 de agosto de 2023
Hoje o retorno da caminhada teve que ser a passos largos e apressados. Acho que a cadelinha não “tava” entendo nada. Porque ela tinha que dá quase uma dúzia de passos ligeiros, enquanto seu filho maior que ela, dava apenas meia dúzia.
Mas a quase imprudência da pressa, talvez fosse a prudência pra não molharmos, visto que não muito longe dali, raiava trovões, que ecoava por entre algumas nuvens carregadas.
Ao final, a chuva não veio até nós. Mas ainda deu tempo pra enquadrar alguns "flash", onde no mesmo cenário, uniu-se três elementos da natureza: De um lado o sol se pondo agigantado e brilhante, do outro, a chuva que vinha ao longe; e no centro do céu, a lua nova-crescente, ainda mocinha, fazendo desse final de dia, uma tarde bela; ainda que tenha cansado a pequena, mas sempre alegre cadela.
Fotos: Natureza em torno da cidade de Curral de Dentro/MG, 21/08/2023.
Vagueando
30 de agosto de 2023
Hoje os passos puderam ser menos apressados, pra natureza ser melhor apreciada. Após as chuvas que caíram há poucos dias, a natureza e os seres já estão mais alegres.
Formas, cores, cantos e movimentos distintos. Ser vegetal que nos confunde e se parece com um ser animal. Formigas andando calmamente; aves que voam ligeiro, e flores que também floresce ligeiro. Senão a primeira, mas a mais ligeira. “Florzinhas” de beleza efêmera, que antecipadamente, já anunciam que está próxima a primavera. Conhecida popularmente por “Alho-bravo”, após a chuva de cinco dias atrás, seu bulbo –que estava somente aguardando a abençoada chuva– já brotou, cresceu, floresceu e em poucos dias, suas sementes já estarão secas, sendo dispersadas e semeadas pelo vendo, para nascerem no próximo ano. Já outras, são mais calmas e seus frutos crescem e amadurecem sem pressa. A exemplo do umbu, que começa a florescer agora e seus frutos cairão maduros somente em janeiro ou fevereiro.
Os peixes que quase silenciosamente, desenham círculos –que fazem as nuvens paradas no céu, darem um ligeiro rebolado– e vão se desfazendo em pequenas ondas levadas pelo vento, que assopra suavemente, espalhando o perfume adocicado exalado pelas flores dos assa-peixes, se balançando à beira do lago, com as abelhas colhendo esse doce néctar.
O canto fino dos grilos em contraste com o –canto de assopro de flauta– da zabelê, numa capoeira fina que vai se estendendo boqueirão acima, onde outra responde mata adentro, ao seu canto enamorado. Os sapos com seus cantos meio graves, fazem segunda voz, em intervalos cadenciados.
Avião que vai, um bando de aves que vem. Voam seguindo seu líder, que sabiamente e seguramente sabe o caminho –invisíveis aos nossos olhos– mas são carreiros aéreos, assim como o avião que risca o céu e voa ligeiro, nessa tarde de dia lindo, quase findo; já com a lua vindo. Tarde que cai e lua sai. Espiando por detrás dum pé de articum, fruta doce do cerrado, ainda desfolhado, mas logo estará “fulorado”, visto que o chão ao seu redor, já fora molhado.
Fotos: Natureza próximo à cidade de Curral de Dentro/MG, 30/08/2023.
Apreço sem Preço
15 de setembro de 2023
Uma lição que não se aprende em folhas pautadas, mas ensinada no observar de cada folha que cai e brota e rebrota, num ciclo de renovação continuada de renovação contínua, que só se descontinuará, se o ser humano continuar interferindo na natureza, almejando suas incontáveis riquezas e ambições que parece não ter fim.
A natureza parece ser uma riqueza simples, mas é infinitamente imensurável para os que dela dependem. Não se pode precificar, mas sim valorizar, respeitar, contemplar e usufruir de seus elementos de forma sustentável, assim como fazem os animais.
É sempre fiel às estações em que os seres já sabem o tempo certo da floração e da frutificação. Dependente tão somente e exclusivamente, que Deus mande chuva pra que a riqueza brote em alegres brotos onde tudo ao seu redor se alegra. Uma riqueza alheia às variações cambiais, independe se as ações subiram ou desceram, se as criptomoedas desvalorizaram ou não, mas é dependente das ações do homem, ou melhor, da “inação”, pra que a deixe quieta, que não interfira, que não a destrua, que não mude o curso dos rios, ou os assoreie procurando a riqueza efêmera da “febre do ouro”, que não desmate, que não polua o ar, que involuntariamente muda e altera o ciclo das estações.
Já tá mais que provado, que uma árvore em pé é mais rentável que ela derrubada, porque todo ano ela dá seus frutos, e é fonte de renda para os extrativistas. A exemplo do pequizeiro, da castanheira, do umbuzeiro, açaizeiro e tantas outras. Como esse jatobazeiro, em que os frutos amadurecidos ainda não caíram todos ou foram colhidos ou comidos pelos animais, e já está brotando as folhas da nova floração que virá. E ainda que não seja árvore frutífera, fora a riqueza de sua beleza, ela ainda é vital para a sobrevivência e permanência de outras árvores, como na agricultura agroflorestal e ainda, para os seres que dependem dela para se alimentarem, se aninharem se protegerem. E o mais importante, retém as águas das chuvas faz evaporar e chover novamente, o líquido principal para a vida na terra. Purifica o ar, enfim, é uma riqueza que aos olhos dos seres humanos capitalistas, não é vista como renda líquida para liquidar suas ambições, e derruba árvores aos montes, desmontando toda uma cadeia de vida, que levou décadas para se criar.
Por mais que a natureza se regenere, mas com a velocidade e ferocidade com que o homem persegue o lucro a qualquer custo, a natureza há muito já pede socorro. Árvores centenárias que são transformadas em carvão ou em madeira, para embelezar mansões, acabando com a beleza da natureza.
Fotos: Em torno da cidade de Curral de Dentro/MG, 15/09/2023.
Asas da Liberdade
16 de setembro de 2023
Quando Mário Quintana disse:
“Mais bonito do que o canto dos pássaros são seus voos. Nem todo canto é de alegria, mas todo voo é de liberdade”
Ele sempre terá razão no que disse. Os dois são lindos: o de se ver e o de se ouvir. Até o voo do urubu eu acho muito belo e majestoso, denota muita habilidade e segurança. Apesar de serem malvistos, é uma ave de extrema importância para o meio ambiente –apesar de seu mau hálito, mas limpa o habitat de outros animais.
Nessa tarde, eu tive o privilégio além de ouvir o canto de vários pássaros, e em especial do Sabiá; presenciei uma revoada de garças. Sentado à beira de um lago, avistei um bando de aves voando graciosamente num voo gracioso e silencioso. Não sei ao certo se seria Garças ou Irerês. Mas como voavam silenciosamente, possivelmente não era Irerês –conhecido em nossa região por “Ariri”– mas a julgar pelo silêncio, eram outras aves, senão estariam todos com seus cantos de assovios; tampouco eram quero-queros.
Dias atrás, sentado à beira desse mesmo lago, eu tinha avistado um bando de aves, certamente, são as mesmas aves que percorrem essa mesma rota diariamente, vindo dalguma lagoa indo rumo ao local onde empoleiram e passam a noite para voltarem no dia seguinte. Mas nesse dia eu não tive a mesma sorte que hoje, pois o meu celular havia caído e desligou, e quando voltava a ligar, desligava novamente, visto que a bateria havia esgotado.
Como eu faço caminhada quase sempre no mesmo horário, despois de alguns dias, sempre na expectativa de poder avistar novamente aquela procissão de asas em movimento, hoje eu estava no lugar certo e na hora certa.
Fotos: Em torno da cidade de Curral de Dentro/MG, 16/09/2023.
Pequenos Doces Sabores
30 de setembro de 2023
Um sabor e diversos olhares: um (o meu) de olho no fruto; o gato fazendo figa, à espreita de olho na figueira -com seu canto de assovio agudo e estridente- que por sua vez, também “tava” de olho nos frutinhos, que de verde, passam a rosa e rapidamente, se "arroxeiam" e já docinhos, vêm ao chão. Cachinhos de minúsculos frutinhos "ajuntados" agarradinhos uns aos outros, como se cacho de uva fossem, para serem avinhados.
Logo ao lado, um pendão roxo-claro, apesar das flores terem néctar doce às abelhas, mas as folhas são para curar ressaca, caso alguém se exagere no tamanho das taças de vinho. O boldo causa cara feia a princípio, mas depois, os mesmos lábios que ligeiramente se "cerraram" amargos, voltam a sorrir e a brindar novamente a vida com suas cores e sabores.
Fotos: Quintal de casa - 30/09/2023.
Espetáculo a Céu Aberto
30 de setembro de 2023
Neste último dia do mês de setembro, a primavera nos apresenta mais um dia de espetáculo de teatro a céu aberto. Se no mesmo teatro, mas certamente, um espetáculo com um novo cenário, palco e personagens com vestimentas diferentes, visto que a vida é um espetáculo diário, encenado ao abrir das cortinas de cada dia.
Atores protagonizando a peça da vida real: “Natureza em Movimento” –não precisa de ensaios, visto que os personagens já sabem “de cor e salteado” cada um o seu papel. Alguns cantam, outros coaxam, outros rosnam, outros relincham, outros apenas nos encantam com suas cores e movimentos; o que já é magnífico. Eles nos olham com um olhar carismático e ingênuo, e muitas vezes nós os olhamos com olhar de cobiça. Onde nós seres humanos, podemos até sermos meros coadjuvantes –se nos contivermos e não atrapalhar– não interferindo e mudando o cenário, ou querendo pra si, tudo aquilo que ornamenta e dá vida a esse espetáculo.
Então que sejamos apenas expectadores de camarotes à distância, contidos e agradecidos, por não termos que pagar ingresso, num espetáculo regido e dirigido pelas mãos Divina.
Fotos: Natureza próximo à cidade de Curral de Dentro/MG, 30/09/2023.
Entrelinhas
07 de outubro de 2023
Hoje literalmente as garças deram o ar da graça. Num momento inusitado e de sorte, pousaram a poucos metros, e me deixaram aproximar, mas fui cauteloso. Com seus longos pescoços-alvos, não demoraram a me ver e alçaram voo, pintando um belo quadro. Mas uma em especial –talvez até pressentindo um quase “desassossego” meu– num gesto de gentileza, até posou para que eu pudesse fotografá-la.
Talvez não fosse preciso descrever, visto que as imagens já falam por si só. Tudo que eu dissesse, seria redundante e desnecessário face à pintura que se apresenta. Seria necessário preencher dezenas de linhas em folha pautada para ser descrito o que uma única foto já mostra. Certamente não se acharia palavras ou adjetivos suficientes, para se dizer ou fazer deferência à tamanha perfeição.
Decerto faltaria interjeições de admiração, por vezes até de espanto –mas desnecessário, porque os seres da natureza é que temem os humanos– eles simplesmente se defendem, e muitas vezes nós que os caçamos. Entre eles há apenas predação, porque assim Deus os criou, uns como presa, e outros como predadores, mantendo o perfeito equilíbrio da natureza.
Fotos: em torno da cidade de Curral de Dentro/MG, 07/10/2023.
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"Fulorada"
09 de outubro de 2023
Hoje a caminhada rendeu vários frutos; os frutos da primavera. Como a jabuticabeira, que já exibe seus frutos maduros “roxos escuros”, o jatobá e a cagaita –com sua pele sensível. Mas tem outros ainda florescendo ou com seus frutinhos pequenos, como o araçazinho do cerrado, e outras jabuticabeiras, que ainda estão com seus troncos cobertos por minúsculos pontinhos brancos, que não demora, já estarão roxos como os outros.
Certamente o jatobá será o derradeiro, visto que sua floração ainda não começou, mas ainda tem frutos da florada passada. Fruto de polpa felpuda e adocicada, que cola no céu da boca, feito a leite em pó –comido às pressas, para a mãe não perceber o porque da lata de leite do irmão menor, esvaziar tão rápido, na prateleira da despensa. Fruto com sua casca marrom-brilhante –feito a lombo de cavalo alazão, e tão roliço e gordinho quanto.
E num cajueiro ao lado, um condomínio com seus moradores não muito amistosos, agitados talvez, pela cantoria das cigarras, ou na correria dando os últimos retoques na parede externa “caiada” de branco-cinza –feito fogão de casinhas de interior– visto que já é temporada de chuva.
Os mandacarus, com suas flores grandes –com sua aparência de alcachofra– que floresceram em abundância, já sabendo que são muito apreciadas pelas abelhas arapuás, e poucas vingarão em fruto. Apesar de serem pouco “abraçados” dada a sua aparência –de pessoa que gosta de viver apartada– dão segurança àqueles que os procuram como abrigo; como o pássaro, que sabiamente construiu seu ninho sobre os espinhos. Seguramente nenhum predador se arriscará a escalar tronco tão espinhoso. Outro construiu seu ninho num arbusto dentro d´água, a salvo até das formigas.
Novamente os seres nos dando uma aula de sabedoria, de como conviver e sobreviver frente às adversidades e desafios que surgem nos caminhos da vida.
Fotos: Natureza no entorno da cidade de Curral de Dentro/MG - 09/10/2023.
Figurinhas Repetidas
11 de outubro de 2023
Parece até figuras repetidas, mas o tempo, a sincronia e a cronologia como as coisas acontecem e tudo se movimenta, jamais um dia será igual ao outro. Os seres que foram vistos hoje, talvez não tivessem ontem, e os que virão amanhã, eventualmente não estavam hoje, e os que virão depois de amanhã, poderão ser os filhos dos de ontem, ou de outrora. A vida segue seu curso, pode até ser o mesmo local, mas com certeza –a folhinha do calendário pendurado na parede da sala– já fora arrancada a do dia anterior, pra que não se perca o dia do mês, e não atrase a data da prestação do carnê –que está embaixo do forro da última divisória da prateleira da cozinha– pra menino levado não achar e brincar de talão de cheque e “soverter” com o carnê.
O mesmo sol que nasce atrás do coqueiro, por detrás da serra, ou ao abrir duma janela, é o mesmo sol, porém; sempre será outro dia, depende da maneira de como vemos a vida. Mesmo morando no mesmo lugar, indo pro mesmo trabalho todos os dias, nunca será rotina visto que a cada dia aprendemos algo novo, ou convivemos com alguma pessoa que não é costumeiro ou rotineiro de se ver. Ou pisamos numa poça d'água nova, e sujamos a calça repetida –porque chovera na noite anterior.
Não tenha receio de que as pessoas falem que você é repetitivo e sempre fala quase as mesmas coisas, mesmo porque, se a fala é repetitiva, é porque o que pensamos é verdadeiro, a verdade não tem duas versões, será dito sempre a mesma coisa quantas vezes forem perguntadas. Não tenha vergonha de repetir a mesma roupa em seu trabalho, não se compare ao seu colega, cada um sabe da sua verdade e da sua necessidade. Cada um prioriza o que é mais importante pra si.
Não fique calado por não saber se expressar bonito, peça ajuda se necessário for; mas sempre seja claro, enfático e verdadeiro no que diz. Procure sempre se útil, gentil e solícito, mas jamais seja servil ou subserviente. E sempre aprecie, agradeça e aceite com esmero o que lhe for dito, oferecido ou ensinado de bom grado.
Não se deve andar “pisando em ovos” ou de salto alto pra agradar a outrem, porque corremos o risco de ficar com os pés todos sujos, ou torcer o tornozelo, e ficar andando mancando, por tentar andar bonito e de nariz tão empinado a ponto de não enxergar por onde pisa. Ande de chinelo e se sinta à vontade sendo você de verdade. Como já cantava Charlie Brown Jr “Quem é de verdade, sabe quem é de mentira”
Tudo que parece está no mesmo lugar todos os dias, vai chegar o dia que não vai mais estar. Até as pedras rolam e mudam de lugar. Assim são com os seres, a fauna e também com as pessoas.
Assim como na natureza se repete o vai e vem dos seres, e o balançar das folhas do mesmo vento que assopra a milênios.
Então que vivamos lembrando do que foi bom do ontem. Aprendendo com o que eventualmente não fora como desejado, e sempre “esperançando” dias melhores, ou iguais aos que foram bons.
Fotos: Próximo à cidade de Curral de Dentro/MG – 11/10/2023.
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Lição de vida
16 de outubro de 2023
Numa tarde de sábado de sol quente e de claridade intensa devido ao eclipse solar, onde até o cachorro, aproveitava pra se refrescar no lago rodeado por taboa com seus frutos –semelhantes a picolé de chocolate. Nas estacas da cerca, estavam as roupas velhas das cigarras que se trocaram de roupa, pra continuar a cantoria.
Uma cena rara e curiosa pros dias de hoje, me chamou a atenção. Velhas enxadas “ajuntadas” no “terreiro” da cozinha, onde já se descambava para o quintal cheio de árvores frutíferas –quiçá até, algumas plantadas numa cova aberta por um enxadão "livião" que estava junto às enxadas.
Estes instrumentos rudimentares retrata toda uma história de vida. Desgastadas pelo tempo, que as tornaram miúdas e enferrujadas –mas se “amiudaram”– pelo vai e vem covando carpindo, e sendo amoladas, para deslizar suave e não cortar os pés de feijão, que se afloravam e se ajuntavam –cobrindo a terra marrom, num verde claro balançante.
Num tempo em que as famílias eram numerosas. Os filhos quase sempre numa escadinha, no máximo um ano, um ano e meio mais velho que o outro. Convivendo muitas vezes amontoados dormindo dois ou três numa mesma cama, encostados uns aos outros –como essas enxadas amontoadas no terreiro da casa. Agora são quase tão somente como objetos de lembrança, mas foram erguidas dezenas de centenas de vezes. Ora por braços fortes, ora por braços miúdos, mas já se iniciava na lida que mais tarde, lhe serviria como lição pra enfrentar qualquer adversidade e dificuldade que a vida viesse a lhes apresentar, visto que já passara por tempos de trabalho árduo e cansativo, pra quem ainda estava na idade das brincadeiras.
Talvez não tiveram muitas lições nas mesas escolares, visto que algumas raras escolas, ficavam a longas distâncias pra pés pequenos percorrer a terra quente. Pesinhos já de pele “engrossada” pela necessidade, mas também pela correria nos carreiros, para checar se a juriti estava na arapuca armada no mangueiro. Mas as lições de boas maneiras e respeito ao próximo e de dignidade; eram dadas na mesa coletiva da pequena cozinha. A mesma mesa onde se rodeava cinco ou seis pequenos, quase que pendurados, para fazer as refeições, hoje se senta os netos e os bisnetos, num claro sinal, que a vida por mais voltas que se possa dar, por mais difícil e trabalhosa que possa ser a jornada, um dia tudo se ajeita e Deus provê os frutos da luta de uma vida inteira.
Mas como geralmente os filhos eram muitos, para o dia de labuta, e ainda se ajuntava a esses, outros “camaradas”, o dia passava rápido entre muitas gargalhadas, para almoço, café, saborear uma manga mamão, e para os maiores as pausas eram regadas de um bom cigarro de fumo de rolo –esfarelando o fumo em mão de pele grossa e calejada– onde a fumaça forte, obrigava o arapuá a alçar voo do pendão do milho e se assentar noutro lugar. O mesmo canivete que cortava o fumo, retalhava também a grande manga mamão.
Muitas vezes se o almoço fosse levado na roça, eram em pratos coletivos, já lhes ensinando a lição de partilha e de se conviver em harmonia.
Talvez fosse a pedagogia do suor, mas necessária para a sobrevivência e se ter o pão de cada dia. Ainda formou toda uma geração, que por terem vindo duma origem simples não perdeu o caráter e a simplicidade, ainda que muitos moraram em grandes cidades alguns deles retornaram às suas origens. E hoje vivendo num mundo das facilidades tecnológicas, não perderam a simplicidade, que é senão a maior, mas uma das grandes virtudes da vida.
Fotos: Comunidade de Boa Sorte, município de Curral de Dentro/MG – 14/10/2023.
Bem-querer
21 de outubro de 2023
Mandacaru que há 12 dias “fulorou”Agora exibe seus frutos que eras flor
Aquelas que o arapuá não comeu
Vingou e de flor, fruto se tornou
Cresceu, enverdeceu, amarelou
Amadureceu e de tão doce, avermelhou
Mas o pássaro curioso já a avistou.
De verde ficou rosa, ficou formosa
Fazer o quê, se ficou gostosa!
E já madura despertou bem-querer
Bem-te-vi também já viu
Mas pra ele não serviu
Só cantou que: bem que viu, e seguiu.
Um pequenino e veloz pairado no ar
Alguma flor ele está a olhar
Não demora muito ele irá beijar
Não beija fruto, mas com certeza
Beijou enquanto fostes flor
E ainda a polinizou
Muito sábio esse beija-flor.
Muitos pássaros os farão de “dicumê”
E se algum não o avistou, ainda vai ver
E na hora que o ver, capaz de querer
É até bom, que depois de comer
Suas sementes serão espalhadas
E outros mandacarus hão de florescer.
Fotos: Zona rural de Curral de Dentro/MG - 21/10/2023.
Casas e Carreiros
22 de outubro de 2023
Serra do Anastácio. Aos seus pés, sempre foi rodeado de casas, todas de adobe e algumas até centenárias –lugar também onde nasci e vivi boa parte de minha vida– ainda hoje, se vê casinhas de adobe, como que ilustrando no livro da vida, a história de muitas gerações.
Hoje, mesmo com casas modernas, ainda pode se encontrar moradores simples, que ainda mantém suas origens. Pessoas que criaram seus filhos, netos e bisnetos, os banhando –ainda em bacias de alumínio– ou lavando os pés dos pequenos, em suas águas que sempre escorreram por sobre lajedos, lavando as pedras.
Águas que ora desce mais forte, até de corredeira, ora menos; somente um fio d’água, mas sempre brilhou reluzindo lá do alto, seu brilho escorrendo desde a sua “cumeeira”, onde também já residiu pessoas simples –cujos pés, que percorriam os carreiros até cá embaixo– raramente calçavam um chinelo, senão uma simples alpercata de couro cru ou de pneu, mas não por isso, deixavam de sorrir ainda que um sorriso tímido –dada a natureza em que viviam– lá no alto, tendo o privilégio de ver a linha do horizonte que se estendia além dos limites que talvez não chegaram a conhecer.
Fotos: Comunidade de Boa Sorte (Setembro de 2023).
Com o início das chuvas, o cenário muda , a natureza enverdece, colore, floresce e frutos amadurecem. É tempo de alegria, tempo de canto, correria e euforia.
Enquanto os alunos correm pra lá e pra cá no pátio da escola, há também outra correria de outros seres –talvez já acostumados às risadas e gritaria dos adolescentes– cuidam dos seus afazeres. Um casal de periquitos também verdes, se alimentando da polpa doce e amarela dos frutos do coqueiro, que fica ao lado da entrada da escola. Já a andorinha precavida –enquanto a revoada de mariposas não vem– aproveita o tempo, num trabalho conjunto –com seu companheiro, também de terninho preto– “carreando” talos e gramas secas, já preparando o ninho para aumentarem a família.
Fotos: E. E. Veríssimo Teixeira Costa – Curral de Dentro/MG, 27/10/2023.
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Revoada
28 de outubro de 2023
Já vai começar a temporada de caça às tanajuras. Hoje numa caminhada, já encontrei uma; ainda meio solitária. Formigas de bumbuns mais “salientes” que caem do céu –feito pingos de início de chuva grossa– e logo arranca suas asas e já começam a cavar sua futura moradia. Mas que também, se transforma em uma iguaria muito apreciada em várias regiões do Brasil, principalmente pelos indígenas. Formigas que crescem e ficam com seus quadris e uma “ancra” quase tão grandes, como a lua que nascera no céu hoje. Lua grande majestosa de cor alaranjada, de encher os olhos daqueles que a admira, mesmo aqueles já de vista um pouco encurtada.
Me remete ao tempo de infância. Molecada saindo correndo nas estradas, olhando pra cima, pro chão, pros lados e pras beiradas dos barrancos. Num tempo ainda sem garrafas PET’S, enchia-se um vidro azul –embalagem “esvaziada” de leite de magnésio– que sempre meu pai comprava. Após vidros cheios –e com um barulho de engrenagem de relógio de parede– vinha em disparada para o terreiro da cozinha. Era uma festa pras galinhas, uma correria –feito barata tonta– dando uma bicada meio “sacolejante” e não demorava muito já estavam à procura das que também tinham a infelicidade de cair próximo à elas.
Fotos: Natureza em torno da cidade de Curral de Dentro/MG – 28/10/2023.
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Despensa Cheia
06 de novembro de 2023
Enquanto a escola se faz silenciosa entre o turno da manhã e o turno da tarde, a correria das formiguinhas não para. Também silenciosas e de passos milimétricos, mas rápidos; certamente já prevendo dias com chuva, se apressam e aproveitam os dias com sol, e armazenam alimento, enquanto a chuva não vem e a “via” permite trânsito seguro, sem escorregões.
Fotos: E. E. Veríssimo Teixeira Costa – Curral de Dentro/MG, 06/11/2023.
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Recém-nascidos
08 de novembro de 2023
No pátio da escola em meio a correria do dia a dia, uma mãe zelosa fica de olhos bem abertos. Um no movimento, e outro nos filhotes recém-nascidos, no alto dum Flamboyant, que além de colorir o pátio, ainda serve de maternidade pros pequenos que dormem calmamente –ainda de bundinhas de fora– e não demora, suas asas estarão cobertas por penas e também já estarão de roupa nova feito sua mãe.
Quando já quase adultos forem, ensaiarão os primeiros voos por entre as demais árvores que “sombreiam” os bancos circulares, sempre cheios de adolescentes sorridentes, com seus tênis, camisetas e mochilas coloridas, tal qual as flores que caem e colorem o chão, nas manhãs e tardes de sol quente de primavera.
Fotos: E. E. Veríssimo Teixeira Costa – Curral de Dentro/MG, 08/11/2023.
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Aluna Frequente
14 de novembro de 2023
Nos lugares mais improváveis, a natureza pede licença. Alheia ao mundo digital e tecnológico, uma rolinha se aninha e agasalha sobre um retroprojetor –que reflete somente teorias e pedagogia.
No alto no centro da sala, ela se torna o centro das atenções, e ao mesmo tempo, os alunos estão tendo aulas práticas de biologia. Num gesto de consciência ecológica, eles a deixam em paz, para concluir o seu ciclo; gerando vidas e instigando a curiosidade dos estudantes, que muitas vezes, não têm a oportunidade de ver de perto a natureza, como ela é: em cores, cantos, sons e movimentos.
Fotos: E. E. Veríssimo Teixeira Costa – Curral de Dentro/MG, 14/11/2023.
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Sala de Aula sem Paredes
15 de novembro de 2023
Neste feriado de 15 de novembro, os alunos de uma das turmas do 9º Ano da Escola Estadual Veríssimo Teixeira Costa, foram se aventurar numa subida até a cachoeira da Serra do Anastácio, aqui do município de Curral de Dentro/MG. Também tinham outras convidadas com suas filhinhas, que apesar de ainda pequenas, demonstraram muita disposição pra subir e descer os degraus que levam à cachoeira. Os alunos foram acompanhados e monitorados pelas professoras Luciana e Ivanete.
Logo na subida, a professora Luciana, pisou nalguma pedra solta, vindo a torcer o tornozelo, mas coisa leve nem chegou azular –como estava o céu, dum azul claro e sem nenhuma nuvem, onde o sol reinava absoluto– mesmo porque, nossa colega Ivanete, ao chegar na cachoeira, já providenciou uma pomada natural à base de argila fresca, com folhas de alecrim e outra planta meio canforada, que encontrei ali mesmo, resultando numa espécie de pomada natural e muito refrescante. Alecrim, planta do cerrado já acostumada ao sol quente, com suas folhas sabiamente enroladas poupando água, pra quando a chuva chegar, voltar a ficar verdes vicejantes, exalando seu perfume, que o vento espalha pelo ar, como um imenso frasco de desodorante aerossol, espalhando a fragrância refrescante com o ar ainda úmido pela manhã.
Decerto o "remédio" mateiro fora eficaz, visto que logo depois “soverteram” rio acima, explorando o ambiente, enquanto cá ficamos, comendo uma “carninha” assada entre muitos sorrisos dos adolescentes em meio a alguns escorregões –num local seguro– que resultaram num banho providencial. Num desses, mostrando a grande habilidade com que o aluno caído n’água, mas claro, com a mão erguida conseguindo salvar o seu celular, de também levar um banho.
Apesar do sol já bastante quente, já às dez horas da manhã, não bastasse a “quentura” do sol, ainda passei bem próximo dum pé de cansanção todo vistoso, com suas folhas peludas pedindo pra ser tocado –até flores tem, mas não aconselho a cheirá-las– só de passar ao lado, já começou a queimar de leve meu braço. Quando voltei duma procura frustrada à uma caverna em forma de “gruta” que existe nas proximidades, já tinha uma churrasqueira –feita de pedras ajuntadas– com uma grelha, assando uma macia carne e também umas linguicinhas, que também foram divididas com os três cachorrinhos que nos acompanharam ida e volta e também se refrescaram na água que vinha fresca por sobre os lajedos cobertos pela vegetação, onde podia se ver na maior tranquilidade, pequenos moradores de ferrões afiados –mas estavam amigáveis– em suas casinhas redondas. Á água apesar de não muito abundante, devido ao período ainda de poucas chuvas, mas ainda assim, foi uma manhã de muita descontração, principalmente por aqueles que ainda não conheciam a cachoeira.
O passeio além de descontração serviu também, para mostrar e conscientizar os adolescentes, da importância da preservação dos recursos hídricos e da natureza como um todo, os quais se empenharam em catar todo o resíduo, e trazer pra ser destinado a um local adequado.
Sabendo visitar, a natureza sempre estará à disposição daqueles que a contempla, mas também a respeita.
Fotos: Serra do Anastácio, Curral de Dentro/MG – 15/11/2023.
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Mão na Massa
18 de novembro de 2023
Hoje à tardezinha, me encontrei com o senhor João. Morador daqui da cidade de Curral de Dentro/MG, o qual já conheço há mais de vinte anos. Conhecido por “Galego” uma figura muito alegre e conhecida por todos aqui na cidade. Uma pessoa muito carismática e brincalhona; onde chega, já arranca sorrisos. Fui conhecer sua obra –que na verdade se tornou uma obra de arte– a qual ele tem o entendimento que de fato, se tornou uma obra bastante curiosa, e entre muitas gargalhadas vai falando sobre e como fora construído o muro. Durante o caminho, fomos batendo um bom papo. Me disse que nasceu na região da Taboca, município de Taiobeiras/MG, mas que saiu de lá ainda criança.
Brincadeiras à parte, eu admiro muito pessoas assim. Que não se intimidam frente às dificuldades, mas que têm iniciativa e buscam alternativas, usando dos recursos que dispõe e que literalmente põem a mão na massa. Pessoas que escrevem um letreiro em sua “tenda” ou oficina de prestação de serviços: concerta-se com “C”, divulgando seu negócio. Mesmo porque, essas não têm a obrigação ou a preocupação de escrever corretamente, visto que não tiveram a oportunidade de sentarem num banco de escola. Essa obrigação se aplica àqueles que cursaram faculdade, e receberam instrução à altura, mas o que deveria ser a regra, atualmente, está sendo quase a exceção da regra.
Admiro pessoas que frequentaram somente a quarta metade da Educação Básica, sentado num banco coletivo em uma escolinha dum cômodo só, de zona rural, mas que têm sabedoria em dobro, que não se aprende numa apresentação de powerpoint, projetado numa losa interativa. Admiro a “professorinha” de fina cortesia –tanto quanto sua “sandalhinha” rasteira, que vinha andando pela estrada– sempre sorridente, acompanhada dos moleques desdentados –na fase de troca de dentes-de-leite. Pessoas simples que tirava sorrisos daqueles que já pela própria natureza, já têm seus sorrisos acanhados, mas se sentem à vontade, com pessoas que as respeitam e se iguala a eles para ensiná-los. Ter conhecimento pressupõe ter humildade, em entender as dificuldades das pessoas mais simples.
Eu me identifico e tenho muita proximidade à essas pessoas, mesmo porque, cresci em meio a pessoas simples, mesmo não tendo bens materiais, mas tinha o sorriso largo e sempre sendo gratos a Deus, por mais um dia de labuta, que às vezes se resumia além do prato de comida, o pouco dinheiro suado, ganho por um dia de serviço puxado.
Fotos: Curral de Dentro/MG – 18/11/2023.
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Recreio Silencioso
22 de novembro de 2023
Neste dia de paralisação com as escolas de Minas Gerais sem a presença dos alunos, mas lá fora, a natureza não para. Entre o balanço das folhas, o bater de asas das aves e entre uma beliscada e outra, na goiaba madura escondida por entre as folhas, que não escapa do olhar atento da figa –com seu assovio alegre e estridente. Para-se o pedagógico e se ver com mais evidência o ecológico.
Como a escola está sempre de portas abertas à comunidade, recebeu até um visitante ilustre à caça dalguma merenda, fazendo seu recreio particular, todo tranquilo e confiante, mas de olhar atento e ainda com algum receio
Fotos: E. E. Veríssimo Teixeira Costa – Curral de Dentro/MG, 22/11/2023.
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Enquanto na cidade a natureza se revela em bolinhas felpudas coloridas de vermelho, como uma árvore ornamentada, anunciando a chegada do Natal, na natureza também, uma formiguinha solitária, também foi às compras, e volta apressada pra casa, com seu enfeite vermelho –certamente deixando sua casa mais "enfeitada".
O sol quente dos últimos dias, fez as águas evaporarem muito rápido, revelando ossos e evidências de animais que há trintas dias estavam submersos. Animais que beberam dessas águas, mas que já partiram. Mas quando Deus mandar chuva –esses mesmos cavalos que pastam capim e grama ressecada e com pouca água– estarão com água na altura de suas barrigas, que facilmente se "empanturrará" de capim verde e grama fresca à vontade.
Fotos: Em torno da cidade de Curral de Dentro/MG - 30/11/2023.
Arrumação
04 de dezembro de 2023
A tarde de hoje estava um pouco agitada, os pássaros cantando mais alegres, comemorando talvez, a primeira chuva do mês de dezembro desse ano, na tarde do último sábado, cujo vento, fez desabar as paredes dum velho cupinzeiro que servia de moradia para um enxame de abelhas.
Uma cena que nos remete a um cenário de casa abandonada de fazenda. Depois de anos esquecida – sendo habitada apenas por lagartixas que passeiam pelas suas paredes de adobes rachados e "descamisados", denotando sua idade– com o tempo, suas paredes vêm a ruir, mostrando o seu interior desabitado e silencioso. Mas nesse caso aqui, uma moradia muito agitada com centenas de moradores, cuidando da “arrumação” para se mudarem. Talvez para um lugar incerto, ou quem sabe, já foram enviadas operárias para as redondezas, à procura dalgum outro cupinzeiro ou dum tronco de madeira seco, onde possam se instalarem e construírem sua nova moradia. Dentro de poucos dias já estará pronta, com despensa para armazenar o mel, sala de estar, e varanda com a entrada devidamente vigiada, por pequenos, mas ágeis soldados de espada em punho, sempre vigilantes.
Uma das sociedades mais organizadas da natureza. Cada serzinho cumprindo seu papel: Rainha, operárias e zangões, vivendo na mais perfeita harmonia, e ainda nos ajudam gratuitamente, polinizando flores frutíferas. Ainda assim, sem pedir licença, os seres humanos derrubam suas casas e roubam seu mel, que levou meses para ser colhido e armazenado, para alimentar uma família de dezenas de centenas de seres.
Noutra parte, uma pista congestionada de pequenas em tamanho –mas se tornam gigantes de força e vigor. Formigas ligeiras, também aproveitando para encherem sua despensa. Correm apressadas, já pressentindo que o leito do lago que se tornou terreno rachado, logo logo se tornará área pra ser navegada por seres da água.
É a natureza em movimento, se ajeitando e se arrumando. Com seres mutando, se transformando, fazendo da natureza seu lar. Ainda que o vento despenteie o elegante gavião, e alguma galha quebrar e vir ao chão, tudo se agasalha, tudo volta ao seu lugar.
Fotos: em torno da cidade de Curral de Dentro/MG – 04/12/2023.
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Muros da Liberdade
06 de dezembro de 2023
As farpas de hoje, sobre as cercas e muros com obstáculos que dão segurança às escolas, circula atrás deles, toda uma geração em busca de conhecimentos, que os farão mais livres e independentes, sem o cerceamento de suas ideias e expressões artísticas e culturais. Um contraste às imagens que eles veem nos livros de história, onde as “farpas” do passado, eram vistas nos campos de concentração, aprisionando e impedindo o ser humano do seu direito de ir e vir, e também do elementar direito à vida, visto que eram privados de tudo, amontoados em alojamentos insalubres e superlotados, sucumbindo de fome e enfermidades. Mas ainda hoje as farpas ainda aprisionam inocentes em campos de refugiados das guerras de hoje. Se espera que uma dia, sejam usadas somente em muros de escolas e educandários, onde se aprende além das teorias impressas nos livros, lições de civilidade e humanidade.
Fotos: E. E. Verissimo Teixeira Costa - Curral de Dentro/MG, 06/12/2023.
Aquarela
16 de dezembro de 2023
O verde vibrante das folhas e dos frutos –os quais aguardam a chuva para que os colora de amarelo– em consonância com o azul celeste dum céu infinito, com pinceladas de plumas brancas. Qualquer semelhança a um símbolo nacional, seria mera coincidência, se não estivéssemos no país que carrega em sua bandeira, o verde da esperança, que não se pode perder; de que dias melhores virão, antepostos às noites cheias de estrelas, tais quais as que vemos na nossa Bandeira. Cada uma simbolizando um estado, e uma em especial –como se uma estrela d'alva fosse– se destaca no alto, representando a capital, onde se faz, edita, emenda e "reemenda" as leis que regem as instituições das quais dependem os cidadãos. Mas as leis da vida que regem o dia e a noite, que regem a natureza, somente Deus as conduz, e não se edita, não se rasura, e a nós, cabe apenas cumpri-las, ainda que algumas delas nos pareçam "duras".
O mesmo chão duro e rachado de hoje –desenhado polígonos irregulares feito a mapa de estado contendo todos os municípios– quando voltar a chover, se tornará terra mole e fundo submerso de lago transbordando, de água e de vida. A seca às vezes é causada pela evolução da humanidade, que interfere na natureza, ou pelos ciclos naturais que ocorrem de tempos em tempos na natureza, mas da mesma forma, voltará ser um ciclo contínuo com chuvas regulares.
Quando o lago do vizinho estiver “raso” e quase sem água, que sejamos generosos e dividamos a água que tivermos em abundância, senão Deus pode abrir a torneira uns dois dias seguidos e fazer transbordar ou até romper a represa fazendo as águas represadas irem embora sendo distribuídas a todos.
Deus é justo. Que sejamos ao menos razoáveis.
Fotos: Curral de Dentro/MG 16/12/2023.
Brilho no Horizonte
19 de dezembro de 2023
No crepúsculo da tarde, o sol se fez dum brilho intenso e reluzente; dourado cor de ouro. Pra quem vem o ver “detrás” pelo retrovisor, assim como o ano que está ficando pra trás, mas pra quem vai, o ver de frente, como o ano que está por vir. Se pondo entre nuvens carregadas, as quais fizeram derramar o líquido mais precioso do universo –fazendo as folhas murchas e desenxabidas– se enverdecerem e se alegrarem novamente. Uma chuva abençoada e providencial, nesta tarde do décimo nono dia de dezembro, já quase finalizando o ano, com o prenúncio de um 2024 promissor, mais verde, com menos calor, permitindo que todos os botões se desabrochem em flor.
Crédito das fotos: Minha filha - Sabrina na BR 251 em 19/12/2023.
Chove Chuva...
23 de dezembro de 2023
Chuva chovendo acolá, “capaz” que mais tarde chova cá. Uma cortina gigante de cor cinza que se estende do céu ao chão –tornando o horizonte, uma imensa sala de estar. Há poucas léguas daqui, trovão raiando, viajando e ecoando por entre nuvens gigantes, que abaixa o céu, fazendo avião “avoar” escondido.
“Adispois”, “pra cá”, o chão ainda está molhado das chuvas recentes, se não chover hoje, não tardará.
O mesmo lago que há sete dias eu disse:
[...]O mesmo chão duro e rachado de hoje –desenhado polígonos irregulares feito a mapa de estado contendo todos os municípios– quando voltar a chover, se tornará terra mole e fundo submerso de lago transbordando, de água e de vida[...]
E depois de apenas uma semana, o que eu pressupunha se fez. A água novamente ocupando o seu lugar, fazendo capim verde brotar, que aumenta o leite da mãe, pra potrinho mamar e sua fome saciar.
O tempo de Deus é cronológico, preciso, providente, imperativo; assertivo e afirmativo. Enquanto que o dos homens, são apenas suposições e previsões com possibilidades ou probabilidades. Por vezes divergentes ou inconsistentes.
Fotos: Ao redor de Curral de Dentro/MG, 23/12/2023.
Obrigado Ano Velho! Bem Vindo Ano Novo28 de dezembro de 2023
Numa breve caminhada nesta tarde –em que o ano se caminha para o fim– essas talvez, sejam as últimas fotos de 2023 que tirei. São fotos simples e singelas. Mas na simplicidade também se encontra muita beleza, desde que tenhamos tempo e um olhar mais calmo e sossegado. Além de não somente enxergar, mas ver com leveza, as singularidades, dualidades ou complexidades dos seres e plantas. E não precisa ser belo, pra ter sua importância necessária e imprescindível para o equilíbrio e manutenção da natureza.
Os dias passam e não se pode voltar no passado, ainda que seja de glória ou de brilho. Temos que seguir em frente, escalar os degraus de hoje, das escadas que foram construídas no passado, e que nos levam ao andar de cima. Certamente levará por mais anos, até que Deus nos dê saúde para escalá-los, mas chegará o dia, em que teremos que nos contentar a andar somente no andar de baixo, por não conseguirmos mais dar passos largos. Aí que temos que ter o térreo bem cuidado –cuja construção erguida no passado, num ano que também já envelhecera– para que andemos regularmente com cuidado, e não tropeçamos em pisos irregulares. Não se apaga a história, nossas raízes, o que fora nosso alicerce, onde se deu o início; através do qual, foram erguidas as paredes de hoje. Acho que tem uma diferença entre o velho e o obsoleto. Nem tudo que está velho, deve ser apagado, destruído ou ignorado, tem seu valor histórico, ou simbólico e de muita estima.
Encontrei um cupinzeiro com um lado de cara nova, que talvez esteja na metade da reforma, ou simplesmente foi retocado somente a parte que era necessária. Os cupins estão recobrindo sua morada, nos dando uma lição de que devemos fazer aquilo que no momento é mais urgente, é mais premente. O que é mais importante e necessário que se faça no momento, dentro das condições que temos e no decorrer dos dias, possamos completar o todo. Observo muitos moradores de zona rural, quando se constrói uma casa nova, mas deixa a velha ao lado –é coisa material, mas tem valor sentimental. É um sinal de respeito, pois a velha casa é testemunha de uma história de muita luta, mas vencida pra se chegar no conforto de hoje.
Observando um cupinzeiro meio que remendado de barro novo, me lembrei do que está escrito em Mateus 9:16.
"Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, pois o remendo forçará a roupa, tornando pior o rasgo”
Eu entendo então, que se ponha um pano também já usado, que tenha a mesma estrutura e semelhança da calça velha, onde os fios são afins, onde um compreende a fragilidade do outro. Quando não se pode comprar uma calça nova, remenda-se a velha, quem sabe no Natal se compre uma nova. Mas se não puder, é que certamente se comprou “O pão nosso de cada dia”, pra que o Natal fosse de fartura e sorrisos alegres dos pequenos com brinquedos singelos, mas valiosos, pra quem os ganha. Que devamos conviver com nossos semelhantes, que corresponda à nossa realidade de vida, pra que não haja um choque cultural ou social. Que não envergonhemos ao receber visitas numa casa simples, e comer com talheres singelos, em pratos de esmalte. Mas os seres da natureza sabem com qual pano se pode coser, e o remendo se tornar uniforme e não causar dano no tecido velho, como o barro novo colou no cupinzeiro velho, e não rachou.
Talvez não devia se dizer “Adeus ano velho”, ao ano que está findando –talvez melhor que seja dito: muito obrigado ano velho– e vamos festejar o ano que está por vir. Como os cupins, que sabiamente estão reformando sua casa, porque do velho sempre poderá servir de referência para o novo. Do velho teremos lições que foram aprendidas, as quais deverão ser repetidas ou esquecidas.
Feliz Ano Novo a todos!!
Fotos: Em torno da cidade de Curral de Dentro/MG- 28/12/2023.
Anjos de Asas
29 de dezembro de 2023
Florzinhas que nascem sem serem semeadas
Em jardins e à beira de calçadas
Sem que mãos humanas fossem usadas.
Mas certamente, suas sementes
Talvez inocentemente ou inconsciente
Foram ali deixadas aleatoriamente
Por algum anjo de asas, prudente.
Não pedem muito, pois já são agraciadas
Mas se caso tardar a chuva
Carece de uma ou duas regadas.
E. E. Veríssimo Teixeira Costa Curral de Dentro/MG -29/12/2023.
Interrogações
31 de dezembro de 2023
Há momentos em que temos que ser menos pontuais e mais calmos, mais contemplativos, sem levar em consideração os movimentos contínuos dos ponteiros. Que sejamos menos interrogações daquilo que se pressupomos ser o correto. Que sejamos mais exclamações das interjeições de admiração, como a “cadelinha”, que deitada na grama verde e fofa –após uma longa caminhada para o tamanho dela– sem nenhuma interrogação, mas cheia de exclamação em seu olhar que fala com gestos e olhares, de rabinho abanando de alegria verdadeira, como se palavras fossem. Reticências para sermos reticentes, naquilo que tivermos dúvidas, pausar e agir com prudência. Noutros momentos, temos que ser ponto e vírgula, para quando tivermos que tomar decisões e resoluções que envolvam um tempo maior.
E quando tiver que pontuar com ponto, que seja por enquanto, ponto parágrafo, para iniciar um novo ciclo, uma nova história, enquanto não vem o ponto final. Assim como um solitário mourão no meio do lago; o que restou do que um dia fora uma porteira. Agora quase submerso mostrando suas marcas, acompanhando a mudança dos dias e dos tempos. Noutros tempos, decerto, serviu de porteira de extrema para separar uma propriedade de outra, ou de uma manga de pastagem da outra, onde o gado era conduzido por uma estradinha ou carreiro estreito para outro mangueiro, para o manejo do pasto. Agora serve de porto seguro para ponto de observação para garças e martinhos pescadores, ficarem de olhos atentos aos movimentos circulares no espelho d'água, pra depois dá o mergulho certeiro e alçar voo com o seu almoço garantido.
Por ela certamente passou muitas vacas, bois e bezerros saltitantes, que hoje não resta nem a ossada pra contar a história, como uma que estava à beira do lago, disposta em peças –como um quebra-cabeça anatômico para estudo de veterinária. Ossos que foram limpos por animais e urubus que se alimentaram, dum ser que encerrou seu ciclo de vida, e serviu de alimento para outros, como a natureza assim o é. Uma imagem que não é incomum no meio rural, bizarra talvez pra alguns, mas que nos conduz a uma reflexão muito necessária sobre a vida. Quando chega-se o fim de uns, outros nascem, assim como os anos. A vida se renova, renasce e continua com muito esmero, na exatidão do primor do seu “Criador”.
Até manga trouxe pra casa. Encontrei umas mangueiras “imersas” em meio à mata fechada, de difícil acesso –só as encontra, quem sabe desse quase “esconderijo”– mas é até bom, que sobram mais frutas para os pássaros se alimentarem na natureza, que anda meio escassa de frutas nativas.
Caio Fernando Abreu
Fotos: Próximo à cidade de Curral de Dentro/MG – 30/12/2023.
Novos Ares
01 de janeiro de 2024
Primeiro dia do ano com o verde mais verde, o ar mais fresco, assoprando e afrescando o João-de-barro no topo duma árvore com vista privilegiada, "assuntando" os insetos que voam leves, levados pelo vento úmido. Vento silencioso, que desce a ladeira e varre as folhas secas do bambu logo abaixo, que serão levadas pela enxurrada da chuva que vem vindo, anunciada pela dança dos bambus, se encostando uns aos outros, criando uma sinfonia de sons graves e variados, ao cair da tarde, em que a primeira folhinha do calendário também já será jogada ao chão, inaugurando o calendário de 2024.
Fotos: "Ladeira de Conceição" Curral De Dentro/MG - 01/01/2024.
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Trânsito Interditado
02 de janeiro de 2024
Uma estrada que fora aberta por centenas de pezinhos ligeiros, carreando folhas e galhos enormes –por esses seres de força e resiliência– hoje está interditada, a água ocupou o seu lugar. Mas se anteciparam e encheram a sua despensa antes das chuvas virem. Talvez fosse preciso “espiarmos” mais os seres da natureza, eles nos ensinam muito como viver em harmonia. Assim como as formigas, sua estrada ficou intransitável, mas sua morada está no alto, se aquela estrada não dá mais passagem, cria-se uma outra noutra direção.
O rios há milênios sempre correram nos mesmos lugares, sempre lavaram as mesmas pedras, os mesmos carreiros. As cidades que tomaram o lugar do seu leito, impermeabilizando o solo onde a água penetraria até ao lençol freático, mas correm à beira dos meio fios e caem nos córregos, aumentando seu fluxo e consequentemente, provocando as inundações.
Os danos causados pelas chuvas, poderiam ser evitados ou amenizados em boa parte dos casos, se nós seres humanos não invadíssemos as montanhas, não tomássemos o lugar que é do rio, literalmente sufocando a natureza. Cidades planejadas tais como: Brasília, Palmas entre outras, mesmo que planejadas no seu inicio, mas devido a especulação imobiliária e muitas vezes por “vista grossa” do poder público, as cidades foram se expandindo de maneira desordenadas e irregulares, invadindo áreas de mananciais montanhas, ocasionando em grandes tragédias em épocas de chuvas mais intensas.
Depende da boa vontade do poder público em ajudar a população mais carente, a que mais sofre por desastres naturais em época de chuvas. Já foram apresentadas boas ideias de se revitalizar os centros das grandes cidades, onde há dezenas de prédios, com centenas de apartamentos abandonados, que poderiam ser reformados e serem financiados para a população mais carente onde estariam mais próximos de comércio, escolas, hospitais, metrô, enfim; evitaria o crescimento das cidades e também diminuiria o uso de ônibus vindo das periferias para o centro das cidades, diminuindo assim, a poluição do ar. Algumas até efetivamente saíram do papel, mas a demanda é bem maior, que essas pequenas ações.
A chuva é vital para a manutenção da vida na terra. Cabe a nós seres humanos, saber utilizar o solo para morar com segurança, assim como fazem os seres da natureza, com sua sabedoria milenar. Compreender que os animais tem os mesmos ou até mais direitos de estarem aqui, porque antes de nós, eles já estavam aqui, o homem quem invadiu o espaço deles. A humanidade evoluiu nos últimos tempos, –respeitando mais os animais, que em eras passadas– mas ainda precisa evoluir muito mais. Entender e repensar a evolução como necessária, mas sem degradar, devastar, a ponte de algumas vidas dizimar. Às vezes o que é agradável a nós humanos, desagrada a Deus, pois o homem muitas vezes menospreza as outras vidas que Deus pôs no mundo. E sem os seres da natureza, o planeta não sobreviverá.
A importância do homem muitas vezes é meramente capital, a qualquer custo. A dos seres é essencial, fundamental. É Vital, não tem preço.
Fotos: Área rural de Curral de Dentro/MG - 02/01/2024
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As Cores do Rebrotar
03 de janeiro de 2024
Na paisagem árida do cerrado, nem tudo que aparenta cinza e sem vida, está propriamente morto. As plantas sabiamente ficam desfolhadas e despenteadas, poupando energia para quando vier a chuva, voltar a bocejar e alongar seus galhos, agora com folhas verdes, depois de longos quatro meses, ela está de roupa nova, pronta para a nova estação. Um toquinho seco, é o fiel companheiro dessa plantinha –que em tempos de seca, fica da mesma cor dele– pra lhe fazer companhia, já que o mesmo, a acompanha em épocas secas e também de chuva, sempre com sua cor marrom meio empoeirado, mas que fica vistoso, lavado pela chuva, ainda que não mude sua roupa.
Fotos: Próximo de casa – Curral de Dentro/MG.
Rompendo o Tempo
05 de janeiro de 2024
Em meio à dezenas de flores recém desabrochadas colorindo a orla da lagoa, e patos que possivelmente estivessem dando aula aos pequenos –marinheiros de primeira viagem– criou-se um paralelo entre o novo e o que ainda perdura. Um fusquinha da década de 60 –década essa, que a lagoa era farta de água, como também abunda agora, graças a Deus. O arisco tração traseira, numa espécie de rally, andando ligeiro pelo carreiro à beira d’água. Carrinho charmoso de faróis salientes –feito a olhos de sapos alegres– que povoa a lagoa, fazendo serenata nas noites de verão. Vozes graves e agudas numa longa e comprida cantoria, para impressionar uma pretensa parceira, que rompe noite a dentro, até a madrugada fria.
O antigo ainda permanecendo, sendo atração para uma juventude que curte e acha um “barato” curtir a natureza –com um bravo das estradas– que rompe o tempo, como rompe a lama e sobe ladeira, e apesar da idade, ainda mostra sua raça e robustez, resistindo ao tempo que passa lentamente, como o urubu em seu sobrevoo, sem pressa sem afoito, mas que mostra muita firmeza e força, assim como o possante de quatro marchas, que segue roncando e deixando seu rastro na lama fresca desta tarde de clima agradável, dum início de ano chuvoso.
Fotos: Lagoa de Curral de Dentro/MG – 05/01/2024.
Fim de Tarde em Baixo Volume
09 de janeiro de 2024
Hoje o dia foi de calmaria total, dava pra literalmente ouvir o silêncio. Fim de tarde dum dia calmo, até o vento, quase não soprava –dava pra literalmente ouvir o silêncio. O silêncio era tal, que até os passos se tornavam em alto volume, no atrito do tênis com as pequenas pedrinhas soltas que forrava a estradinha que quase não passa ninguém, ou de quando em quando, passa um cavalo contando os passos. Um barulho semelhante a porco mastigando milho –dentro dum cocho com soro de leite, numa tarde de casa de fazenda, onde se fazia queijo– num mastigar frenético, quase numa disputa de aposta, pra ver quem come mais rápido, como se o mundo fosse acabar, e fosse a última refeição. Mas são movidos pelo instinto que ditam suas regras.
O zumbido das abelhas, bem mais comedido, que o coaxar dos sapos e das rãs tagarelas à beira dum pequeno lago abaixo –senão assunto entre as feministas– eram os machos ensaiando um galanteador canto romântico, tentando atrair alguma pretendente, ou literalmente, querendo ganhar no grito. Cantos intercalados ou seguido um após o outro, como num coral –com suas vozes meio roucas, com o timbre que faz lembrar o roqueiro Rod Stewart– com o sol já se escondendo no horizonte, já anunciando uma noite mais calma que o dia.
Até o grande, mas distante avião; riscava o céu quase em silêncio. Traçando duas longínquas linhas paralelas, que iam se desfazendo vagarosamente, como o sol que se escondia, atrás das folhagens verdes, quietas, somente se balançavam com o pulo de alguns grilos, já se aquecendo para o turno da noite.
Fotos: Ao redor da cidade de Curral de Dentro/MG – 09/01/2024
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Redundância Necessária
17 de janeiro de 2024
Quase sempre o que se repete, se diz que é redundante, excessivo, desnecessário ou dispensável. Mas há gestos, elementos ou movimentos, que são repetitivos pela sua natureza, mas ao mesmo tempo, inovador, renovador, encantador. O sol que circunda a terra, nascendo num canto e já se pondo noutro, não redunda, mas renova, rejuvenesce e dá novo brilho e cria um novo cenário a cada dia. Será sempre uma nova fotografia. Assim como a lua que vai de nova à cheia, que se arredonda –se agiganta na proporção de sua beleza– mas não redunda, porque ao redor do mundo, sempre haverá quem a veja como se fosse a primeira vez, e até se encoraja pra fazer uma declaração, não redundante, mas ensaiada, e há muito desejada.
A onda do mar que se desenrola centenas de milhões de vezes na praia, não é repetitiva: ora traz algas, ora traz conchas, ora traz tartarugas –pro seu repetitivo desovar na praia– pra renovar a população desses seres. O mar traz suas ondas juntamente com um brisa que assopra os cabelos, e o pentear se desfaz, e quase sempre traz paz. Redundância que apaga os rastros de quem está começando a dar os primeiros passos –imprimindo ainda como marca d’água– pela leveza do ser. Noutro dia apaga os rastros –mais firmes e evidentes– daqueles que talvez, não mais os deixarão gravados na areia, em virtude da linha do tempo que vai se esvaindo, evidenciando a longa trajetória já percorrida, e que fora traçada desde o nascer. Cada onda que lava a areia da praia, “areia” também os pés aliviando as tensões e preocupações. Cura uma aflição distinta, ou rega com seu final leve e espumante, uma nova ideia de algum sonho ou realização, que dependia dessa calmaria e redundância, para ser despertada.
Há coisas que por prudência não se deve repetir, em virtude da “ardência”. A natureza nos ensina. A exemplo da ortiga, plantinha admirável, mas se tocá-la sem perceber, não repita o gesto, senão a mão até pode adormecer.
As árvores repetem todos os anos sua florada, e outras até se frutificam. Sempre bela e doce, algumas vezes agridoce, mas é uma redundância de abundância, vital e necessária pra que a vida continue e se repita.
Fotos: Em torno da cidade de Curral de Dentro/MG – 17/01/2024.
Curral de Dentro... Curraldentrenses
20 de janeiro de 2024
Pelas estradas e caminhos norte mineiros
Viam-se muitos vaqueiros e tropeiros
Atravessando muitos córregos e carreiros
Abrindo cancelas, colchetes e porteiras
E já se falava dum certo curral por essas beiras.
Um pequeno povoado com minguados moradores
Cujas casas erguidas de pau a pique ou adobes
Construídas no assentado duma colina
Que no inverno, se cobre duma fina neblina
Surge um povoado de entreposto de gado
Uma paragem duma bela vista...lugar privilegiado.
Já te chamaste doutros nomes equivalentes
Camandu e São João do Campo Alegre
E ainda hoje, se ver o sorriso alegre dessa gente
Mas Curral de Dentro, seu nome de batismo
Permanecerá e será para sempre, prevalente.
Não é à toa que seu povo continua alegre
Lugar de clima ameno, dum fácil respirar
Acolhe e abraça quem nela vem morar
O pequeno vilarejo com um curral de outrora
Se tornou uma bela e pacata cidade de agora
Maristela que também és bela, não fica de fora.
A água estampa sua bandeira, não à toa
Visto que tem muitos rios, lagos e lagoas
Ao seu “derredor”, margeia a mais conhecida
Se tiver fôlego, vá de tênis, a volta é comprida
Garças andorinhas e quero-queros, a sobrevoam
Quando se faz noite, sapos seus cantos entoam.
Lugar rodeado de muitas belezas naturais
Lagoa Jabuticaba, da Fortuna e outras mais
Em se plantando tudo dá, pois tem terra boa
E a Serra do Anastácio, lá longe...do alto a coroa.
Seu entorno se veste de verde não só de eucalipto
Mas também de cerrado e mata nativa
Um verde que a deixa mais vistosa e chamativa
Hoje já crescida, de longe dá pra ver
Suas tantas casas, fazem os olhos encher.
Entre seus símbolos urbanos mais antigos
Decerto, fora ponto de encontro dos amigos
Um velho e resiliente coqueiro, senão o primeiro...
Mas certamente, um dos mais velhos
Que perdura até hoje, por derradeiro
Já meio alquebrado pelo tempo e sua idade
Testemunha da história, na praça da cidade.
Curraldentrense....
Gentilício dos presentes e também dos já ausentes
Dos que vieram moraram, a amaram... mas partiram
Mas seus filhos e netos, se mantêm presentes
Quem nasceu no gentil, noutra localidade ou na cidade
Também dos que a abraçaram como sua terra
Vindos como adultos, adolescentes ou tenra idade.
Os precursores dessa jornada não foram esquecidos
Tem praças ou monumentos em seus nomes erguidos
O velho curral de ontem, hoje alargou suas porteiras
Cresceu, hoje é conhecida pra além de suas fronteiras.
Tendo como circunvizinhas de Janela:
Berizal, Águas Vermelhas
Santa Cruz de Salinas e Taiobeiras.
Renilson Alves Pereira
20/01/2024.
Calmaria
01 de fevereiro de 2024
A natureza e seus movimentos
Que nos silenciam por um momento
Pra ouvirmos em silêncio e sem pressa
Os sons que ela emite e expressa.
Marcando o tempo,
Do tempo que dispomos
Não em descompasso,
Mas de passo a passo.
Pra ouvi-la calmamente, na claridade
Do dia que vagarosamente passa,
Apartado um pouco do barulho
Dos alto-falantes da cidade.
Que tocam em altos decibéis
Enquanto na natureza ...
Ouve-se até o chacoalhar
Das folhas sob nossos pés.
Tarde de 01/02/2024.
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Orquestra do Asfalto
03 de fevereiro de 2024
Tarde de sol quente, mas com a terra ainda úmida por baixo da vegetação meio rasteira da chapada calma e silenciosa, com a BR 251, a menos de um quilômetro, rompendo o silêncio. Alheia ao movimento, e cuidando de sua ninhada, uma canarinha choca sossegada no silêncio, distante um pouco da BR, seus quatro ovos, num oco de um tronco duma cerca que circunda uma casinha que fica num vale. Onde além das galinhas e os cachorrinhos passeando alegres no terreiro, ouvia-se o canto dos também alegres, periquitos e figueiras, comendo seriguela. Mais abaixo, o som da água que descia entre as pedras, dum pequeno riacho aos fundos da casa.
Percorrendo a pé, por uma estradinha estreita, com seus barrancos decorados com pequenas pedrinhas de cristal, de pouco trânsito –que de quando em quando cruza um calango com passos não muito ligeiros– chega-se a uma pista de fluxo continuo e acelerado.
Sons que soam como músicas aos nossos ouvidos. “Possantes”, que cortam o ar, assoprando forte o capim à beira da pista, que balançam como cabelos ao vento. Grandes carretas de até oito eixos, com seus 34 pneus rodando no asfalto, imprimindo som e em alto volume –como uma agulha deslizando pelo disco de vinil extraindo das linhas, a música– margeando ou cruzando as intermináveis faixas contínuas e paralelas. Umas descendo para o Sul outras, subindo para o Nordeste, ecoando pista afora – como avião rasgando o céu por entre nuvens– sons prolongados e intermitentes, quebrando o silêncio que se faz na vegetação, onde pequenos pássaros pulam de galho em galho, percorrendo pouca distância por dia com seus pés pequenos, em contraste com as centenas de quilômetros, que os pneus aro ”22“ percorrem, atingindo mais de 120 quilômetros por hora, bailando em curvas sinuosas, mas com motoristas de mãos firmes nos volantes, muitas vezes com saudades dos que ficaram em casa.
Uma orquestra que toca dia após dia, sem parar, que somente vai se calando após à meia noite, mas começando na manhãzinha do dia seguinte, antes do nascer do sol.
Fotos: Numa fazenda próximo à BR 251 –Salinas/MG, 03/02/2024.
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Confetes e Neblina
12 de fevereiro de 2024
Moro
Num país tropical
Abençoado por Deus
E bonito por natureza, mas que beleza
Em fevereiro, em fevereiro
Tem carnaval, tem carnaval[...]
Já disse Jorge Ben Jor na música País Tropical: que em fevereiro tem carnaval. Hoje enquanto aguardava embaixo duma pequena árvore a chuva passar –uma ligeira e repentina chuva fina que caiu feito a confetes e serpentinas– o sol votou a brilhar, pincelando um arco-íris no horizonte, para colorir ainda mais este dia. Uma passarela sem grades nem cancelas, onde os desfiles, às vezes são em pequenos blocos, ou individuais, mas nunca solitários, com alegorias coloridas. Onde os sambas não têm enredo, mas têm seus significados e são cantados, por seres que compõem uma diversa alegoria, cantando com muita alegria. Onde os desfiles não são cronometrados e podem estourar o tempo. Com passistas de passos calmos e voos silenciosos num balé aéreo.
Não muito longe dali, dava pra se ouvir o som dos carros –não dos carros alegóricos, desfilando na avenida– mas dos grandes caminhões e carretas, trafegando na BR 251. No comando, aqueles que não podem estar na avenida no meio dos blocos, mas se sentem agradecidos e honrados, por estarem guiando carretas em blocos –os bitrens e tritrens– transportando mercadorias numa comprida passarela, cumprindo seu ofício, para ganhar o pão de cada dia, e sustentarem suas famílias.
O carnaval tem muitos significados: Passarelas pra uns, trios elétricos na avenida pra outros. De outro lado, BR’s pra outros, cachoeiras e retiros espirituais pra muitos; cada um “samba ” a música que lhe convém, e vai aonde se sinta bem, fazendo o que gosta.
O Brasil sem dúvida, é o país do carnaval, enquanto noutros países, jovens adultos e até crianças, deitados em macas ou leitos hospitalares –talvez até, assistindo pela telas das televisões afixadas nas paredes brancas dos hospitais– os desfiles, estando impossibilitados de ao menos andarem, feridos pelas bombas da intolerância e arrogância. Atrocidades cometidas por líderes ou terroristas, em nome duma causa que não justifica tamanha desumanidade. Mas aqui também não é só carnaval. Às vezes, “Foliões” saem pras ruas furiosos. Em nome dum suposto patriotismo, saem depredando patrimônio público da sua Pátria Amada Brasil.
Que seja um carnaval de paz de integração, convivência e união entre os povos, assim como podemos ver o desfile dos seres, na mais perfeita harmonia ressoando alegria.
Fotos: Em torno da cidade de Curral de Dentro/MG, 12/02/2024.
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Tarefinha de Escola
19 de fevereiro de 2024
As quaresmeiras colorindo a calçada em torno da escola, onde crianças saem eufóricas no final da aula, com suas mochilas, onde trazem lápis de cores, para voltarem no dia seguinte, com a tarefa levada pra casa, cuidadosamente pintada, ainda que as cores ultrapassem os contornos dos desenhos, mas o tempo conduzirá suas mãos, até grafarem traços firmes, desenhando seu futuro.
Fotos: Escola EMEAR - Curral de Dentro/MG, 19/02/2024.
Beco Estreito
02 de março de 2024
Numa pequena rua -aliás, a menos extensa da cidade, onde se percorre duma esquina à outra, dando menos de 60 passos largos- de adultos apressados que muitas vezes, nem olha pros lados. Muitas vezes atiçados pelos latidos dos vira-latas alegres, que por ali transitam, principalmente nas noites quentes de verão, onde a rua se torna ponto de encontro desses alegres "boêmios" da noite.
À beira do muro onde às vezes só se ver entulhos, não há muito o que se olhar, visto que não há muitos atrativos, sendo esse muro, uma lateral de um silencioso e insólito cemitério, onde um solitário girassol, floresce em cores e formosura. Quem o semeou? Não se sabe, decerto sua semente fora ali jogada junto com o entulho, entulho esse, que quando apanhado pela concha da retro, o operador o deixou estar, visto que era uma flor, e suas sementes irão alimentar alguns pássaros que por ali passar.
A natureza nos mostra que pode haver beleza nos lugares mais improváveis, e que nos "rouba" nossa atenção por alguns instantes.
Fotos: Rua Vereador José Dias de Oliveira - Curral de Dentro/MG, 02/03/2024.
Almoço de Domingo
10 de março de 2024
Neste domingo de dia ensolarado, que às vezes o sol se escondia atrás de grandes nuvens "almofadadas" e a vegetação verde e balançante, que estreitava a estrada que passa pela comunidade da Gameleira, o domingo foi de almoço farto, na Fazenda Recanto do Curral, localizada na região da Serra do Anastácio município de Berizal/MG. Passei também pela Fazenda Lagoa Grande -onde encontrei minhas irmãs Ivanete e Leni, juntamente com Tiago- lugares que Já havia se passado uns dez anos, desde a última vez que passei por ali. Um lugar muito bonito, onde sol ia se pondo devagar, enquanto os carneiros pastavam aproveitando o cair da tarde, com a temperatura mais amena. Foi muito bacana retornar a lugares que fizeram parte da minha infância, e relembrar de pessoas e fatos rodeados à mesa do anfitrião "Roberto de Aleixo" e sua generosa esposa "Vania" numa boa tarde de prosa e muitas gargalhadas.
Fotos: Fazenda Gameleira e Fazenda Recando do Curral - 10/03/2024.
Sossego
18 de março de 2024
Há momentos em que a quietude é necessária, às vezes o esperar é paciência, o silêncio é sapiência e o sossego é prudência. Pra que se alcance o objetivo desejado, daquilo que leva tempo pra crescer ou maturar, e não se conseguiria apressadamente ou na correria, atropelando o tempo, que rege o movimento dos seres e dos astros noite e dia. Basta observarmos os seres, os quais nos dão uma lição de saberes.
Fotos: Quintal de casa - 18/03/2024.
Vagando na Noite
21 de março de 2024
Nessa primeira noite de outono –estação que precede o inverno– a noite estava um pouco mais “afrescada”, com os ares assoprando vagarosamente as folhas dos oitis, que em sua maioria, perfilam pelas beiradas das calçadas, fazendo sombra à luz da lua, e das luzes, nas esquinas de Curral de Dentro/MG. Ruas de paralelepípedos com seu piso desnivelado e desarmônico, mas cheio de charme, nos remetendo às cidades históricas, onde os primeiros pavimentos, foram feitos com pedras irregulares talhadas por ferramentas, manuseadas pelas mãos ásperas de pele negra, daqueles que com seu suor, ajudaram enriquecer muitos senhores de engenho. Como foram pavimentadas as ruas das cidades históricas mineiras, e até no caminho da estrada real, por onde tinha o tráfego intenso das mulas carregadas dos “Ouros de Minas”, sendo carregados no lombo desses animais, até ao porto, atravessando o oceano, para serem exibidas nos colares das esposas dos imperadores e monarcas de Portugal.
Noite “calada”, em que o silêncio é rompido por alguns latidos. Uns graves, dos mais velhos, outros mais estridentes –dos adolescentes ainda mudando o tom de voz– “acuando” os gatos que vagueiam pelos muros, se esgueirando entre as sombras da noite. Calmaria inerente às cidades de interior, com a maioria dos moradores se recolhendo mais cedo, dando lugar aos “vagadores” da noite. Onde se pode ver algum cavalo solitário, ou em dueto, ou em grupo, “tinindo” suas ferraduras nas pedras retangulares. São vistos também, vira-latas literalmente revirando as latas de lixo, ou grupo de solteiros cortejando uma fêmea no cio, ou ainda, atiçando algum boêmio, que perdera a hora de chegar em casa. Por vezes, um som ecoante rasga a noite. O ronco dos motores das motos dos “ligeiros” entregadores de pizza, tornado as noites dos adolescentes mais prazerosas, daqueles que assistem séries na TV, esticando as noites e diminuindo as horas de sono, mas que contam com as mães, para acordá-los na manhã seguinte, caso o despertador do celular pise na bola com eles, e se atrasem para mais um dia de aula de artes e de história da vida real.
Fotos: Ruas de Curral de Dentro/MG, 20/03/2024.
Estações
25 de março de 2024
A natureza segue fiel o calendário das estações, se o ser humano não interferir, os frutos virão. Uns são de primavera, outros de outono, outros de inverno, e outros de verão. Não muito longe da cidade, se pode encontrar muitos frutos do cerrado, até um pé de baunilha - que segue calmo e silenciosamente- crescendo verde e vistoso, envolto a uma árvore, que lhe serve de sombra e suporte para florescer.
Onde muitos veem somente "mato", existem muitas vidas que sobrevivem dos frutos que a floresta oferece aos seres que nela vivem. Uns se alimentam de folhas, outros de frutos e tantos outros de pequenas sementes, e ainda aqueles que fazem daqueles que se alimentam de sementes, o seu jantar. É a cadeia da sobrevivência entre os seres, que seguem sua vida em harmonia.
Muitas vezes a causa da escassez, é consequência do descaso do homem com as leis naturais que regem os ciclos da natureza. Pela sua ignorância, arrogância ou ambição, causa destruição e extinção.
Fotos: Em torno da cidade de Curral de Dentro/MG - 25/03/2024.
Senhor Mandacaru
28 de março de 2024
Mandacaru, árvore imponente e resiliente de muitas “eras”, e tem altura duma casa alta de fazenda, com mais de um pavimento e com muitas janelas. Seguramente, já viveu mais de quarenta primaveras; quem dera, viessem outras tantas, é só o deixarem lá, que outras ainda virão, e ele estará fincado nesse mesmo chão, rodeado por outros que ainda virão. Certamente já passou por muitos dias de farturas e também de escassez, daí a sua robustez, sabendo guardar água nos tempos de fatura, pra usá-la nos tempos de carência e “penúria”.
Sua copa só pode ser avistada de longe, como mãos erguidas na multidão, onde a vegetação lhe dá proteção, visto que fica escondido e protegido, difícil de ser avistado e eventualmente ser cobiçado e retirado.
Ao seu redor, outros menores crescem sob a proteção do seu genitor. No balançar das folhas durante o dia, e no silêncio das noites mornas ou resfriadas, simbolizando uma grande família, que permanece unida, vivendo em harmonia e união. Quinta-Feira Santa dia de paz, oração, gratidão e reflexão. Muitas graças não foram atendidas: Seja porque não é chegado a hora ou o tempo, ou por falta de merecimento, ou ainda, por um livramento, porque as coisas de Deus têm seu tempo.
Fotos: Natureza ao redor da cidade de Curral de Dentro/MG, 28/03/2024.
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Hipocrisia das Etiquetas
29 de março de 2024
Observando o céu nesta manhã, o qual estava com imensas nuvens brancas onde se destacava o terno preto dos urubus com seus voos graciosos e cheios de manobras. Por ironia, um deles estava pousado numa torre de sinal de INTERNET. Uma espécie de olheiro, vasculhando a região, com sua capacidade se comunicar à distância. Nos tempos de wi-fi, eles estão milênios à frente da evolução humana. Uma ave que muitos têm aversão e repulsa, mas é uma ave de extrema importância –toda criação de Deus tem sua importância e propósito– como agentes de profilaxia e limpeza de animais mortos. Sem eles, a carne em decomposição exposta na natureza, poderia ocasionar em propagação de vetores de infecções ou doenças. Da mesma forma a imprescindível importância dos garis, que deixam limpas as calçadas das casas chiques, o que sem eles, ficariam às moscas e baratas. Somos todos gratos à essas pessoas, que mesmo usando roupas “baratas” recolhem o lixo que o luxo produz. Os bombeiros que descem numa cisterna pra resgatar um corpo que já está em estado avançado de decomposição. De semelhante importância, também os médicos legistas que fazem autópsia desses corpos. Não se pode ter aversão ou ignorar aquilo, ou quem, que mesmo exercendo uma profissão que muitos não teriam a coragem de estar no lugar deles, o fazem por amor a uma causa, ajudando até lhe salvar a vida.
O ser humano, sempre teve aversão ao que não lhe aparente belo, ou aquilo que já está usado ou está fora de moda, até mesmo um pouco de distanciamento, e de até ignorar pessoas idosas. A história da humanidade, está cheia de mártires, que de chinelas nos pés ou até descalços, fizeram grandes feitos, mas não foram reconhecidos ou respeitados de fato. Até mesmo aquele que andou pelo mundo pregando o evangelho, com suas vestimentas simples, mas cheio de sabedoria divina, com feitos de cura e milagres, não fora compreendido, por chamar a atenção, e se tornar mais importante e ser aclamado pelas suas ações de humanidade e tornar mais notório que aqueles que se julgam superiores a outrem. Por isso mesmo, fora perseguido e finalmente morto. Em detrimento da perda de poder de alguns, que querem o poder a qualquer custo, muitas vidas são sacrificadas.
Admiro as pessoas que rompem com esses paradigmas de aparências e até mesmo ostentações dissimuladas. Pessoas que mesmo com seus carros simples ou antigos –mas com o IPVA quitado– comparecem à uma festa de bacana, num local cheio de ostentação e carros importados. No olhar de muitos, não lhe seria cabido está ali, mas a importância não é o carro –mas sim a importância que ele tem para o anfitrião que lhe convidara– e sentirá honrado com sua presença. Admiro as “professorinhas” de sandálias rasteirinha, e de roupas mais simples, em contraste àquelas de perfume caro e importado, com suas roupas de etiquetas. Mas o que há de reparar, talvez seria a dedicação e capacidade de fato de ensinar –mesmo recebendo um salário aquém do seu merecimento– e não na maneira de ser apresentar. Acho descabido e desnecessário, um elogio quando a pessoa está de roupa nova, sendo que quando estiver com a roupa que se repete em dias alternados, é elogiada às escondidas, mas sob crítica, não elogio.
Mas enfim, faz parte da humanidade desde os primórdios. Que neste dia de hoje, façamos uma reflexão sobre nossas atitudes, e peçamos a Deus discernimento e entendimento, para compreender e conviver com tanta diversidade e incompreensão.
Fotos: Curral de Dentro/MG, 29/03/2024.
Faixas Paralelas Multicores
05 de abril de 2024
As faixas contínuas e paralelas do asfalto, que vêm se aproximando em alta velocidade, se confunde com as linhas coloridas –como se a pista se elevasse às nuvens– com faixas traçadas no horizonte, que são pintadas devagar e são de beleza efêmera e de pouca duração pra admiração. Mesmo não sendo contínuas, e se desfazendo com o cessar da chuva fina, o sol sempre continuará a pintá-las, assim que o céu for respingado novamente, por gotas cristalinas, anunciando que as nuvens derramarão chuva pra irrigar esse chão, e fazer deslizar apressado, os limpadores de para-brisa dos caminhões.
É a natureza nos presenteando e apresentando em cores e movimentos, tornando os nossos dias mais admiráveis, continuando o show da vida.
Fotos: BR 251 - 05/04/2024.
A Leveza dos Seres
10 de abril de 2024
Depois de uma providencial chuva da tarde anterior, ficaram impressos os rastros na areia, revelando a leveza dos passos de pequenos pássaros que por ali passaram. A areia fina que também é de grãos de fina leveza, é levada pela enxurrada, que desce pelos carreiros de não grande correnteza, mas que se juntando às outras, forma rios de corredeira. Desce lajedos e esconde até debaixo das fendas das pedras –não que esteja acanhado, mas decerto um pouco avexado e apressado– pela chuva que o fez crescer. Desce ladeira, despenca da ribanceira, criando cachoeira, mas suas águas voltam a ficar calma e serena, para alcançar o mar, não antes do escurecer, mas depois de outros tantos amanheceres.
E quando a distância vencer, se alarga ao encontro do grandioso oceano, trazendo consigo, os pequenos grãos de areia, que se juntará à que lá já está. Um encontro não fortuito, mas esperado e fecundo há de acontecer. O oceano o abraça em ondas, essas águas que desembocam na praia, e o faz crescer como tem que ser. Tornando a água doce em uma imensidão de água salgada, que faz a vida prosperar em abundância de plantas e alimentos. Alimentando toda uma cadeia de vida, inclusive o homem; que irresponsavelmente, imprudentemente e inadvertidamente –não agradecendo a oferta que mar lhe dá– devolve poluição e sujeira a um estuário de vida. E não satisfeito, após encherem seus barcos, jogam as velhas redes que ficam à deriva sufocando e mutilando tartarugas e baleias.
Que ao invés de sofás, à beira dos rios, que encontremos pedras e rochas, para sentarmos e contemplarmos a natureza.
Que um dia, os rios não empurrem tanta sujeira, jogados à sua beira, mas que carreiem somente grãos de areia, a mesma areia que serve de –banho de bacia– pros pássaros que limpam suas penas, onde deixaram seus rastros, na areia alva, fina e fria, numa tarde de calmaria.
Fotos: Natureza em torno da cidade de Curral de Dentro/MG, 10/04/2024.
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Doce Fruto
13 de abril de 2024
Dos
garranchos aos brotos
Dos brotos às folhas
Das folhas às flores
Das flores às abelhas
Das abelhas aos frutos
Dos frutos ao oferecimento
Do oferecimento à colheita
Da colheita o agradecimento
Do que Deus nos dá gratuitamente.
Após seis meses, as estações mudando,
Criando, colorindo, pincelando,
Moldando e modelando a paisagem
Fazendo vir os brotos, folhas, botões e flores
Trazendo cores, cheiros e sabores.
Fotos: De 04/10/2023 a 13/04/2024.
Alvo Despretensioso
13 de abril de 2024
Um ligeiro avião cruzando o céu como se uma flecha fosse, numa tarde de céu de tom suave e com a lua já mostrando seu brilho. Um verdadeiro teatro a céu aberto, como uma peça teatral num palco ao ar livre. E se fosse, seria épica, talvez não Romeu e Julieta, mas quem sabe, um flerte de um cupido dos ares, atirando sua flecha não a esmo, mas com destino certeiro. Mas por ainda ser uma lua nova –ainda uma “menina ”– não a acertou em cheio, como seria, se lua cheia já fostes, com seu brilho fluorescente e encantador.
Mas certamente, esta "flecha" seguiu seu destino e pousou em segurança, cumprindo sua trajetória, levando em seu interior, personagens ansiosos pra encontrar quem os aguardava em terra firme.
E uma corujinha, também ainda “mocinha”, aguarda tranquilamente a noite cair, pra sair à caça, não de um par, mas de seu jantar.
Fotos: Tarde de 13/04/2024.
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Aconchego
19 de abril de 2024
Nesta tarde, andando pelas mesmas estradinhas de sempre, avistei alguns cipós envoltos em torno das árvores, num abraço envolvente. Elementos que se entrelaçam, abraçam e se agasalham; deu até pra desenrolar e esticar um pensamento nostálgico.
Num lar, num lugar de poucas hectares e de pouca “lonjura” da cidade, cujo rádio em cima do guarda-louça, sintoniza a pequena rádio AM da cidade, até às 18:59 horas, porque às 19:00 horas em ponto, começa a voz do Brasil. Um cipó que envolve e amarra o feixe de lenha –cortado pelo marido, ainda no roçado– e “trazido” no ombro. Cuidadosamente cortado na medida do fogão, e despejado num canto da cozinha. Cujo cipó será aproveitado pra amarrar os garranchos no dia seguinte, visto que será sábado, dia de varrer o terreiro em volta da casa.
Já no final do dia com o sol se abaixando devagar –como que dando tempo pra que ele, com sua machadada forte e certeira, termine a tempo de chegar em casa ainda de dia turvo– pra dar tempo de tomar um rápido banho no rio de águas calmas, que corre silencioso nos fundos da casa, onde sua esposa já fora buscar água pra encher os potes, pro almoço do dia seguinte. Que certamente, terá frango caipira –levantando fervura em fogo alto, pra cozinhar ligeiro– fazendo o cheiro do bom tempero, viajar por entre as telhas enfumaçadas, atiçando o gato a se aproximar antes da hora.
Após desfeitos o nós do cipó, todos se aconchegam ao redor do fogão, estreitando os laços familiares, para saborear a batata doce retirada das cinzas e esfriadas a sopros fortes das crianças. Mais forte que o cheiro da fumaça impregnada nos cabelos é o abraço que sua mãe lhes dá como benção de boa noite dos pequenos, puxando a coberta para cobrir direito, os rostinhos ainda rosados, da quentura do fogão. Onde um lençol dá pra dois –porque o ainda pequeno de um ano e meio– dorme no catre do casal, no quarto ao lado, onde a claridade do candeeiro, atravessa o vão da parede que não acabou de chegar até ao telhado.
Os dois corredores de cabelos esvoaçantes, chegaram mais cedo da escola, neste dezenove de abril, visto que era comemoração do “Dia do Índio” brincando de arco e flecha pela estrada. E uma casa de pequenos, mas nervosos marimbondos, os fizeram apressar a carreira pela estreita estrada, que descendo uma ladeira toda coberta de pedrinhas, que ligeiramente são guardadas algumas nos bolsos –ainda com migalhas das bolachas ganhas no recreio da escola– pra caçada à estilingue, na tarde de sábado.
O que importa não é a duração da aliança, não muito dourada, comprada do mascate, mas o tempo duradouro da aliança feita entre os dois, e que dure até virem os netos e até bisnetos. Enlace matrimonial, tratado e firmado pela palavra do ainda rapaz, com a aliança de noivado, entrelaçada no dedo da amada, numa noite de lua crescente, assim como crescem os filhos do casal.
Fotos: Numa breve caminhada nos arredores de Curral de Dentro/MG, na tarde de sexta-feira, 19/04/2024.
Voltando às Origens
21 de abril de 2024
Um lugar não muito distante da cidade, mas que me fez viajar no tempo. Foi um percurso de pouca distância, de estradas cercadas de muito verde, mas uma viagem cronológica, de muitas décadas de boas lembranças e sorrisos fáceis de pessoas que ainda hoje, vivem nesta localidade. Os precursores, desbravadores e pioneiros, não mais estão, mas seus filhos, netos e bisnetos ainda contam as histórias que por eles foram contadas, principalmente, do nosso contador de histórias infantis, o saudoso Senhor Lero, que além de “cumpadre” de meu pai, fora um meeiro de muita confiança de meu pai, nas décadas de 60 a 80, vindo a falecer antes dos 70 anos, mas deixou um legado duma família de muito respeito, cujos filhos moram até hoje na comunidade da Gameleira. Em noites que a lua clareava os carreiros, íamos todos para a casa do Senhor “Lero” –quando ele não estava muito cansado da lida– pra ouvir as suas histórias de Pedro Malazart e tantas outras, cheias de magia e encantamentos, que eram narradas com muito realismo e cheias de expressões corporais de um verdadeiro ator. Todos e principalmente as crianças, ficavam encantadas, contemplando todas essas histórias, que de certa forma, alimentava o imaginário e as vivências pueris daqueles meninos.
Mas o destino seria noutra fazenda um pouco mais à frente, onde o anfitrião o Senhor “Viana” –outro autêntico contador de histórias– nos aguardava. Morador desta fazenda, mas agora já com outro nome, desde a década de 1980, quando fora adquirida pelos Senhor Alnir Costa, comprada do meu Tio “Nenzim Pereira”. Entre os moradores, estavam outras pessoas, entre elas: Minhas irmãs Lucília, Leni e Ivanete, juntamente com meu sobrinho Ilton(Tim). Esse último, fora criado nesta fazenda, durante toda sua primeira infância, e também tinha muitas lembranças deste lugar. Mas os fatos narrados pelo Senhor Viana, eram fatos reais, acontecidos não há muito tempo. Após o almoço, por alguns breves longos minutos, deixei a sala de prosas – que aliás tinham muitos assuntos que uma tarde só, seria curta pra tantos causos– não daria pra contar tantas passagens e lembranças vividas neste lugar.
As lembranças involuntariamente me fizeram dirigir a um lugar que me remeteria há mais de cinquenta anos no tempo. Descendo uma ladeira de pouca inclinação, onde se via uma plantação de feijão, perfilados em pés verdejantes e abundantes de folhas, certamente já com o início da floração e que certamente será uma colheita farta, visto que o clima está propício e lá na Serra do Anastácio, se desenhava uma cortina duma chuva fina, que cujas águas, escorrem pelos lajedos e carreiros, aumentando o fluxo d’água do Rio do Saco de Dentro. Nome pelo qual este lugar ficou conhecido no tempo que meus avós paternos, os quais eram proprietários de uma fazenda neste lugar. Uma família de rolinhas sentadas no arame da cerca, talvez pudesse ser testemunha das lembranças que estavam vindo na minha memória nesta hora, com lembranças de outrora.
Certamente as águas que corriam silenciosamente por baixo da ponte, carreando pequenos grãos de areia e fazendo curva emitindo em baixo volume, música pra acalmar qualquer pensamento mais aflito, e seguindo rumo ao rio Itaberaba, já na comunidade do Umbuzeiro, são águas novas, que se renovam a cada brotar da sua nascente. Aliás, nessa época, uma faixa de mata ainda intocada, que ficava preservada no meio da manga de capim colonial, era chamada de “Mato Preto”, onde se encontra muitos pés de umbu. As águas de hoje, não eram as mesmas de cinquenta anos atrás, mas o vento que assoprava as folhas das árvores à beira do córrego, era como um mensageiro do tempo, que trazia as lembranças dum tempo de infância.
Sentado embaixo da ponte, cujas tábuas, também não são as mesmas, mas as lembranças são. Em uma tarde de domingo –eu com cinco ou seis anos de idade, não me lembro ao certo– meus pais me deixaram com minha avó (Dona Emília), pra fazer uma viagem a um lugarejo chamado Berizal. E enquanto o som dos cascos dos cavalos, iam se esvaindo por entre a poeira meio avermelhada na ladeira que dava rumo a esse lugarejo, o menino já começava a se entristecer com saudades de sua casa. E num piscar de olhos, fora encontrado por um senhor moreno de nome “João Meia Noite”, montado em uma mula preta, já na ponte sobre o rio do Saco de Dentro. E indagado pelo cavaleiro, ele disse que estava indo embora. Mas o cavaleiro, vendo que o minúsculo menino estava perdido, puxou-o pelo braço, sem precisar apear de sua mula, o pôs no cabeçote da sela, e o levou de volta para a sua avó, que já estava muito preocupada, procurando por ele. O cavaleiro entregou o menino, que antes de tomar um café com bolo de puba, havia ganhado umas palmadas, para nunca mais se aventurar sozinho por essas estradas.
Como a vida continua movida pelos ponteiros que não param de girar –assim como um grande relógio redondo de longos ponteiros, movidos por uma pilha grande, que durante muitos anos, marcou o tempo de toda uma vida– pendurado na parede da casa em que nascemos na Fazenda Gameleira. Enquanto aguardava na cancela, minhas irmãs retornarem da visita à esta casa, recebemos a notícia do falecimento de um conhecido nosso, que também fizera parte do meu universo infantil, o Sr. Amadeus, filho do Saudoso Roseno da Rocha Moreira, que morou na Fazenda Boa Sorte.
É o tempo, que nos permite percorrer as estradas da vida, viajando nas recordações, rompendo as barreiras do tempo, relembrando os sons, imagens e personagens, que um dia; esse mesmo tempo, nos interromperá de lembrar. Então que lembramos, reencontramos e revivamos, enquanto há tempo.
Fotos: Comunidade da Gameleira e “Saco de Dentro”, 21/04/2024.
https://www.youtube.com/watch?v=IzvIAipiUWg
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Hora do Recreio
03 de maio de 2024
O vai e vem dos adolescentes subindo e descendo os pouco mais de 50 metros, da rampa em declive suave, da escada da Escola Estadual Veríssimo Teixeira Costa, com suas mochilas cheia de informações, carregando consigo além dos sorrisos fáceis, seus ideais de vida. Fluxo semelhante à saída dum estádio de futebol em dia de final de campeonato, ou escada rolante de shopping center em dia de estreia de filme e sala de cinema lotada.
Um fluxo contínuo, que só para nos feriados e finais de semana. Enquanto que na árvore do pátio ao lado, o vai e vem das formigas também cheia de saberes –que também descem carregando um peso bem maior que os alunos em proporção ao seu tamanho– continua, mesmo nos dias silenciosos. Apesar de não ter degraus –porque foi construída pensando na acessibilidade e garantia do acesso dos alunos especiais à escola– dia após dia, eles sobem escalando os degraus do aprendizado, o que lhes proporcionará uma ascensão nalguma carreira profissional no futuro. Rampa que vai se elevando gradativamente, assim como as séries e os anos de escolaridade, até alcançar a educação básica, o que é de fato a base para a vida profissional dos jovens, que na descida, se mostram mais eufóricos, que na subida, seja descendo pro recreio, ou no último horário duma sexta-feira, já se antecipando a alegria do final de semana que se inicia.
Fotos: E. E. Veríssimo Teixeira Costa - Curral de Dentro/MG, 03/05/2024.
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Noite em Silêncio
06 de maio de 2024
Enquanto a noite se alongava em demorados minutos, recostado numa poltrona num quarto do hospital Santo Antônio, fazendo companhia pra meu filho –mas nada de muito grave, transcorreu tudo bem graças a Deus– resolvi dá uma volta pra alongar as pernas em volta da Igreja Matriz.
Com a calmaria da noite que vai se adentrando sem pressa pela madrugada adentro, as luzes alcançam sua torre, e a faz destacar em primeiro plano, com o fundo preto do céu noturno. O brilho dos refletores, também faz reluzir, a estátua do Frei Jucundiano, fazendo sombra, tal qual a que o sol fizera ao meio dia e pouco. Ainda era uma faixa estreita de sombra, mas já proporcionava conforto ao cachorro que descansava tranquilamente no final da manhã desta segunda-feira, que agora já se faz noite.
Fotos: Praça da Matriz - Taiobeiras/MG, 06/05/2024.
Instinto Materno
12 de maio de 2024
Neste fim de tarde numa “andadinha” rápida para respirar ar puro, e não podia ir muito longe, visto que os dias agora no outono, o sol está mais “avexado” e se põe mais cedo. Tempo em que era preciso os candeeiros serem acesos mais cedo –semelhantemente às luzes da minha rua– que hoje, os sensores de luminosidade as fizeram acender já às 17:40 hrs, o que no verão, só se acenderiam uma hora depois.
No percurso após uma hora de corridas eufórica da cadelinha pulando ao lado de sua mãe Penélope, juntamente com o seu pai Jack, uma cena me chamou a atenção. Tinha uma família de equinos duns cinco membros. Uma mãe com seu filhote, um burro –possivelmente rapaz solteiro– e mais à frente tinha um outro; a princípio vi um cavalo em pé à beira d’água, mas olhando mais de perto, vi um filhote deitado ao seu lado. Entendi então, que era uma mãe ao lado de sua cria. Logo pensei que pudesse estar machucado, ou que algo pior tivesse acontecido. Dei a volta no lago e quando cheguei próximo, o potrinho já estava em pé de cauda abanando, sinalizando que estava tudo bem.
A mãe no seu instinto materno, protegia sua cria, decerto estava tirando um cochilo, enquanto ela, possivelmente estivesse a “matutar” sobre algo. Apesar de não falarem, os animais se comunicam entre si, em gestos, sons e afagos. Até para os humanos mais afeiçoados a eles, compreendem esses sinais, e correspondem a eles. Alheia aos acontecimentos do mundo dos humanos, em que hoje, se comemora o Dia das Mães, o que pra eles, talvez esse dia seja todos os dias, visto que tem que amamentar suas crias, até aprenderem a se alimentar sozinhos, o que no mundo dos animais, isso não demora muito, visto que há poucos minutos após nascerem, já ficam de pé e começam a andar a partir de então. Pelos carreiros muitas vezes sinuosos, mas com a mãe à frente indicando o rumo certo. Assim como as formigas que deixam –tingido em “grafite preto”, no chão marrom claro– um caminho traçado por centenas de patinhas que o riscou em zigue-zague, mas que certamente teve seu destino atingido.
Na natureza as mães são zelosas por instinto, já no mundo dos homens, nem sempre é assim. Existem mães que têm coragem de abandonar seus filhos em latas de lixo. Mas ainda bem, que Deus tudo ver, e manda anjos em forma de gente, que os encontram, acolhem e os levam aos hospitais pra serem cuidados, e posteriormente serem adotados por mães que muita vezes, não tiveram o dom de serem mães biológicas, mas os adotam e lhes dão o amor que faltou pela mãe que o abandonou.
Parabéns a todas as Mães. Mães biológicas, adotivas ou madrastas, que dão amor por continuação, dum ciclo que eventualmente as circunstâncias interrompeu, mas os órfãos tiveram outra mãe por afeição ou aclamação.
Fotos: Ao redor da cidade de Curral de Dentro/MG - 12/05/2024.
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Lares e Lugares
28 de maio de 2024
Curral de Dentro, com suas regiões e comunidades, onde comumente, os moradores ainda preservam aspectos duma vida bucólica. Lugares com lindas paisagens. Tem Vereda, boqueirões, e também Boqueirãozinho, onde a vista Campestre, é de sumir de vista. Tem diversos rios, como o silencioso e sinuoso Itaberaba, que se alarga em épocas de chuva, onde nadam tranquilamente, Capivara. Além de ter Lagoa Funda, Lagoa Jabuticaba, Lagoa da Fortuna, –que a chuva a faz se afortunar ainda mais– entre outras.
O Riacho que corre silencioso, tem Passagem Funda, mas o moleque Saltador, já quase Barbadinho, pula pela Passagem de Pedra, onde ele aproveita e Lava Pés, cuja Água Branca, deixa seus pés limpo novamente, os quais já estavam acinzentados, igual aos pés de Macuco. Já quase ao meio dia, quase batendo uma Cegueira, cansados, ao olhar pro céu de sol a pino, porque desde de cedo, ele e seus três irmãos mais novos, saíram à caça duns Quatis que fazem morada nos Morrinhos. Depois de mais ou menos meia hora, chegaram na casa do padrinho de um deles. Um Gentil senhor, de andar já meio alquebrado e meio "Cambeta" de vez em quando tropeça, mas segue em passos cadenciados, mas nunca cansado. Mesmo com as mãos calejadas, amola sua foice, com cabo de Mucambo, –madeira tão resistente quanto a resiliência do roçador– e sai roçando a partir da porteira do terreiro, até a Cancela no alto da ladeira, à beira da estradinha estreita, que chega até a sua casa. Ganharam desse senhor, quatro Laranjão e também um mexido com arroz e Batatalina, que ajudou a estufar um pouco aquelas barriguinhas já quase murchas, porque até então, não tinham comido nada, senão, algumas Cambuci. Doces e prazerosas frutinhas, que avidamente, desciam pela Guela abaixo, dos moleques sedentos –cujas árvores, talvez foram plantadas por um velho Marinheiro, que contornava a Ilha Grande. Agora, além das barriguinhas salientes, chegaram em casa um pouco mais gordinhos, com o rosto “roseado”, meio arredondado e olhos escondidos, pelas picadas dos marimbondos Inchu, que estavam quietos no seu canto, mas foram atiçados pelos moleques arteiros.
Já noutras bandas, lá pros lados da Serra do Anastácio, uma casinha singela tendo na frente uma baixa porta, e duas janelas. Com um bonito e Bom Jardim, muito bem cuidado pelas moças: Maria, Marieta e Julieta, todas filhas de Maristela, filhas estrelas, e de muito Bem-querer, pois brilham na arte de confeccionar entre outras artes, as cestas e balaios confeccionados da fibra do Pipiri, e cipó Caititu, pra usar na lida do dia a dia, e também vender na feira. Aos domingos, já partem cedo, com a mãe lhes desejando Boa Sorte, com Deus as abençoando e acompanhando, na ida e na vinda. A distância não é longa, após atravessarem por uma Veredinha, já avistam as altas portas do casarão –que decerto fora a primeira venda da cidade. Sua mãe ficava em casa pra cuidar da lida e das “criação”. Além de muitas galinhas no terreiro da casa, tinha também um Capão –já de lombo roliço e saliente– pras ocasiões em que a precisão bater à porta.
Tempos depois, surgiu uma Nova Veredinha, em meio às Caraíbas e uma frondosa Gameleira, à beira dum “corregozinho” –mas perene durante o ano todo. À sombra dum Pau Ferro, o vaqueiro descansa, enquanto seu cavalo pasta calmamente, até chegar a hora de aboiar o gado boqueirão abaixo.
Trilhas e Carreiros
15 de junho de 2024
Se passaram quase trinta anos, desde a última vez que tive aqui na cumeeira da Serra do Anastácio. Sempre vou somente na cachoeira que é mais próximo, mas hoje, fomos além. Após tanto tempo, talvez até algumas pedras tenham rolado serra abaixo, e mudado de morada. Assim como algumas moradias, casinhas hoje existindo apenas as lembranças sobre os adobes amontoados –onde já se teve muitas noites de “quentar” fogo, com os pequenos rodeados ao pé do fogão. Na robustez das pedras que não são preciosas, mas tem sua imponência e beleza, corre águas cristalinas as lavando e areando. Lugar tranquilo onde à beira dos carreiros isolados, nas fendas das pedras ou nas forquilhas sombreadas das árvores, a aranha tece, para saciar a fome que lhe apetece. Lugar onde os coqueiros brandem, fazendo suas folhas bailarem, ao sabor dos ventos –como um cabelo sedoso e cheiroso, duma moça simples– que lava seus lindos cabelos na água que corre fria e silenciosa tal qual seus pensamentos, que fluem e viaja, como o vento que assopra as folhas do frondoso jatobá, já sábio pela sua idade e testemunho dum tempo que se passou devagar até aos dias de hoje.
Por está gripado, meu outro filho preferiu não ir conosco. Foi até bom, porque logo na subida por volta das nove horas, já nas proximidades da cachoeira, passamos por alguns instantes molhados, por uma neblina fria nesta manhã de inverno, mas nada que esfriasse o ânimo das meninas, e dos três guias, que nos acompanhavam muito eufóricos, com seus latidos ecoando mata adentro. Acabamos nos confundindo com a trilha, "adispois", foi até bom, termos nos confundido e estendido um pouco a caminhada, esticando as pernas, o que durou mais de cinco horas subindo e descendo morros, cruzando riachos e respirando muito ar puro. Num mesmo dia, pudemos experimentar duas estações. De manhã uma neblina de Inverno, deixando a Serra coberta por um cobertor branco que vinha cobrindo as árvores e mais ao meio dia, um sol de Primavera. Um lugar muito bonito, pra quem curte a natureza. Um cenário que muda, à medida que vai se percorrendo a trilha, uma misto de Cerrado, Agreste, Mata Atlântica, com imensas e imponentes árvores centenárias, e outro de pedras soltas amarronzadas, simulando um cenário de deserto.
As flores do alecrim do cerrado, exalando sua fragrância refrescante desta manhã de ar um pouco frio, mas já com o sol espiando atrás, da cerração para irradiar seus raios, refletindo nas pedras umedecidas, onde até a teia da aranha, parece mais um colar de brilhante. Pelo caminho pode se ver muitas plantas de cores vívidas e exóticas, orquídeas e bromélias que se fixam nas árvores, e outras que se medram das rochas agarrando-se na aspereza das pedras, sem medo de ser feliz, mostrando a resiliência e resistência dos seres e elementos da natureza.
Lá do alto, o horizonte se mostra imenso e revelador revelando os contornos de Barreiros Berizal, Mirandópolis e ao longe, até os grandes monólitos da região de Pedra Azul. E como numa foto de imagem desbotada, a cidade de Taiobeiras. Cidade que hoje é crescida, onde cresci, e a vi crescer entre idas e vindas à Gameleira quase ao pé desta Serra, onde nasci. Lá do alto, percebemos o quanto somos pequenos diante da imensidão da natureza, e que somos do tamanho da milionésima parte dum grão de areia, frente a infinitude gigantesca e inalcançável do universo.
De vez em quando, é preciso fazermos uma reflexão muito necessária sobre o significado e os verdadeiros valores da vida. Quase todos rios nascem nos altos das montanhas e descem até o mais baixo nível da terra até o mar, nos mostrando que por mais alto que estejamos, devemos olhar pros de baixo se agachar se preciso for, pra falar com quem supomos, ser menor que nós, e falar de igual pra igual. Descer do salto e falar com quem está de chinelos ou de pés descalços e nos mostra também, que só se cresce, com a ajuda dos afluentes que vai aumentando suas águas. Dum fio d'água que brota debaixo duma pedra, se transforma num rio que vai se alargando a cada afluente que lhe dá o braço.
"Haverá ainda no mundo coisas tão simples e tão puras como a água bebida na concha das mãos ?” Mário Quintana.
“Quem elegeu a busca não pode recusar a travessia” - Guimarães Rosa.
Fotos: Serra do Anastácio - 15/06/2024.
https://www.youtube.com/watch?v=BH5ysbPBqIY
https://youtu.be/BH5ysbPBqIY?si=AYgabCE6sQzcmgkV
Despenteada pelo Tempo
(Era uma vez...)
17 de julho de 2024
O mesmo vento que despenteava as penas do terno bege-claro do elegante João-de-Barro, cantando de manhã –assentado em cima de sua casinha, anunciando mais um raiar do sol– despenteava também, dia após dia, a vasta plumagem verde da grande árvore, que fora secando de cima pra baixo, deixando à mostra seus galhos como veias que corria a seiva que irrigava as folhas, deixando à mostra também, as casinhas que foram alicerçadas em seus troncos. Serviu por muito tempo, como palco ou arquibancada, pras aves contemplarem a natureza, enquanto cuidavam de sua plumagem.
“Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente”.
Henfil.
Mas essa árvore talvez não fosse frutífera, mas certamente teve muitas folhas que serviram de abrigo seguro para aves e pássaros se aninharem até as últimas de suas folhas virem ao chão. Quando nos deparamos com essas “pinturas” naturais –pinceladas, em telas sem limites e sem molduras, e de visão tridimensionais– talvez até voltemos no tempo e lembramos de datas, lugares, acontecimentos e pessoas, que foram; são e serão importantes em nossa caminhada. Esse cenário em que a vegetação muda de cores e de elementos, me fez lembrar do tempo das férias escolares. Nas férias de dezembro a janeiro, era época de muitas frutas: mangas umbu onde embaixo dos umbuzeiros, ficavam cheios das bolinhas coloridas verdes e amarelas. Época em que nas férias de julho, a vegetação ficava acinzentada e toda desfolhada e com poucos frutos. Tempo da palhada, quando já fora feita a colheita do milho, e a área ficava cheia de codornas, perdiz, “lambus” (Inhambu), verdadeiras e os alegres barulhentos periquitos. Ocasião e hora de se fazer arapucas e novos estilingues para as tardes de caça, mais por vício, não por precisão.
Quando a fotografei pela primeira vez (17/02/2018), já era despenteada, mas linda tal qual uma árvore cheia de folhas verdes lisas-brilhantes. Se não teve fruto, teve flor, e se não teve flor, teve folhas e fora lar fecundo. Há muito já era um ser sem vida, mas em seu entorno, a vida se fazia. Seja de noite pássaros dormindo na calmaria, seja de dia com a algazarra dos joão-de-barros, cheios de cantoria. Sempre que passava ao seu lado, registrava sua permanência e também sua decadência, em virtude da idade. No início era cheia de pequenas galhas secas desfolhadas –feito a cabelos crespos de menina levada, brincando no terreiro empoeirado duma casinha simples, distante da cidade, mas perto do sossego e do apego, numa infância longeva, assim como as lembranças que nos fazem viajar longe no tempo– mas após seis anos, já estava desnuda, haviam somente os galhos mais grossos resistindo ao tempo, caindo devagar a cada ano que passava. Mas em 16/07/2024, quando passei e olhei, já não mais estava lá. Agora somente seu tronco, um pedaço de sua lembrança, resumida num tronco seco, foi tudo que sobrou.
Agora ela já não mais vai está, e quem por lá passar, não mais a verá, onde muitos pássaros e o velho urubu, faziam dela sua sala de estar. Como tudo tem seu fim, finalizou-se assim. Certamente, ninguém sentirá a sua falta, além dos animais que descansavam à sua sombra e das aves que nela pousavam pra descansar ou pra dormir –e até posavam despretensiosas e graciosas para uma foto – durante todo o período em que por ali passava, nas minhas tardes de caminhadas. Seguindo pelos carreiros sempre acompanhado duma cadelinha e seus dois filhos –ela andando um pouco mais ligeiro– ora à frente, ora atrás, sempre parando e olhando, como que “raiando” com os mais novos. E em todas as estações do ano, ela permaneceu quieta no seu canto –com o canto dos quero-quero ao seu redor– presenciando a mudança dos tempos: Tempos de chuva, tempos de frio, tempos de flores tempos de chão rachado, mas também tempos de chão inundado.
Não se pode prever o fim dos seres e das coisas –mas talvez se pudesse antever, o que viria a acontecer– que um dia, se sucumbiria ao tempo ou o tempo faria cumprir seu papel, ou as circunstâncias, a levasse ser extraída, pra ser utilizada numa outra demanda extremamente necessária, visto que se tornou matéria e não era mais um ser vivo, encerrando seu ciclo.
Dizem que: “As flores de plástico não morrem” com já disse a banda Titãs na música Flores. Somente essas não morrem, mas não têm perfume, não atraem beija-flores e são de cores artificiais e são sem graça. Não disseminam sementes. As de verdade têm que morrer pra renascer, e antes dessa árvore morrer, já renasceu muitas vezes em suas sementes, disseminadas pelo vento, ou por mensageiros que dela voaram, perpetuando sua espécie.
Fotos: Árvore na área Rural da cidade de Curral de Dentro/MG - de 17/02/2018 a 16/07/2024.
Ultrapassagem Permitida
20 de julho de 2024
Nas sinuosidades das pistas, às vezes o silêncio ainda se faz, enquanto não se cruza com faróis acessos -como vagalumes intermitentes- cortando o ar, com o ronco dos possantes da estrada, nas curvas de faixas paralelas contínuas. Um movimento de fluxo contínuo, com gentis piscadas amarelas à nossa frente e à direita, sinalizando a ultrapassarmos com segurança e continuarmos nosso percurso em segurança -não tão comprido como os dos três e até nove eixos- com seus 34 pneus. Dirigindo várias horas por dia, e muitos dias dos 365 dias do ano, somando milhares de quilômetros, estreitando amizades e alargando sorrisos nas paradas, com seus causos e piadas. Imprimindo no asfalto abrasivo, uma longa história, e vendo pela janela lateral, lugares que ficarão gravados em sua memória. Seguem o longo percurso, guiados por braços fortes, cumprindo o ofício que escolhera pra sua vida, movimentando a economia do país, e muitas vezes, deixando os pequenos em casa com saudades dos pais.
Que Deus os abençoe e os proteja, de dia e de noite, na ida e na volta, como já o pedem: seja em orações, seja num crucifixo balançando atrás do para-brisas ou em mensagens escritas nos largos lameiros, que seguem varrendo o asfalto pista afora.
Fotos: BR 251 - 20/07/2024.
Chão em Flor
03 de agosto de 2024
O inverno –que obrigatoriamente deixa os pátios das escolas mais coloridos, com as crianças com suas blusas e toucas multicores pra protegê-las do frio– também faz arte de rua, fazendo cair involuntariamente as flores do Ypê, bordando um lindo tapete que dura o tempo necessário pra ser admirado, até o vento varrê-las, evidenciando uma nova primavera que não tardará, logo... logo virá, trazendo um novo rebrotar.
Fotos: Praça Miguel Alves dos Santos, Curral de Dentro/MG – 03/08/2024.
Tom sobre Tom
06 de agosto de 2024
O inverno também é colorido, não tanto quanto a primavera, mas sempre encontraremos cores e fragrâncias, principalmente no cair da tarde. Como a cor forte e vibrante, das alaranjadas flores do Cipó de São João; a fragrância adocicada da flor do Assa-peixe à beira do lago. Pequenas flores coloridas, mas de grande formosura –como pequenos pincéis plumados e perfumados de cores suaves– cujo perfume, permeia levado por um assoprar leve, que cria pequenas marolas no espelho d’água. Um vento que já vai sendo “desamornado” pelo cair da noite fria. O perfume não viaja tão longe, quanto a abelha solitária, que as sobrevoava, colhendo o doce néctar. Talvez estivesse a fazer hora extra, visto que se encontrava “desapartada” do seu enxame, mas já finalizando sua jornada por hoje.
A natureza imprime tudo em cores. É como um pintor, que prepara os pincéis e a tinta, para pincelar uma nova tela, numa aquarela de cores e matizes variadas. Com muitas nuances, gradações, tonalidades, dégradés, entretons, tons, meios-tons e até tom sobre tom. Mas em algumas ocasiões, imprime em preto e branco e branco. O preto dos troncos que foram chamuscados pelo fogo, e o branco da cinza, e que dela milagrosamente, germinarão as sementes que ficaram por muito tempo adormecidas. As chuvas farão as árvores, brotarem folhas verdejantes ainda que seu tronco continue preto, com os sinais e cicatrizes do fogo, que muitas vezes, é necessário, para a regeneração e renovação da natureza.
Fotos: Nos arredores de Curral de Dentro/MG – 06/08/2024.
Idas e Vindas
08 de agosto de 2024
Os filhos
são como pássaros,
Aprendem a se “engatinhar”
E depois de alguns arranhões; voar
Tens ido e tens voltado
Em intervalos não muito demorados,
E os pais sempre a esperar.
Vai chegar um dia que poderão tardar
E talvez os pais não vão mais estar,
Mas de onde seus pais estiverem,
Hão sempre de os amarem.
E não é uma nem duas, são três
Como o destino assim quis e o fez,
Duas meninas e um menino que já rapaz se fez
E as meninas, uma de cada vez, se refez.
Alegria em triplo
Os chorinhos de primeira vez
Que se repetiu por três,
E agora já grandes...
Vêm de quando em quando,
Mas toda vez, alegria se faz
Porque são e salvos, Deus sempre os traz.
O que precisa mais... não sei,
Mas até aqui, tudo que Deus me fez
Agradeço, até então me satisfaz,
Se careço de mais? Capaz...
Mas agradeço pelas bênçãos, que de graça
E pelas graças Dele, agraciado me sinto,
Pedir mais... não acho permitido,
Pois já sou agradecido,
Por todos esses dias vividos.
Quantos dias mais virão?
Por mim não é sabido,
Mas o Senhor já deixou estabelecido,
Porque assim será; como sempre tem sido.
E apesar dos reveses
Que, se por vezes vier,
Que possamos revigorar
Pra com nossos filhos poder estar,
Mesmo que um dia indo, outro vindo,
Mas escrevendo a nossa história sorrindo.
Renilson - 08/08/2024.
Os Sons do Silêncio
12 de agosto de 2024
Pra que a gente tenha momentos de reflexão, muitas vezes, não precisamos ir muito longe. Saindo e percorrendo pouco mais de um quilômetro da cidade, e num raio menor que 300 metros, podemos encontrar um cenário de muita paz e sossego. Dá pra se ouvir literalmente, os sons do silêncio. A beleza dos pássaros em plumas, cores e cantos, e outros sons que a natureza emite, e soa como música aos nossos ouvidos. Entre pequenas pausas, gravei mais de 10 minutos de sons naturais, entre cantos –e até o “chacoalhar” das folhas secas que forravam os carreiros– onde os cachorros, mesmo sem saberem, também faziam melodia, pelo andar de correria.
São vários cantos tudo junto, como num coral de igreja. Uns bem perto outros mais ao longe. Ouve-se o canto de assovio “esticado” e estridente da Lambu ecoando pelo vale, e reverberando numa mata um pouco mais fechada acima, de onde sai o canto mais sisudo e meio grave da Zabelê. São dezenas de cantos, numa sinfonia de melodia variada. Uns muito conhecidos como: Quero-quero, Sabiá, Rolinha fogo-apagou, Tico-tico, a calma e pacata choró boi, Garrincha –com seu canto sacolejante– João-de-barro, Curraleira (Lavandeira mascarada ou Viuvinha), Lambu, Zabelê, Pomba Verdadeira, um pássaro conhecido como Piu (tem-farinha-aí), Bem-te-vi entre outros cantos lindos, mas não sei o nome do pássaro ou ave.
O movimento rápido e sutil, da traíra batendo n'água, com um “ploft” muito suave, criando pequenos círculos que se abrem e se desfazem à beira do barranco fazendo as folhas secas sacudirem e em baixo volume que se torna alto pra pequena formiga, que as usa como balsa de travessia, navegando ao sabor dos ventos.
Já com o cair da noite, entra em cena os cantantes da noite: como as Corujas, os Curiangos, os Ariris (irerê) entre outros, mas principalmente, os grilos. Com seu estridular estridente e intermitente –como se fosse uma mensagem indecifrável viajando pelo espaço, e sendo captada pelas antenas aqui da terra– ou mensagens em Código Morse, mas com certeza, eles entendem e comunicam-se entre eles. Na madrugada já quase raiando o dia, ouve-se a serenata das Galinhas Três potes (Galinha-d'água).
Está em contato com a natureza, é muito revigorante e “acalmador”. Nos alivia dalgumas eventuais preocupações, e eleva nosso estado emocional e espiritual, pois estamos de fato, frente às simplicidades e perfeições de Deus. E aproveitamos pra agradecer a Ele, todas as graças recebidas, e também as que por ventura “ainda” não foram ouvidas.
Fotos e áudio: Próximo à cidade de Curral de Dentro/MG - 12/08/2024.
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Luzes da Eternidade
19 de agosto de 2024
As luzes da cidade vistas de longe, são como uma galáxia distante, exibindo o brilho das estrelas, e dos astros que a compõe. Num lago ao pé duma ladeira, o cantar sereno dos grilos, e o balançar brilhante das águas noturnas, se mistura ao som cadenciado da fanfarra –que ecoa, vindo da cidade, já ensaiando para o Sete de Setembro.
Não muito distante dali, mas distante no tempo, uma velha casinha, agora quase desnuda e toda “descaiada”, mas que o branco das paredes de fora, clareavam mais ainda, as noites de “Lua Grande”. Certamente em noites como essa, os candeeiros eram poupados –enquanto os olhinhos curiosos estivessem assentados na calçada, tentando contar as estrelas– até dar a hora de dormir –sendo preciso “passar uma água nos pés”– por correrem eufóricos à beira da casa, donde se via claramente, onde se pisava.
O brilho da lua, refletido nuns olhinhos alegres, por ganhar um novo par de sandálias nº 33/34, comprada na feira, e entregues na tardezinha dum sábado. As corridas com chinelos novos, não se ultrapassava os limites varridos do terreiro –pra atalhar o frangote “pirracento” que relutava a entrar no poleiro– pra não sujar e encardir, a superfície branca, dum “bem” que fora comprado pra durar muitas luas cheias. As novas sandalinhas havaianas, de um branco tão branco, quanto o branco fluorescente da grande Lua, duma noite enluarada –com dezenas de pontinhos brancos em alto relevo, feito a céu branco estrelado.
Nem tudo que é velho é obsoleto ou sem valor, como muitos idosos são tratados ou considerados. Quanto mais vivemos, mais aprendemos, e se aprendemos, poderemos repassar aos que virão depois de nós. Ao contrário de nós, os astros com milhões ou bilhões de anos, ainda continuam a brilhar, muito talvez, por estarem inalcançáveis, ou numa trajetória que demore muito tempo, ou anos luz, ao ser humano, senão, já teriam sido explorados, pela curiosidade do desconhecido.
Mas o homem, já é capaz de explorar o espaço, e já pisou até na Lua. Tomara que não consigam diminuir ou apagar o seu brilho.
Fotos: Ao redor da cidade de Curral de Dentro/MG – 19/08/2024.
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Luar no Sertão
14 de setembro de 2024
Não é sertão mas é bem parecido
Porque é vegetação de transição
Do Norte de Minas pro Sertão,
E a lua de noite também faz clarão,
Refletida no espelho d’água
Se esconde atrás do junco
Onde a traíra se esconde junto.
Tem mandacaru lajedo, cagaiteira
De casca enrugada, mas não é idade
É sabedoria e vitalidade, tem Jurema
Tem aroeira com garranchos despidos
Aguardando a chuva pra ficarem floridos.
Tem Vaqueiro de chapéu de sola e gibão
Aboiando o gado... então é quase sertão,
Tem peão que “ataia” o boi ligeiro
Derrubando no chão, o nerole faceiro
Com o dia já perdendo o clarão,
Mas tem a lua como seu candeeiro
E seu aboio ainda ecoa no boqueirão.
Decerto fosse “Daca” um velho conhecido
Vaqueiro por ofício e profissão
O que hoje, não é fácil de se ver não!
Sempre o vejo em minhas caminhadas
Cabra tranquilo de sorriso fácil
Sempre me pergunta: se não vi uma rês desgarrada,
Dum lado seu facão, do outro, sua faca amolada
Dentro duma bainha, na cintura atravessada.
Com cabo de madeira; uma peixeira
Instrumento de muita precisão desavisada
Tirar uma “imbira” pra amarrar a porteira
Que os dois neroles de força desmedida,
Medindo força, a deixou desmontada
É preciso do cavalo apear, pra ajeitar.
E seus fiéis companheiros já cansados
Quase arquejando, voltam perfilados
Ansiosos para chegar em casa
Comer um bocado de feijão escaldado
E se ajeitar ao redor do fogão amornado.
Andam trotando no ritmo do cavaleiro
Montado em seu cavalo castanho-magro,
Camisa “retaiada”, e braços acinzentados
Riscados pelos espinhos agulhados
Que ficam à beira dos carreiros,
Dias de muita lida, de janeiro a janeiro.
Fotos: Nos arredores da cidade de Curral de Dentro/MG – 14/09/2024.
O Ofício Rompendo o Tempo
01 de outubro de 2024
Na manhã de sábado (28/09/2024), andando pelas ruas da cidade, me deparei com uma imagem muita rara -que há muito tempo não via. Um ofício quase desconhecido por muitos, nos dias de hoje. Sentado em seu atelier, "Tonão", muito conhecido na cidade, cujo pai Sr. Guilherme, fora um grande alfaiate no ofício de confeccionar artigos de couro. Certamente herdou do saudoso pai, a habilidade para também confeccionar selas, bainhas de facão entre outros, com muito esmero e maestria, dum mestre de ofício. Não que dependa dessa profissão, como conversarmos numa boa hora de prosa e muitas risadas, numa conversa muito aprazível. Mas nas suas horas vagas, exerce esse ofício, mais por nostalgia, pra ser útil à comunidade e também pra não deixar acabar essa tradição.
Hoje, tudo é muito descartável, mas ainda tem aqueles que tem algum objeto de estima guardado, que fora presente do pai ou avô, e quer restaurar um bem de um grande valor sentimental. Cresci num meio que usava muito esse tipo de utensílios de muita "serventia" duma época, tais como: Cangalha, sela, laço, bruaca, etc. E como ele me disse, todos costurados à mão, tendo que perfurar dezenas de buracos na sola ou no couro cru, no caso das bruacas, usando uma "suvela", instrumentos desconhecidos pela juventude atual. É a história que permanece viva, contada e mostrada, por quem não perde as origens, e que educadamente, me recebeu pra um bate-papo, num mundo que atualmente, as conversas são virtuais.
Me remeteu às lembranças de infância, do saudoso "Lerão" da Boa Sorte, com sua "suvela" afiada abrindo caminho no couro cru, para confeccionar um par de bruacas ("buraca") que meu pai sempre lhe encomendava, quando as lá de casa ficavam surradas e já quase perdendo a forma. Depois de muita labuta, e de tantos "escanchar" e descer da cangalha, ora com milho, ora com mandioca, ora com farinha, e até mesmo meio estufadas, trazendo panelas de barro que minha mãe pedia "Geraldo Vaqueiro" pra buscar no Barreiro -atualmente distrito de Berizal- para encher de salmoura, onde os queijos ficavam boiando por uma noite pra pegar sal e ficar "no ponto" de faca, acompanhando dum bom café quentinho.
Descaso do Acaso
10 de outubro de 2024
Uma casinha –dum verdadeiro e exímio mestre de “obra de arte”– inacabada, não se sabe o que interrompeu a conclusão de um sonho. Assim como na vida em que algumas eventualidades, causalidades ou casualidades, fazem as coisas tomarem um novo rumo, ou começar um novo ciclo. Talvez o joão-de-barro tenha morrido –por certo não fora uma “bala de estilingue” visto que não é usual nos dias atuais como antes. Hoje num mundo muito mais virtual que natural. Mas na época de moleque, só não se caçava joão-de-barro e beija-flor, eram considerados seres sagrados, talvez, em virtude da sua capacidade de fazer obra de arte a céu aberto. Ou se foi a chuva intempestiva que impediu que a terminasse, ou talvez por alguma desilusão, conflitos ou uma disputa conjugal, o fizera partir e deixar tudo pra trás.
Olhando assim, se vê uma obra inacabada, mas nem toda obra pela metade, significa frustração. Talvez interrompida por uma grande alegria –tal qual de um filho que está grafando seus primeiros traços em letra caixa alta, ou pintando um desenho ultrapassando os contornos da figura– e ouve seu pai chegar. Deixa tudo, sai correndo para abraçá-lo, e esquece de voltar para terminar, visto que o brinquedo que seu pai lhe trouxera, o deu mais alegria, porque no outro dia, ao lado da lancheira, estava levando seu carrinho pra brincar no recreio da escola.
Mais adiante um ninho em desuso. Solitário, não se sabe se fora abandonado ou os filhos já foram chocados, ganharam asas e saíram ao mundo, deixando que o tempo cumprisse o papel de “desmantelá-lo” sem pressa, o que fora construído de muitas idas e vindas em voo ligeiro. São coisas da natureza, que talvez nós seres humanos nunca entenderemos. É o ciclo da vida, onde um inicia o outro termina, ou um começa e para, e outro modifica o projeto e até derruba e começa do alicerce.
Nunca saberemos como será o dia seguinte, temos que viver o hoje, pedir bênçãos pro dia que se inicia, agradecer pelo seu findar, e orar, quando no horizonte, o sol há muito já foi se deitar. E no outro dia, agradecer pela noite bem dormida, mesmo que numa cama estreita, com crianças meio “esprimidas”, mas de rostinhos de fora, sentindo os respingos que perpassam pelo telhado de telhas comuns, mal “agasaiadas”.
Vemos muitas obras inacabadas, deixadas pela metade ou abandonadas, e quando retomadas, o que fora feito tem que ser desfeito, pelo efeito do tempo. As obras públicas, têm mais mistérios que as da natureza, quase sempre “empacam” –feito a burro teimoso e não sai do lugar. É um outro mistério da vida a ser decifrado, ou ignorado.
As da natureza são cheias de magia e alegria –bonitas demais da conta– às vezes singelas, mas perfeitas, poéticas e de verdade. Não são envoltas em mentiras cheias de propina, e que nunca termina. E quando termina, fica além da conta e quando se dá conta; a conta não fecha, o orçamento ficou mais “esticado” que o prazo que foi estendido além da conta.
Ou “tou” contando alguma mentira?! Ao menos as nuvens carregadas acinzentando o céu, não me deixam mentir. Graças a Deus, está começando a chover.
Fotos: Natureza em torno da cidade de Curral de Dentro/MG – 10/10/2024.
Florido e Abençoado Dia
12 de outubro de 2024
Doze de outubro, dia de Nossa senhora Aparecida, que coincidentemente, também se comemora o Dia da Crianças. Numa breve caminhada deu até pra se fazer uma analogia entre os desejos das crianças e a germinação duma plantinha. Conhecida popularmente por “Alho Bravo”, em menos de 72 horas, brotou e já floresceu. Assim como é, os desejos das crianças, que têm que ser cumpridos imediatamente, senão ficam murchas pelos cantos, porque ainda não têm a maturidade, em que essa planta atingirá em poucos dias. Choveu quarta-feira dia 09/10/2024, e neste sábado 12/10/2024, já está toda florida. E a criança quando adulta, se porventura ou força do destino, encontrar algum brinquedo, que fizera parte de sua infância, lhe trará boas e pueris lembranças, do valor que tinha aquele simples brinquedo. Na época, não se mensurava, muito talvez, pela pequena estatura e de uma diminuta visão de mundo.
A vida é composta de ciclos rápidos e outros de longa duração. Dias de inverno, e dias de chuvas rápidas de primavera, que despertou o desejo dessa plantinha de vir à vida. Uns são rápidos e passageiros –assim como as primeiras séries do então “Jardim de Infância”– outros mais duradouros, como as séries que se seguem até o último ano de Faculdade –mas que também é facultativo– o primordial, é ter um desejo de realização, e um caminho a ser trilhado, seja em que profissão for, mas que seja a dos seus sonhos. Entender que as melhores conquistas levam tempo pra planejar florescer, frutificar e maturar, e quando maturar, colher e agradecer.
Assim como o “alho bravo”, as crianças são parte integrante, fundamental e essencial, para a sequência da vida no mundo. Trazendo mais alegria à vida. São seres iluminados, por vezes arteiros e sapecas, e até arranha os joelhos –mas os inevitáveis arranhões, pressupõe agilidade e curiosidade, que moldará sua maturidade.
Um pequeno e estreito carreiro –mas grande, pras minúsculas patinhas que o desenhara na terra– nos dá uma lição de sabedoria.
Que não precisa ser grande pra realizar ou fazer grandes feitos. Assim como as abelhas e as borboletas; sem elas, muitas flores não se tornariam doces frutos.
Os menores seres são imprescindíveis para a manutenção e novação da flora.
Que Nossa Senhora ilumine todas as crianças. Que cresçam como seres de luz, a mesma luz que é irradiada na terra, e absorvida pelas plantas, mesmo que de duração efêmera.
As pequeninas crianças de hoje, serão grandes pessoas de amanhã.
Fotos: Ao redor da cidade de Curral de Dentro/MG, 12/10/2024.
Chuva Anunciada
18 de outubro de 2024
A chuva ainda não veio de fato, mas não tardará, pras tardes ficarem com folhas pingando gotas cristalinas, refletindo o brilho dum sol leve, após uma abençoada chuva. Mas a natureza já antecipa e se renova, aguardando a boa nova, pra que tudo se torne mais verdejante, como já se anuncia. Ao menos por aqui, as águas não diminuíram, e com a chegada das chuvas, os lagos transbordarão, fazendo transbordar de alegria também, toda uma cadeia de vida, que a chuva faz reviver.
Fotos: Natureza ao redor da cidade de Curral de Dentro/MG
18/10/2024.
A Excelência da Perfeição
22 de outubro de 2024
O ser humano sempre evoluiu, tendo a natureza como janela de inspiração e criação. É dela que se tira e extrai, toda matéria-prima para realização dos seus projetos e sonhos. Não chega à perfeição, daqueles que sem mesa de projetos e ferramentas, somente com bicos e pés ligeiros e cadenciados, realiza grandes feitos, e fazendo bem feito. Sem prancheta de desenhos, sem projetos nem programas de computador. Sem mestre de obras -sendo eles mesmos, mestres por excelência- tendo como supervisor e feitor, o seu criador. Constrói sem máquinas e sem energia, mas aproveitando a luz do sol, desde o seu nascer até o crepúsculo do fim do dia.
Por não respeitar as leis da natureza, ou pra se economizar material, o homem deixa de usar a quantidade necessária, com isso, pondo a obra em risco de colapso, não sustentando o seu próprio peso, e talvez nem por isso; lhe cause peso na consciência. Não que seja lapso de memória do que aprendera – rabiscando ainda com lápis, os projetos numa mesa nos tempos de faculdade– mas por ambição, porque talvez lhe seja conveniente, usar “menos” do que está descrito no projeto, pra se ganhar “mais”. Por vezes beira a eficiência, mas não chega à excelência, dos seres que os inspiram para construir as obras de hoje.
Já fora dito um dia por Antoine-Laurent de Lavoisier:
”Na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma“.
Não entendo, quando um ser humano é chamado de “mito”. Mito com certeza é Criador de toda perfeição que há no mundo. Seres que Deus criou à sua imagem e semelhança. Certamente em cada ser, Ele está presente. Pois são cheios de magia e sabedoria, mas ainda assim, ignorados por seres que se acham superiores àqueles que vieram primeiro. Se achando donos do mundo, destroem seus habitats, e os pondo por derradeiros.
Fotos: Nos arredores da cidade de Curral de Dentro/MG – 22/10/2024.
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Dia Silenciado
02 de novembro de 2024
No silêncio desta tarde em que se comemora –o Dia daqueles que se calaram aqui na terra– nada como um retiro na quietude da natureza, pra nos trazer boas lembranças dos entes queridos que já “fizeram a passagem” deste mundo pra outro plano.
Contornando a imagem da cidade, ao fundo e no alto, a menos de trinta quilômetros de distância, se vê a imponente Serra do Anastácio.
Lugar onde nasci, numa casa que fica a pouco mais de dois quilômetros, de onde a água se desenrola veloz descendo o lajedo até passar nos fundos da casa –onde nos tempos de criança– íamos ver a enchente que vinha veloz da Serra, percorrendo e redesenhando o Rio da Gameleira.
A enchente produzia um som, que dava pra ouvir debruçado no batente da alta janela da cozinha. Era hora de correr para a beira do barranco e ficar olhando, mas com cuidado, porque o retorcer das águas dava até vertigem. A água espumante da enchente, já chegava ao pé do barranco, fazendo redemoinhos, como se fosse um liquidificador misturando frutas: piabanhas, bacuparis, ingás, caroços de manga, e de jambo; este último, vindo da chácara do Sr. João Veríssimo, que ficava na margem esquerda do rio Gameleira.
Mas não podia demorar muito não, além de dar vertigem vendo toda aquela água revolta, tinha que cuidar dos afazeres, que eram determinados, como se fosse uma cartilha diária, entre eles: descascar milho, quebrar milho pra fazer canjica pros pintos – que sempre tinha em várias faixas etárias– sentado à sombra, atrás do cômodo onde ficavam repousados os queijos numa panela com salmoura, cortar lenha pro fogão de fora, pro de dentro, esse tinha que ser uma lenha muito bem “apareada” e na medida certa, caprichos de minha mãe. Pegar e arrear o pirracento cavalo “Bala doce”. Cavalo faceiro, inteiro, garanhão, – muito arriscado pra menino montar– que só se conseguia pôr-lhe o cabresto, depois de ter dado duas a três voltas, nas duas hectares do mangueiro, para só depois, deixar ser arreado à sombra do pé de Ficus. Lavar o chiqueiro –aproveitando e dando um banho nos capados gordos, os deixando de unhas alvas– lavar pick-up; entre muitas tarefas. Mas sempre com pausa pra um bom café, ora com queijo, ora com biscoito, e ora com bolo ainda meio morno. Talvez fosse até diversão tudo isso, ao invés de ser “labuta”.
Boas lembranças, que Deus os tenha.
Fotos: nos arredores de Curral de Dentro/MG, 02/11/2024.
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Múltipla Escolha
03 de novembro de 2024
Domingo de ENEM para muitos e outros tantos, que "nem" sabem que hoje é dia de "provação" com uma caneta mão, e continuam seu fluxo nas BRS, com mãos firmes agarradas no volante, provando a importância duma valorosa profissão. Caminhoneiros conhecedores de destinos sem precisar de mapas, e percorrem esse país de jovens cheios de esperança, buscando conhecimento, numa prova de múltipla escolha esperançando trilhar um caminho seguro no futuro.
Quem sabe a redação da prova não seja sobre esses personagens do asfalto, que na boleia do caminhão, escrevem sua história, literalmente carregando um País nas costas.
FOTOS: BR 251 (Salinas) 03/11/2024.
https://www.youtube.com/watch?v=NEmZfa3eU_U
https://youtu.be/NEmZfa3eU_U?si=klrMfboVZaxEGU0_
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Voltando à Terra de onde Veio
16 de novembro de 2024
A leveza, a pureza e o colorido existentes na natureza, criando um contraste com a rigidez, impolidez, e inflexibilidade dos objetivos “artificiais" monocromáticos, os deixando até menos ásperos, em meio ao tapete que o rodeia. É como se o metal, com todo seu vigor, se sucumbisse ao vegetal.
Mesmo estático, estirado ao chão, compõem um cenário em movimento e transformação contínua. A natureza convivendo em harmonia, com elementos que saíram dela, foram transformados, e com o tempo, irão da ferrugem ao pó, incorporando à natureza de onde saíram.
Fotos: Ao redor da cidade de Curral de Dentro/MG - 16/11/2024.
Jatobá ....
16 de novembro de 2024
Em menos de trinta dias
Já rebrotares,
De acinzentado
Verde ficares
Novos ares
Novos cantares.
Novas cores!
Não tardará muito.....
Virão os sabores!
“Pras” aves que agora cantares
Quando do fruto saboreares,
Certamente e inevitavelmente...
Dar-se-á mais cantares.
Quando pronto maduro...
És por fora amarronzado
Por dentro, adocicado
Feito a pão açucarado
Fruto muito apreciado.
Renilson 16/11/2024.
Saberes dos Inconscientes
20 de novembro de 2024
Lagoa da Fortuna, as chuvas que a fazem afortunar, já está prometendo, nas imensas nuvens que se projetam em suas águas. Um espelho d’água em movimento constante; ora pelo vento que assopra suave –criando pequenas ondas que tocam as também minúsculas flores ao seu redor– ora pelo bailar dos peixes, que inevitavelmente se tornam “objeto dos desejos” das garças que aguardam calmamente, o momento certo pro bote certeiro; se olhando no espelho e retocando a plumagem –alva tanto quanto, as nuvens que enchem um céu de beleza infinita.
Não “delata” muito, e esta bacia natural irá se abastar de água, pra abastecer e saciar a sede dos animais que bebem de suas águas. Convivendo em harmonia –sem terem consciência que hoje (20 de novembro), é o dia em que os humanos tentam se reparar de erros históricos– mas a sabedoria de repartirem e coexistirem entre seres de cores e raças diferentes, independem dessa “consciência” que os humanos deveriam ter.
Fotos: Lagoa da Fortuna - Curral de Dentro/MG, 20/11/2024.
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Guarda-sol
30 de novembro de 2024
A chuva criando folhas
Fazendo sombra...
Trazendo alívio e paz
Pra um descanso merecido
Em momentos sempre carecido,
Pra quem dela precisa
Pra contemplar uma “brisa”.
O sol nasce pra todos
Mas a sombra só se faz,
Praqueles que a buscam
Não pra um momento somente,
Quando a precisão nos vem à mente.
Mas que se plante sementes
Pra que tenhamos hoje,
A sombra desejada no "ontem"
E que se projeta no horizonte,
E mesmo que não semeie...
Não corte as poucas existentes.
Fotos: "Ladeira de Conceição" - Curral de Dentro, 30/11/2024.
Linhas e Caminhos da Vida
10 de dezembro de 2024
Tarde de dezembro acalorada e céu de nuvens minguadas. Um avião que cruzava riscando o céu a mais de 600 quilômetros por hora, percorrendo sua rota de linhas imaginárias, deixando impresso seu rastro branco numa imensa folha azul. Mesmo sendo um traço retilíneo, os voos de avião não seguem uma linha reta, mas sim uma rota curva. Não são linhas duradouras, assim como nosso pensamento, às vezes demorado, como as linhas que pelo vento, se deixam levar, mas às vezes rápido, como um raio cruza o céu em tarde de chuva tempestiva.
Nas entrelinhas da vida, a única linha que delimita a nossa capacidade de execução das ações, é a linha do tempo. Mas o tempo não limita a nossa imaginação. Como essa linha que o avião traceja, que viaja quase tão rápido quanto nosso pensamento, mas a nossa imaginação consegue ser mais rápida, e viaja mais veloz que a velocidade da luz.
Não há limites pra nossa imaginação e também quase não há limite pra nossa capacidade de criação e realização. Coisas que achávamos que não seríamos capazes, com o tempo, as realizamos. Tudo depende de nossa determinação, Fé e cuidado. Assim como não há limite para o conhecimento. Imaginação estimula a criativamente gerando conhecimento para a conclusão e realização de um feito, ou de um sonho.
Talvez seja uma linha tênue entre o imaginário e o possível, tudo depende de tempo. Em Geometria diz que a menor distância entre quaisquer dois pontos é uma reta. Mas talvez, a menor distância entre um lugar e outro onde esteja a outra pessoa –em que faz viajar nossa imaginação– é o pensamento, que encurta tal distância, viajando a milhares de quilômetros por segundo.
Até o mais rápido animal terrestre, o guepardo, que pode chegar a 72 km/h em apenas 2 segundos, tem que aprender a fazer curvas repentinas na hora certa –em um bailar veloz, de “esconjuntar” os quadris– pra acompanhar a guinada que sua presa dá, pra desvencilhar de suas garras.
Vivemos num mundo onde-se traceja tudo. Traçam metas, tracejam linhas de tendências em gráficos de faturamento. Os primeiros traços são inesquecíveis –como as retas do primeiro desenho de uma casinha com uma porta e duas janelas do primário– os primeiros traços, ainda em caixa alta da letra A, duma criança aspirando alegria, mostrando todo orgulhoso, o seu caderno pra professora –que carinhosamente erachamava de “Tia”.
Os primeiros tracejados na rua ainda de terra batida, da primeira freada brusca, da primeira volta sem ter alguém segurando na garupa da bicicleta, ou após ter-se retirado as rodinhas. Primeiros traçados à tinta, quando a idade e a série já o permitia, que a “Tia” o liberasse pra escrever com caneta.
Linhas que deslizavam suavemente, puxadas pela fina agulha, para arrematar as bordas das casas, onde os botões se aquietavam, cuja mãe que as costurava, também já traçava o caminho em que filho deveria percorrer pra ir e voltar da escola. Ainda que encontrasse uma linha de pipa caída por sobre os muros –continuando por sobre os altos pés de jaca, cruzando o quarteirão– que não desviasse da sua rota não. E enquanto alinhavava e a linha ia encurtando em sua mão, também lembrava do marido, que esticava a linha pra que o muro ficasse alinhado, numa obra não muito longe dali, do outro lado da linha do trem.
É percorrendo os caminhos, que dá tempo pra observarmos a paisagem e a beleza da vida. Caminhos muito retilíneos e de alta velocidade, não nos permitem observar. Mas as curvas nos desaceleram, nos permitindo enxergar aquilo que a velocidade nos ofusca, nos proporcionando ver até onde vai o horizonte. E é nas curvas também, que se encontra outras belezas da vida. Curvas ora salientes, ora menos robustas, além de se ver beleza, desperta sentimentos, quando permitidas a serem percorridas.
Não é à toa que há tempos é dito: Que Deus escreve certo por linhas tortas, porque Ele tem o poder de “endireitar” nossa trajetória, nos guiando a caminhos, senão retilíneos, mas de sinuosidade suave e segura.
Sempre temos que nos curvar diante do sagrado, olhando em linha reta para o céu infinito, agradecendo por tudo de retidão que Ele nos proporciona em nossa vida.
Fotos: Nos arredores de Curral de Dentro/MG – 10/12/2024.
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Uma pessoa, morando no mesmo lugar, debruçada na mesma janela –sempre escancarada, sem medo de se roubar– observando o tempo passar. Numa rua meio curva, que sobe uma meia ladeira, onde também passam pessoas reparadeiras –coisas de cidade pequena. A mesma pessoa, mas com roupas ou vestimentas diferentes e em dias diferentes, certamente, será vista de outra forma e até com alguns elogios. As cores renovam o visual, mas a essência e a índole continua a mesma, ainda que a aparência mude um pouco.
Assim como nos mostra esse coqueiro solitário, já fazem seis anos que sempre passo por ele em minhas caminhadas, e sempre registro ele de “roupa nova”. O mesmo elemento, que a cada nascer e pôr do sol, é visto com uma vestimenta diferente –que a natureza lhe veste– o tornando ainda mais vistoso. Mas sua essência, exuberância, simplicidade e beleza é a mesma. Sua folhagem cresce, balança ao sabor dos ventos, e com o passar do tempo caem, e vêm outras. “Fulora” seus cachos, como um par de brincos, seus frutos vão caindo um a um, depois de maduros. E depois de ter alimentado os arapuás e periquitos, ficam ao chão pra alimentar outros animais que aguentem perfurar sua casca dura –ou suas gemas se transformarão em colares comestíveis pra se vender na feira.
Na sociedade, se não tiver trajado a rigor, poderá até ser ultrajado. Hipocrisia alienada, materializada de pensamentos capitalistas e materialistas que não conseguem ser humanistas, ou conviver com o simples, por vezes até, ultrajantes à simplicidade das pessoas humildes. Muitos têm predisposição a dar mais crédito à uma pessoa melhor vestida, que outra com roupas mais simples. É a hipocrisia das etiquetas, te avaliam conforme o preço que tá impresso nela. A depender do acessório, carro, casa em que a pessoa esteja, ela é vista por outro prisma, por outro valor, mas a essência a matéria ainda será a mesma.
Nem sempre uma boa aparência, significa transparência. Não acredito em gestos de muita solicitude, gentileza em demasia, de pessoas há pouco conhecidas. Devemos nos primar pela pessoa, não por rótulos. Por detrás deles, podem esconder pessoas de mal caráter “lobo em pele de cordeiro”. Aprecie mais um “não” amigável, afirmativo e verdadeiro, que muitos sins condescendentes. Sempre desconfie de muita “lisonja”. Nem todo sorriso fácil é verdadeiro. Uns até são simpáticos; mas soam mal intencionados. As verdadeiras risadas até ecoam, e outras são tímidas, meio contidas, mas são transparentes. Prefira os que sorriem com bons olhos, apesar da cara não muito simpática.
Quebre paradigmas, quando te disserem que não és capaz, se antecipe, capacite-se, aprenda e surpreenda. Adquira conhecimentos se imponha, exija requeira, se é direito seu. Não se intrometa, mas também não se submeta, não se diminua; se inclua, não se deixe influenciar, antes “influa”. Dê atenção às pessoas desimportantes, pois essas são importantes pra alguém, que à elas, têm alguma afeição. Não se infiltre mas filtre suas amizades.
Calce um sapato que lhe sirva e vá a lugares que lhe caiba. Não se envergonhe por repetir a roupa no seu trabalho, seja autêntico, e se faça ser aceito. Não se deve usar salto alto se ainda não sabe dar passos seguros, e correr o risco do infortúnio. Vá de rasteirinha e se sinta segura e confortável. Não é aconselhável comprar um carro muito caro se não consegue pagar o IPVA correspondente ao valor do veículo, e lhe aperte o bolso –tanto quanto o seu estômago por falta do alimento, por priorizar a quitar tais parcelas. Compre o que lhe caiba no bolso antes de caber na garagem.
Vá à festas que te convidarem; mesmo com seu carro popular, seja notado tanto quanto o "importante" de carro importado, não se importe. Não se faça dispensável. Se acharem que não lhe é cabido, fique, mesmo porque; lhe é permitido. Mas não ocupe o lugar mais importante, como está escrito em Lucas 14:8-11:
**********------------************
8 "Quando alguém o convidar para um banquete de casamento, não ocupe o lugar de honra, pois pode ser que tenha sido convidado alguém de maior honra do que você.
9 Se for assim, aquele que convidou os dois virá e lhe dirá: ‘Dê o lugar a este’. Então, humilhado, você precisará ocupar o lugar menos importante.
10 Mas quando você for convidado, ocupe o lugar menos importante, de forma que, quando vier aquele que o convidou, diga-lhe: ‘Amigo, passe para um lugar mais importante’. Então você será honrado na presença de todos os convidados.
11 Pois todo o que se exalta será humilhado, e o que se humilha será exaltado".
Fotos: Coqueiro nos arredores da cidade (15/11/2018 a 10/12/2024)
https://youtu.be/wOCPZrEwhG0?feature=shared
Janela Panorâmica
21 de dezembro de 2024
Nesta tarde de sábado -de pedras quentes, aquecidas pelo sol do primeiro dia do verão de 2024, mas já mais amornadas com o cair da tarde- fomos conhecer uma gruta na Serra do Anastácio. O nosso guia turístico Gilson -primo dos meninos- merece todo crédito. Não fosse por ele, não teríamos chegado até lá. A gruta com sua entrada oval -toda decorada com pequenas flores, pequenos cactos e coroas-de-frade- fica encravada no alto dum paredão de pedras, entalhada pela natureza -como se uma grande janela fosse, duma suíte de cobertura, dum prédio de diversos andares.
Onde pra se chegar, tem que passar se esgueirando num paredão de pedras de um lado, e do outro, um desfiladeiro donde se via ao longe, o Rio da Gameleira correndo silencioso, dada a distância e altura em que estávamos. Mas se ouvia o canto do sabiá, que ecoava majestosamente, carregado pelo vento -que também penteava o coqueiro quase em frente à "janela".
Pela bela paisagem, e a satisfação de estar em contato com a natureza, valeu a escalada, em alguns momentos, de respiração ofegante -tanto quanto, a dos cachorros que também nos acompanhava, alegres e sorridentes, saciando sua sede, nas águas geladas que corriam à sombra, e desciam velozes, lavando os lajedos rio abaixo. Além da água gelada, ainda encontramos pinha do cerrado. Uma frutinha muito doce, que serviu pra renovar as energias.
[...] Não preciso que me digam
De que lado nasce o Sol
Porque bate lá meu coração[...]
John - Belchior
Ou seja, é preciso que estejamos desprendidos das coisas materiais e das preocupações ao menos por um tempo, em momentos que só duram alguns instantes, para podermos ver a beleza das coisas, e tentar ver o mundo com mais leveza.
E com certeza, um pôr do sol contemplado desta janela natural, sempre aberta para Oeste, seria uma imagem muito admirável. Ou duma lua grande de luz suave, iluminando a moldura em arqueadura, que a natureza desenhou na rocha bruta.
Fotos: Serra do Anastácio - 21/12/2024
https://www.youtube.com/watch?v=dvb2AmqKFI0
https://youtu.be/dvb2AmqKFI0?si=oqjf7WFBKZEF4kSQ
As Cores do Natal
25 de dezembro de 2024
Em cada canto e a cada dia, se faz Natal, e muitas vezes não percebemos. No desabrochar duma flor, no romper da casa frágil -mas que depende de muito esforço do ainda "franzino" filhote pra rompê-la- e se revelando o milagre da vida. Pra eles todos os dias é Natal, pois sempre convivem pacificamente em harmonia, e cada amanhecer, cantam de alegria. Não pedem presentes, mas Deus os agracia, mandando uma abençoada chuva, na noite de Natal, tornando o amanhecer mais fecundo, alegre e colorido, e os pássaros cantam agradecidos.
E a natureza se encarrega das cores, tons e brilho. Mesmo elementos já sem vida, dão vida ao ambiente, ressignificando sua existência e utilidade. Um tronco seco, caído ao chão servindo de assento, ou usado como poste pra cerca, onde também servem de UTI neonatal, pras "garrinchas" chocarem seus ovos. Mesmo sem vida, pode simbolizar tantas coisas: a resiliência, a passagem do tempo e até mesmo a beleza do ciclo da vida. Ele nos lembra que tudo tem um propósito, mesmo que não esteja mais em sua forma original. Essa ideia de ressignificação, pode nos inspirar a ver beleza em momentos de transformação e mudança.
Feliz Natal de muita paz , saúde e prosperidade pra todos
Fotos : Lagoa de Curral de Dentro, 25/12/2024.
Derradeiros Carreiros do Ano
28 de dezembro de 2024
Nos derradeiros dias de 2024, faltando três dias para encerrar o ano, foi dia de minha filha cumprir com a palavra dada à sua amiga -já em final de férias- de levá-la pra conhecer a cachoeira da Serra do Anastácio. As duas se afeiçoam mutuamente, visto que se conhecem, desde a primeira infância, em que Andréia -fora por um tempo- uma espécie de babá de Sabrina.
Apesar de ser uma caminhada meio comprida, mas teve-se, a palavra cumprida. Mesmo sendo a quarta ou quinta vez que subimos lá, a alegria estampada no rosto dela, é sempre de alegria e satisfação, muito também, por saber que estava proporcionando momentos de descontração e descobertas, pra sua amiga, nas escaladas das escadas naturais, e de poder respirar um ar puro e fresco, que permeava por entre árvores frondosas, da mata de terra úmida, de trilha coberta de folhagem, tornando um caminho macio, pra resfriar as patas dos cachorros, que haviam pisado por sobre pedras soltas e rochas quentes, na subida da Serra. A água gelada, e o lajedo liso, foi como uma sessão de massagem, pra pés de dedos inquietos e apertados, dentro dos tênis aquecidos pela caminhada com pequenas pausas, pra poses e fotos, nas inúmeras paisagens, que nossa convidada, levará registrada, além da lente do celular.
E também almoçamos e tomamos café, na casa de pessoas simples, mas de muito bom grado, por nos receber. Pessoas ricas de afeto, de sorriso fácil e verdadeiro, morando num lugar lindo e rico em belezas naturais.
Fotos: Serra do Anastácio – 28/12/2024.
https://youtu.be/0Yh8h7DqUMk?si=mIhd2YDqAWeP58l8
https://www.youtube.com/watch?v=kPmp2IedvD8
https://youtube.com/shorts/85CGM3H93nk?si=D2I-lMN6dhLErGM0
Ainda dá Tempo...
18 de janeiro de 2025
É o tempo cumprindo seu papel, talvez em horas incertas, insabidas e desavisadas, mas certo é, que tudo, tem a hora de encerrar e fechar um ciclo. Comprido, curto ou efêmero, mas tudo tem seu tempo definido pelos dias que se sucedem. Cedendo assim, o lugar ou oportunidade a outro que virá ocupar o lugar ou função de quem ou daquilo que foi útil, teve sua importância, por um período predeterminado. Mas tudo se renova, renasce e floresce em seu tempo; no tempo de Deus.
Os adobes dum casebre que começa a ruir, foram moldados por pessoas de mãos fortes cujos pés, amassaram o barro que os deram forma. E mesmo vindo ao chão, ainda durará um tempo, até que a chuva os desfaçam e voltem à terra, de onde foram moldados.
Pessoas duma época, em que as pessoas tinham tempo um "pro" outro. Hoje o mesmo dia, parece ter encurtado as horas. Não se tem tempo, além do que se perde nas redes sociais. Que saibamos dividir o tempo que ainda nos resta, e conviver com pessoas reais e ver as coisas que se movimentam e se vão, sem ao menos darmos conta, por conta do tempo que se perde vendo telas quase o tempo todo.
"Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo"
Tempo Perdido - Legião Urbana
Fotos: Nos arredores de Curral de Dentro/MG, 18/01/2025.
Canto dos Recantos
01 de fevereiro de 2025
Hoje fui ali dá mais uma volta com os “dogues” e na volta, já com o sol se escondendo, ouvi um aboio que vinha descendo uma ladeira, que finalizava num pé de mulungu, como que servindo de escora pra represa de terra batida. E logo vi um pequeno rebanho de reses, umas grandes e alguns bezerros, que vinham sendo conduzidos por dois vaqueiros, até à represa pra beberem água –na minha época de infância, o lugar onde o gado bebia água no rio, chamava-se “guada”.
Um dos vaqueiros era “Daca”, muito conhecido aqui na cidade. Que ainda atua num ofício quase extinto por aqui, visto que os mais velhos já se foram. Por ironia do destino, essa semana, fora sepultado mais um. Meu primo Valdeci Gomes –conhecido popularmente, por “Lióis”– muito conhecido na região e também gostava de “labutar com gado”. Sempre era visto, mesmo quando estava de moto, carregava seu chapéu de couro pendurado no pescoço, já pronto pra “lida” –cujo chapéu, foi colocado sobre o caixão no dia do seu velório, pois era seu inseparável companheiro de todos os dias. Filho do saudoso "Ti Zé Preto" que também não se apartava do seu chápeu de sola. Nos seus causos, ele me contava, que na sua "mocidade", fazia apartação de gado, e saía em comitiva pra fazenda na região de Medina/MG.
Ouro dia, ouvi de longe, “Daca” aboiando o gado, mas não o vi, até escrevi:
https://www.facebook.com/share/p/1BEbdv86qo/
[...]Decerto fosse “Daca” um velho conhecido
Vaqueiro por ofício e profissão
O que hoje, não é fácil de se ver não!
Sempre o vejo em minhas caminhadas
Cabra tranquilo de sorriso fácil
Sempre me pergunta: se não vi uma rês desgarrada,
Dum lado seu facão, do outro, sua faca amolada
Dentro duma bainha, na cintura atravessada.
Com cabo de madeira; uma peixeira
Instrumento de muita precisão desavisada
Tirar uma “imbira” pra amarrar a porteira
Que os dois neroles de força desmedida,
Medindo força, a deixou desmontada
É preciso do cavalo apear, pra ajeitar.
E seus fiéis companheiros já cansados
Quase arquejando, voltam perfilados
Ansiosos para chegar em casa
Comer um bocado de feijão escaldado
E se ajeitar ao redor do fogão amornado.
Andam trotando no ritmo do cavaleiro
Montado em seu cavalo castanho-magro,
Camisa “retaiada”, e braços acinzentados
Riscados pelos espinhos agulhados
Que ficam à beira dos carreiros,
Dias de muita lida, de janeiro a janeiro.
Mas hoje, o encontrei e ainda o avisei sobre duas éguas que estavam com seus potrinhos. Uma delas, estava pastando dentro d’água com seu filho com água já pelo pescoço. Já meio de longe, o avisei que tinha visto –o recado chegou até ele, levado meio pelo vento– e ele veio para acudi e retirá-los dali. E como bom vaqueiro que é, ainda cuidou duma enfermidade da orelha de outro cavalo que estava por ali.
Entre muitos que conheci desde a infância, dois ainda estão dando seus aboios pelos “boqueirões” da região da Serra. Geraldo Vaqueiro e Seli Preto. Ambos moram em Barreiros distrito de Berizal/MG. Todas as tardes, um aboio ecoava entre os boqueirões do mangueirão, da fazenda Gameleira, décadas atrás. Era “Geraldo Vaqueiro” ajuntando o gado para tirar o leite no dia seguinte. Se via ao longe, o cordão branco que se formava das vacas enfileiradas nos carreiros entalhados por entre as pedras pelas tantas idas e vindas das reses. As cinco horas da manhã, o vaqueiro já estava dentro do curral, com o caneco na mão, pra tirar o leite, e a cada período já com a idade pra lida, era ajudado por seus filhos; Elsão, Getúlio, Silvano e Geni.
O “Canto” dos vaqueiros está ficando quase esquecido, mas a memória daqueles dos quais ouvimos cantar pro gado se ajuntar, certamente ecoará na nossa memória por longos anos, em qualquer canto que estejamos.
Fotos: Em torno da cidade de Curral de Dentro/MG – 01/02/2025.
Cantares
04 de fevereiro de 2025
A proximidade da Natureza com a Cidade, cria uma sinfonia de sons mecânicos e sons de diversas notas e frequências musicais, emitidos pelos atores e cantores da fauna. E a leveza com que os patinhos nadam, cria um cenário dum verdadeiro "Lago dos Cisnes", num palco a céu aberto, e aberto ao público.
Se respeitarmos o espaço do outro, e entendermos que o nosso direito acaba, quando começa o de outrem, dá pra se viver em harmonia. Entendendo que os deveres, vêm antes dos *supostos" ou pretensos direitos.
Fotos: Lagoa de Curral de Dentro/MG - 04/02/2025.
https://youtu.be/3QwY63qdzoE?feature=shared
Que Sejam Eternas, se "Fores" Flores!
15 de fevereiro de 2025
Os Titãs um dia disseram:
[...] Flores, flores
As flores de plástico não morrem[...]
As flores de plástico, realmente não morrem, mas também não nascem, não exalam perfumes, não atraem abelhas, borboletas, nem beija-flores. Não perpetuam suas espécies, além disso, ficam dezenas de anos na natureza e enchem os papos das aves, na esperança de estarem alimentando de sementes coloridas, pela sua cor vibrante, mas morrem de inanição, com o papo cheio de objetos que não se digerem.
Por falar em plástico, essa semana eu assisti a uma reportagem na TV, onde o jornalista da Band Rodrigo Alvarez, fazendo uma metáfora irônica, duma triste realidade, quando era mostrado uma ave morta numa praia, por inanição. Mas mostrava seu papo aberto, todo cheio de objetos plásticos coloridos. É uma ironia, aves morrendo com o papo cheio, é uma imagem muito triste de se ver. No final da reportagem ele disse: “Mas vale um canudo de plástico na mão, que um pássaro voando”. A reportagem era sobre o uso do plástico, onde o presidente eleito dos Estados Unidos –indo na contramão do que preconiza as novas gerações e do ecologicamente correto– voltou a liberar o uso dos canudinhos de plásticos, que vinha sendo substituídos pelos de papel que são biodegradáveis, ou pelos de metal, esse; de uso contínuo, sem ser descartado. Pra eles o que importa é o lucro a todo custo, nem que pra isso, custem vidas.
Com que direito, o homem se acha na razão de invadir uma coisa que já achou pronta, construída por mãos divinas, literalmente mete aos mãos, destroem e usam da forma que acham convenientes somente a eles, sem respeitar os seres que aqui já estavam antes de nós, e são os verdadeiros donos de tudo. Essa talvez seja a verdadeira ignorância, sabem de tudo que fazem de forma desordenada, e extinguindo vidas silvestres. Os animais são desprovidos de inteligência, mas são cheios de instinto e sabedoria que Deus os deu para usar e não degradarem. Enquanto os seres humanos –na sua ignorância cheia de pretensa razão– em nome do seu bem estar e conforto, vivem em casas confortáveis, em detrimento até de esgotando dos recursos naturais, e destruição dos lares daqueles seres que vivem na natureza. São esses seres, que colocam o planeta terra em funcionamento. São disseminadores de sementes que formam novas florestas, as quais fazem brotar novos cursos d’água, enquanto que o homem em sua maioria, só usa, degrada e polui.
Seria incrível, se tudo que fosse reciclável, fosse de fato “reciclado”. Devemos nos reverenciar aos catadores de recicláveis, que catam latinhas, pra comprar seu almoço e a janta incerta, certos de que, estão ajudando aos pássaros, não morrerem de inanição, com seus papos cheios de tampinhas coloridas achadas à beira mar, jogadas por uma sociedade consumista e inconsequente, causando danos irreparáveis ao planeta. Precisamos repensar a nossa maneira de consumir, a natureza não recicla e não se decompõe com a mesma velocidade que os humanos consomem, descartam e poluem o planeta.
Se a humanidade não mudar agora, pode chegar um tempo que que os poucos bilionários, poderão está em suas casas suntuosas, deitados no sofá –com um tapete de pele de animal caçado num safari– estendido no chão, escorado numa bela almofada de pena de ganso, e o cofre cheio de março de dinheiro, mas sem poder saciar sua sede –que é maior por poder e dinheiro que pensar em preservar o meio ambiente, pra que se tenha água potável. Sedentos por um copo d’água potável que não valorizaram quando corriam puras e cristalinas nas nascentes, agora todas poluídas ou assoreadas pelos rejeitos descartados da extração mineral, para se fabricar um novo celular ou um novo carro, que são fabricados pra ter vida curta, e com isso, as fábricas faturarem ainda mais.
As nossas mentes a todo momento, é bombardeada por comerciais de TV, palestras e conselhos de “Influencers” nos influenciando a ser competitivo no mercado financeiro, ou de personalidades e artistas fazendo divulgação de plataforma de jogos. Desde as igrejas, que exibem depoimentos das pessoas crescendo financeiramente num milagre que não as fazem crescer pra outra visão de mundo. Só se preconiza o crescer –não um crescer como um ser que seja mais humano– mas um crescer financeiro, ser um "grande" homem de negócios. Excetuando aqueles que se tornam grandes, por deterem o conhecimento de fazerem um transplante de coração e salvar uma vida –se assim Deus o permitir– aqueles que fazem descobertas de medicamentos que ajudam a curar ou amenizar o sofrimento daqueles que são acometidos por doenças, muitas delas, causadas por ações do próprio homem. À essas pessoas, eu bato palmas.
O descarte de um objeto supostamente barato pra um rico, custará muito caro pra natureza onde o custo será pago pelos seres e elementos que fazem a manutenção da natureza. O lixo que saiu de nossas casas e a deixou limpinha, irá sujar a casa dos animais que vivem na natureza, ou entupirá os bueiros, fazendo voltar a água da chuva, alagando também a casa dos milionários.
Do botão à flor
Da flor à semente
Da semente... novamente à terra,
Tem que morrer pra germinar,
E nascer, pra novamente florescer !
Que na natureza só exista o colorido, das flores, aves animais, coroados pelas cores do arco-íris, após mais uma chuva trazendo mais cores às nossas vidas.
Fotos: Zona Rural de Curral de Dentro/MG – 15/02/2025.
A Importância de “Ser”
02 de março de 2025
Por mais simples que sejam as coisas, os seres ou as pessoas, elas têm sua importância de ser, de existir de estar ali. Hoje em mais uma caminhada com os cachorros –teve até outra cadela que estava no final da rua, e insistentemente fez amizade com os outros, e nos acompanhou. Observando as frutinhas do cerrado: Pinha do cerrado e Araçazinho, fiquei pensando na importância que se dão hoje em dia em coisas fúteis. Uma simples Pinha do Cerrado –não é fruta nobre, como Fruta-do-conde– mas é essencial para os animais e aves, que dela se alimentam, a tornando importante e vital. Talvez a nobreza não esteja nas vestes, no cargo que ocupas ou no status, e sim, no valor que temos pra nossos “entes”.
Não devemos nos envaidecer pelo cargo em que ora ocupamos. Se faça ser útil, se sinta capaz e à altura, em poder fazer a diferença e não usarmos de fisiologismos no exercício do cargo, para se promover em causa própria, em detrimento da supressão ou diminuição dos direitos de terceiros. O cargo é temporário e transitório, e quando findar o mandato ou período, sua suposta importância terá chegado ao fim. Mas se fomos úteis para alguém, sempre seremos lembrados. Não como pessoa importante, mas como pessoa generosa e que se comove com a necessidade do outro. Se importe com as causas alheias que vierem ao seu conhecimento, e tente ajudar ou solucionar da melhor forma possível, enquanto pessoa pública. Em contrapartida, não se ocupe de todo seu tempo, com as atribuições do seu cargo. Mas viva paralelamente a sua vida particular, dedicando tempo aos “seus” senão ao final, corremos o risco” de termos deixado de viver todo esse tempo, que em tese, fora importante, mas que pra si próprio, tenha sido “desimportante”. Se torne importante e necessário, praqueles que se importe contigo. Fuja de bajuladores e oportunistas, preserve as amizades que advém dantes de sua “importância” porque esses, verdadeiramente se importam.
Atualmente, tem-se um modismo ou hábito de somente usar e comprar o que vem de outros países. As pessoas deveriam valorizar primeiro, o que é do nosso país, do nosso estado e de nosso município, senão estaremos ajudando a prosperar lugares distantes de nós, da nossa comunidade. Mesmo tendo um potencial econômico, não prosperará em função de que só valorizamos o que é importado. Até mesmo as lojas nacionais, às vezes põem um letreiro em Inglês, pra que supostamente seja vista com mais importância. Uma dupla ou um cantor, mesmo sendo talentoso e dono de uma voz aveludada, mas se não usar de um pseudônimo –e de preferência um substantivo meio “ inglesado”– talvez não será reconhecido pelo seu mero substantivo simples e de talento nato.
Ainda que pra muitos, sua importância seja insignificante, não importa; o importante, é que as pessoas que te rodeiam, se sintam orgulhosos da sua importância pra eles, isso já é o bastante.
Fotos: Área rural de Curral de Dentro/MG, 02/03/2025.
Lua Tingida Faces Rosadas
14 de março de 2025
Nesta madrugada de sexta-feira, a lua se fez avermelhada, com maior nitidez; um vermelho que não era de timidez, mas dum fenômeno raro que acontece a cada quatro anos, devido ao eclipse lunar, conhecido como “Lua de Sangue”. Ficando avermelhada, como a face duma mocinha “acanhada”, onde o sangue lhe subia à face, em face do pedido de namoro extemporâneo e repentino do rapaz, também de bochechas não muito descoloridas. Num tempo em que se tinha que ficar face a face, para declamar poucas palavras —mas que demandava uma vida inteira pra tomar coragem— ou um bilhete carinhoso, escrito até mesmo, à tinta vermelha, caso não encontrasse uma caneta azul, o importante era externar um desejo contido.
Sem o verde do whatsApp ou o azul do messenger de hoje, que às vezes se apresenta "roseado", como o instagram, ambos corados, tal qual o "rosto" da lua dessa madrugada, as mensagens viajavam fisicamente, não virtualmente e com a velocidade da luz, das redes sociais. Às vezes viajava de mão em mão, um bilhete que saíra dumas mãos suadas, até chegar às mãos da pretensa namorada. Rapazes comedidos e reticentes, com palavras comedidas. Atualmente, a maioria já avança o sinal, mas em meio à milhares, um ou dois, ainda lhes pedem uma simples foto três por quatro de seu belo sorriso.
Quem não tem uma boa câmera fotográfica, pra esses momentos eternizar, que se contente com a lente do celular, sem muita resolução, mas que também causa muita emoção, ao ver um astro de tamanha beleza, passando devagar na imensidão escura, pondo-a em destaque, pra dar tempo de se apreciar.
Fotos: Do quintal de casa, na madrugada de 14/03/2025.
Viagem nos Trilhos do Tempo
04 de abril de 2025
No nosso cotidiano, por mais que conhecemos e convivemos com novidades, ainda nos deparamos com imagens de tempos passados. Numa árvore próxima a um curral, estava a matéria prima, que há muito fora usada pra se moldar e costurar bruacas, que eram cosidas por mãos fortes, ou trançar laço de oito fio, de couro cru, pra laçar e levar no mourão, boi bravo e arredio. Com uma mão, segurava-se o bravo e a outra, agarrada na rédia, pra rodear o também ligeiro, alazão.
E jogado à beira duma estradinha, velhos mas resistentes ao tempo, alguns trilhos –que em sua superfície, rígida, maciça e inflexível– está impressa o desgaste que as rodas dos trens que por eles passaram um dia, escrevendo uma história, que não se sabe o começo, mas o tempo se encarrega de dá um fim.
Mesmo parados e estáticos como também estivera dantes, em cima dos dormentes da linha do trem, eram condutores de pessoas que carregavam suas coisas e suas histórias. Talvez os trilhos, tenha a capacidade ou a magia de nos transportar no tempo. Tem elementos, que mesmo parados, são condutores de movimentos. Assim como as pessoas, mesmo quietas, seus pensamentos voam longe.
Essa imagem bucólica e pouco usual das coisas e afazeres, nos dias de hoje; me fez lembrar de meu saudoso tio “Zé Gome”, conhecido também por “Zelão”. Em sua mocidade, fora vaqueiro e amansador de burro bravo, mas com o chegar da idade, gostava mesmo, era do sossego. Do aconchego dum pé de fogão, regado à várias xícaras de café quente e forte.
E quando lhe era pedido pra dar sua alta e grave "risada", fazia a prole de pintos –que ciscavam alegremente no mangueiro ao lado da casa– se esconderem debaixo das asas de sua mãe "pedrês" de quadril saliente. Até o cachorro –meio preguiçoso, pela “quentura” do sol da tarde– dormindo na calçada, suspendia a cabeça espantado, achando que fosse um trovão, que ecoava vale abaixo, cortado pelo Rio da Gameleira. Mas também gostava duma dose “crescida” de umburana ou quina, num copo americano, que após descer garganta abaixo, já de orelhas vermelhas, com movimentos alternados –batendo à galope, uma mão após a outra no formato de concha, na parte de trás do antebraço e cantava:
Venha cá
“papagai”
Sai da “gaia” do pau
Com seu bico de cera
É de toda madeira
Com seu bico de prata
Seus ‘carim” que me mata
Com seu bico de ouro
Tá com Zé Gome no namoro!
Fui descendo “ri” abaixo
Numa canoa furada
Ariscando minha vida
“modo” uma coisinha de nada [...]
Rapaz solteiro, e já bem "maduro". De cara meio fechada, mas também de riso fácil. Sempre assentado ao lado do esteio de aroeira, ao pé do fogão da casa grande de sua irmã – e minha mãe, Dona Maria Júlia – na fazenda gameleira. Não guardava desaforo, e por qualquer “contrariação”, abraçava sua sanfona, subia a ladeira da gameleira, dedilhando algumas notas musicais desconexas, mas eram melodias cheias das memórias vividas por ele. Cantiga de uma despedida, mas de um não demorado retorno, à casa de sua irmã, que sempre era sempre bem-vindo, até nova “contrariação”.
Hoje com a interação às imagens virtuais, quase não se tem tempo pras imagens das coisas físicas e reais. Ainda mais, a de um couro esticado e pendurado à sombra –com balanços suaves, esperando o tempo passar– pra se secar e maturar. Talvez não seja somente momentos de saudosismo, mas também saudável ao nosso condicionamento físico e mental, pra quem mora em cidade pequena, e tem a natureza como se fosse a extensão do nosso quintal.
Fotos: Em torno da cidade de Curral de Dentro/MG, 04/04/2025.
Tarde Silenciosa
09 de abril de 2025
Na calmaria duma tarde de outono, já meio fria, a Lua sobe, vagarosa e majestosa, já “pispiando” a noite que se desenha no horizonte. Seu brilho, refletindo no espelho d'água, colorido de azul celeste, água quase tão serena e silenciosa, quanto o céu que a hospeda, lá no alto, resplandecente e grandiosa.
Fotos: Ao redor de Curral de Dentro/MG, 09/04/2025.
https://youtu.be/57aTbJMtzFE?feature=shared
Preces e Prosas sem Pressa
18 de abril de 2025
Hoje fui conhecer o Cruzeiro da cidade que fica a 1,5 quilômetros de casa. Apesar de já morar aqui há mais de vinte anos, ainda não tinha ido até lá. Um lugar de Retiro Espiritual, que todas sextas-feiras Santa, os fiéis saem em procissão da Igreja Católica bem cedinho, até o pequeno rochedo em que o hospeda. Apesar da simplicidade, mas tem muito simbolismo religioso, praqueles que buscam renovar e reforçar a sua fé, no mentor e criador de tudo que há no universo; Deus.
Eu fui depois das dez horas, mas como o dia estava nublado, o clima estava ameno e tranquilo, pra gente ter nossos momentos de paz e introspecção. Depois de algum tempo, chegou um conhecido meu e ficamos conversando sobre a história daquele lugar. E logo em seguida, veio um carro: era o filho de Dona Eremita, juntamente com outros familiares, que a levou pra fazer suas orações –visto que já não mais consegue ir andando em face da sua idade.
Uma já nonagenária moradora da cidade de Curral de Dentro/MG, que certamente viu e acompanhou muitas transformações no tempo e na cidade. Apesar de seus noventa anos, e com a voz já meio embargada, de fala mansa e pausada, pelo desgaste natural da idade, e muito talvez, pelo falto de ter sido professora por muitos anos, sendo uma das primeiras professoras do até então, distrito de Curral de Dentro que outrora, já fora Camandu e São João do Campo Alegre. Professora de toda uma geração que hoje já são avós, assim como ela já é bisavó.
Mas de mente muito lúcida –uma testemunha ocular– da história da cidade. Após finalizar suas orações, eu fui “entrevistá-la”–tendo seu filho, como interlocutor– sobre a simbologia e história que envolve o Cruzeiro. E ela, muito gentil, solícita e educada, foi nos relatando sobre a história; principalmente do Cruzeiro, dos seus fundadores, e todo o movimento que envolveu sua implementação, pra erguer a cruz de madeira, que se tornaria um símbolo religioso da cidade.
Ao lado escorado à sombra, o velho cruzeiro de madeira que fora substituído por um de concreto, visto que o tempo o fizera velho e desgastado, mas permanece ali, como testemunha da história.
Na volta, aproveitei e passei em "Cal da Alface" pra comprar rúcula pra salada do almoço, acompanhado dum pirão de Traíra, que minha vizinha Dona Ana, gentilmente me presenteou essa semana, pra cozinhar no almoço de hoje. O bom de cidade pequena, que ainda preserva esses gestos entre vizinhos. Eu não tenho nenhum problema em "chamar no muro", e pedir um pouco de sal, de café, ou de corante, que desavisadamente acaba, e num momento impróprio pra se comprar.
Temos que manter esses gestos que aproxima as pessoas, num tempo de distanciamento social, causado pelas telas virtuais.
Fotos: Cruzeiro da cidade de Curral de Dentro/MG, 18/04/2025.
https://youtu.be/gWVFA4yEEy8?feature=shared
Travessias
24 de maio de 2025
Um “bequinho”, senão a menor e a mais estreita rua da cidade, mas também acaba ligeiro. Tão tranquilo quanto as "Ruelas" das cidadezinhas da Itália, Portugal e tantas outras cidades de mais de 500 anos. Diminuta e estreita, em menos de um minuto, dá pra se percorrer do seu início ao fim. Mas sua pequenez, não a deixa menos importante, visto que dá vista para o cartão postal da cidade.
Talvez muitos que aqui nasceram, ainda não a percorreram seus setenta e poucos metros. Seja pela correria, seja talvez, por não prestarem atenção e dar a devida importância às coisas simples, mas cheia de charme. Merece até roupa nova, tal qual as das crianças que a percorrem, após poucos passos, dando os seus primeiros “esticados de pernas”, ainda meio “desafirmados” –tal qual passos dos recém-nascidos joão-de-barro, conduzido por seus pais, tendo as primeiras aulas de sobrevivência à beira da lagoa– cujos olhos, veem o mundo com muita pureza e magia, ao descobrir coisas novas. Peixinhos que nadam na lagoa.
Um belo cartão postal, que esta pequena rua abre no seu final, criando um belo plano de fundo, nas manhãs e tardes ensolaradas, alargando a visão do Horizonte, atravessando os dias que se sucedem, no vai e vem das pessoas, que se cruzam no sobe e desce, nas Ruas e Travessas duma cidade que dia após dia, cresce; como crescerá as crianças de hoje, dando passos mais longos, atravessando novas e longínquas Avenidas mundo afora, mas sempre estarão de volta, pra rever e encontrar os amigos de outrora.
Fotos: Beco da Lagoa 04 - Curral de Dentro/MG - 24-05-2025.
A Caminho da Escola
28 e maio de 2025
Ainda não chegou, falta mais de um mês pra se iniciar. Mas a julgar pelo “despir” do ypê –e o vestir de manhã, tirar meio dia e tornar a vestir à noite, dos suéteres, blusas e jaquetas– não demora muito, e decerto virá. Estação mais fria e aconchegante do ano, com crianças –pisando por sobre esse tapete macio, confeccionado pela natureza– logo de manhã, a caminho da escola, exibindo suas blusas novas de gorrinhos coloridos, assim como o ypê –que também irá se vestir de roupa nova na primavera– exibindo suas flores de cores vibrantes e alegres, nesse constante desabrochar e renovar da natureza, que muda a cada instante.
Fotos: Rua Águas Vermelhas, Curral de Dentro/MG 28/05/2025.
Desfiles em Família
23 de junho de 2025
Depois dos cachorros, eu acho os cavalos, um dos animais mais dóceis – com seu focinho de textura macia e aveludada, mas de dentes muito fortes, capazes de triturar uma espiga de milho seca, feito a chiclete de bola –com seu mastigar com "barulhinho" de torresmo com pele frita– sempre olhando pra gente com toda calma do mundo. Apesar de não serem domésticos, mas podem ser domesticados, e conviverem pacificamente em meio às pessoas. Quadrúpedes de passos lentos, mas cadenciados, capazes de percorrerem grandes distâncias. São muito tranquilos, passeando pelos quatro cantos da cidade, passam até pelo paço municipal (Prefeitura), como que requerendo sua licença para transitar por todo o Curral de Dentro.
Se forem “escarrerados”, suas ferraduras estalam em pedras duras, cortadas em paralelepípedos calçando as ruas – por onde desfilam perfilados em fila indiana com cavaleiros e também belas amazonas– se de dia, se torna pras crianças, uma alegria e até param pra uma fotografia. Se noite for; das ferraduras saem fagulhas de centelhas luminosas –feito a piscadas de vagalume, em noites de pós chuvas– às beiras dos muros dos becos de luz ofuscada pela neblina da madrugada.
Personagens sempre presentes em cidades do interior, e que fazem parte do cenário. Sempre em desfiles desavisados e inesperados, com seu andar sossegado e sem pressa, a experimentar gramíneas à beira dos meios-fios e calçadas, ou pastando ao redor da lagoa, com as garças os acompanhando, para também aproveitar pra comer uns “petiscos” que são revolvidos da pastagem, com o puxar de lábios fortes –feito a dona de casa colhendo capim-cidreira, pra mais um cheiroso chá de ”esculateira“.
Não à toa, o nome da cidade está inserido no contexto interiorano e de vida pacata, que apesar dos veículos modernos e velozes, os dias ainda passam a galope. E ainda oferecem adubo de graça, pras donas de casa adubarem seus caqueiros de ”Crotes“ e ”Antulhos“, pra deixarem suas plantas mais vistosas e graciosas e de brinde; ainda brotam pequenos cogumelos no adubo úmido.
Fotos: Flagras ao andar pelas ruas da cidade de Curral de Dentro/MG.
Uma viela de poucos metros de extensão, mas que se estende a longos anos na história. Onde passavam donas de casa com cestas vindo da –sempre “farturenta” feira de sábado– rumo à Rua Rio Grande do Sul, Teófilo Otoni, Avenida da Saudade, e ruas adjacentes. Corta caminho também, pra visitas ao cemitério onde de fato se repousa muitas saudades, dos entes queridos, sempre lembrados no dia de finados. És tão estreita; como são os laços de amizades das donas de casa, que se encontravam –num tempo até então, onde se permitia que as conversas se alongassem.
Por ali também, transitavam “Moleques” com suas caixas de picolé, geladinho e caixa de engraxate, trocando dinheiro em miúdos, pra facilitar o troco, pra quem tentasse os enrolar, dando “notas graúdas” de cinco e dez cruzeiros –quase uma fortuna, em meio às moedas de cinco e dez centavos– pra cobrar um picolé, já na intenção de dar o calote. Mas a expertise –daqueles pés empoeirados, com sandálias gastas– já estava à frente daqueles clientes espertos, que queriam comprar, mas sem de fato gastar.
Hoje se tornou atalho rápido, pra quem chega na cidade pela Avenida da Saudade, pra se acessar a Praça Joaquim Teixeira, no centro. Seja a trabalho ou a passeio, pra matar a saudade em visita à Bela Taiobeiras. Finaliza abrindo uma bela vista duma praça arborizada e sombreada pelos majestosos ficus, que também são patrimônio da cidade. Em suas duas esquinas, por longos anos, ficou retratada duas tradicionais farmácias: Farmácia Almeida e Farmácia Popular, cujas famílias, residiam no quarteirão que guarda essa travessa –pequena em tamanho, mas grande na sua importância.
Antes era de terra batida, onde a água que gotejava das telhas comuns das antigas casas à sua margem, escorria em pequeno rio, mas grande o suficiente, pra navegar um barquinho de papel –viajando junto com o imaginário infantil– rumo à praça, que já se juntava à outras águas, onde já vinham navegando também, os leves e flutuantes filtros de cigarros e outros barcos à deriva. Como as tampinhas de refrigerantes, com figurinhas dos personagens de Walt Disney, e outros desenhos animados, impressos na película de vedação da garrafa de 300 ml –cujas tampinhas, tinham um grande valor para colecionador– descendo pelas corredeiras da Rua Pedra Azul. Lavando seus paralelepípedos, o que hoje corre mais ligeiro, por sobre o asfalto abrasivo, mas plano.
Pra percorrê-la, são pouco mais de sessenta passos de adulto e menos de seis em sua largura –o que inevitavelmente aumenta, com a “vagareza” e passos mais lentos da idade– a mesma que também chega pra cidade, que sempre se moderniza, mas também guarda traços remotos, mas não muito longínquos, visto que a cidade é somente uma “Septuagenária”, desde a sua emancipação política, conquistando sua independência. Mas do empilhamento de adobe sobre adobe, pra se erguer as primeiras casinhas no até então Jardim das Taiobeiras, certamente já atravessa mais de um século.
A até então, não muito importante, também ganhou pavimentação de bloquetes. Não és como antes; silenciosa, mas ficou uma senhora mais graciosa. Agora permite passar pequenos veículos –só de ida, é claro, dada a sua estreiteza– mas tem passeios, praquelas mesmas donas de casa –agora, já com seus netos e até bisnetos– poderem passar, contando a eles, um pouco da cidade, num passeio atravessando o tempo, fazendo história.
Fotos: Travessa Venuta Rêgo - Taiobeiras/MG, 09/07/2025.
Os Sons da Madrugada
21 de julho de 2025
Incrível como o silêncio é capaz de potencializar alguns sons que passam despercebidos no dia a dia. Na madrugada até o tic-tac do ponteiro do relógio da parede da cozinha, pode ser ouvido do quarto ao lado, com a porta entreaberta. São segundos que vão se sucedendo num intervalo cadenciado, sendo marcado pelo som que se ouve em alto volume, em função da quietude da madrugada fria. O tic-tac se torna firme e forte –como se fosse piladas duma dupla de braços fortes femininos, pilando folhas de goiaba pra se “destingir” o vermelho do arroz, avermelhando suas faces suadas, à beira dum pilão de angico. Dando alongadas “gaitadas” (risadas), lembrando das estripulias da mocidade. Namoros às escondidas nas rezas, ou nas Folias de Reis. Foliões assoprando suas gaitas (flauta) de bambu –cujas fragrâncias dos desodorantes spray: Avanço, Senador, Mistral, Vaness, Musk,Três Marchand, Axe, Alma de Flores e as Colônias:Tabu e Charisma para os mais “granfinos”– se exalava em meio à cantoria e caloria, do “ajuntamento” na varanda apertada da pequena casa, que quase não cabia as dançadeiras da folia, com suas faces meio “esbranquiçadas” –pelo excesso do Leite de Rosas. Os rapazes solteiros, exibiam orgulhosos, no pulso, seu oriente ou Seiko automático comprado pela “panha” de semente de capim, comprando também uma “muda” de roupa nova.
Após essa rápida viagem no tempo, o sono não vinha. Os gotejos cristalinos, pingavam calmamente, das velas do filtro São João em cima da pia da cozinha. Outro “ploft”, eram pingos da torneira, pingando no metal da pia, esses mais demorados. E para completar essa onomatopeia; de quando em quando, em intervalos programados a geladeira ligava o motor pra –esfriar ainda mais a madrugada.
Hoje não teve os jatos da madrugada cruzando os céus –com o som de trovão ao longe– numa estrada aérea imaginária: São Paulo Nordeste e vice-versa, o que durante as tardes, cruzam o céu. Com suas enormes turbinas, “tritura” o ar, assoprando vento gelado em gotículas cristalinas, riscando longas linhas retilíneas, que lentamente se apagam.
Lá fora no quintal, o vento bailava as folhas do folhado falso Pau-brasil de folhagem densa –que nalgumas noites, os cachorros daqui, fazem uma verdadeira “latomia”, “acoando” um saruê em suas galhas, o que é preciso eu “raiar” com eles, pra não perturbar os vizinhos– com seus cachos cheios de sementes vermelhas esmaltadas brilhantes –feito à unhas recém-pintadas, de moça caprichosa– onde os pardais fazem serenata já com o dia clareando. Mas na calçada em frente da casa, cresce um Pau-brasil verdadeiro, que demora ficar adulto, como toda árvore nobre.
O sono ainda não havia voltado, ouvia-se uns dois cantares com batidos fortes de asas, dos despertadores das madrugadas, às 3:15. Alguns latidos ao longe e em baixo volume, dos "sentinelas noturnos" com seus latidos meio contidos, invadindo a madrugada gelada. Não teve o grilo cricrilando, mas o mangangá veio –como sempre, já pelas cinco horas da manhã– sobrevoando as flores do pé de boldo, ao pé da janela, ao lado da amoreira, que serve de palco para apresentação das figas, com seu canto agudo-estridente. Mas agora sem frutas, está se despindo, dá pra se ouvir quando suas folhas secas caem tocam ao chão. Se despindo pra brotar na primavera, e “enfeitar” de cachinhos roxos chamativos e adocicados.
Noite de insônia em casa, 21/07/2025.
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Colcha de Retalhos
23 de julho de 2025
Chegou a época das colchas bordadas espalhadas pelo chão. "Cosida" em poucos dias, mas leva tempo pra "fulorar", e poucos dias pro chão enfeitar.
Visto que é perecível, se torna efêmera e sensível. São de pouca duração, mas duram o tempo necessário pra uma contemplação. Fotos: Pátio da E. E. Veríssimo T. Costa, Curral de Dentro/MG -23/07/2025.
Fotos: Pátio da E. E. Veríssimo T. Costa, Curral de Dentro/MG - 23/07/2025.
As Cores dos Saberes
10 de agosto de 2025
O acaso dos instantes, às vezes nos faz depararmos com imagens inusitadas, curiosas e inesperadas, e que se apresentam em similaridade com a vida real. Imagens passageiras, de pouca duração, mas que nos transportam para momentos de reflexão.
Nesta tarde de Dia dos Pais, com um céu de cor única, cruzava um grande avião, e ao seu lado, como se seu filho fosse, outro menor voando lado a lado, como pai e filho. Se assim o fosse; certamente estaria lhe dando conselhos: em quais caminhos poderia passar e seguir seu destino em segurança, em quais pedras seguras poderia pisar. Nos cruzamentos, sempre atravessar sobre a faixa branca, e com o semáforo na cor verde. Quais esquinas e em quais horários, podem ser dobradas, redobrando a atenção, nos caminhos adversos da vida –e quais frutas são comestíveis– assim como os pais dos seres da natureza ensinam a seus filhos.
Ironicamente, o jato deixava um rastro branco –como se longos cabelos brancos fossem– cor que muitos seres humanos não aceitam. Certamente, os fios brancos, se traduzem em aprendizado e sabedoria, que podem ser repassados àqueles de cabelos pretos-brilhantes, e principalmente e “obrigatoriamente”, àqueles que ainda estão nascendo os primeiros fios de cor ainda indefinida.
O tingimento na natureza é belo, sazonal e necessário. Um carreiro de vegetação acinzentada, todo tingido de marrom pelas inúmeras folhas que o cobre, logo logo, será uma trilha toda folhada de folhas tingidas de verde e flores multicores. As que caíram se transformarão em adubo, nutrindo as plantas pra se vestirem de roupa nova.
Não se pode mudar o que é imutável. A lei da vida se cumpre. Às vezes tentamos retardar a aparência, que inevitavelmente se transforma com o tempo. Ou agente se aceita, ou sucumbiremos num mundo de aparências superficiais não duradouras, vivendo em constante frustração, por não aceitar as mudanças que o tempo nos traz.
Os inevitáveis cabelos brancos –ao contrário do branco duma página ainda com suas linhas vazias de manuscritos– são fios cheios de experiência de vida. De capítulos que certamente servem como “rascunho”, para se escrever novos capítulos, sublinhando os acertos, ainda que não sejam sublimes, mas que também teve muito esmero, até vir os primeiros passos. Talvez seja necessário tracejar uma linha em vermelho, no que deu errado, pra que fique “tachado” como irrelevante, pra quem está começando a escrever suas páginas, no livro da vida.
Feliz dia dos pais. Praqueles que ainda os têm; o abrace. Praqueles que não os têm mais –mas já os tiveram– e com certeza, estiveram sempre ao lado do filho, assim como o avião que voava ao lado do "filho" nesta tarde.
Fotos: Tarde de domingo ao redor da cidade de Curral de Dentro/MG, 10/08/2025.
Fornalha Apagada
16 de agosto de 2025
Uma velha cancela –à beira duma estrada empoeirada de árvores desfolhadas, com folhas que caem amiúde e silenciosamente a cada inverno, pra que na primavera, brote às centenas de milhares– derreada, quase prostrada, mas ainda dá guarida à uma velha morada. Ao fundo, uma grande casa, de fachada já descorada, de porta entreaberta, e janelas fechadas à tramelas, que guarda agora, somente lembranças de outrora. Quem ali morou de “primeiro”, dos braços fortes que ajudaram a colocá-la ali, certamente, não tem mais o vigor de antes, e até talvez demande mais força pra abri-la, e voltando a fechar devagar, se por ali um dia passar, a passeio pra relembrar duma história.
A fornalha que fazia a água levantar fervura na esculateira em pouco tempo, e as cinzas ainda amanheciam mornas, pelo calor das brasas do angico, aroeira e jurema branca, agora certamente, servem de praia de areia fria, pra lagartixas banharem e se acinzentarem ainda mais. Depois se aquecem na cumeeira de telhas quentes, desde os primeiros raios de sol, que à tarde, se esconde atrás do bambuzal, aos fundos num remanso d’água. Uma estrutura tubular, de folhagem densa –criando um túnel por onde passa uma estrada, rumo às comunidades de Passagem de Pedra e Laranjão– como se estivesse segurando a represa, que ameniza a subida e a descida entre duas ladeiras. O rangir dos bambus, que se entrelaçam em intervalos um pouco demorados, soa como um marcador de tempo que passa em descompasso, como os passos mansos dos cavalos que pastavam à beira do lago, nesta manhã de sábado.
Lago de águas ornamentadas com os lírios d'água, que espelham nos olhos curiosos das crianças que por ali passassem um tempo sentadas. Águas que também espelham as gaivotas que sobrevoam em V, num voo cadenciado guiado por uma ave guia, rumo a um destino certo. Num caminho livre onde o vento despenteia suas plumas, mas ao mesmo tempo, penteando-as num assoprar que ”transpassa“ suas asas, dum coração que pulsa frenético em contraste às batidas calmas do martim-pescador –pousado no arame farpado da cerca que atravessa mergulhando no lago marcando divisa– à espreita, pronto pro mergulho certeiro.
Mesmo que a fornalha se apague um dia; mas nas cinzas, poderão ficar os vestígios da história. Das cinzas, se extrai a ”dicuada“ pra se fazer o ”sabão bolo“, pro trabalhador ir pra lida do outro dia, de roupa lavada. O que está cinza hoje, amanhã poderá está verde e de flores coloridas, assim como as árvores.
********** @@@@@@***********
[...] E você corre e corre atrás do sol,
Mas ele está se pondo
Fazendo a volta para nascer outra vez atrás de você
De uma maneira relativa o sol é o mesmo,
Mas você está mais velho [...]
Pink Floyd – Time
Dando
"Rodas" à Imaginação
23 de agosto de 2025
Maior que o aro dessa bicicleta inusitada, é a criatividade
desse grande inventor morador de Taiobeiras, "Zé Cruz". Hoje tive o
prazer de passar em sua loja, e me mostrou vários modelos criados por ele. E
num painel da parede, fotos de outras épocas, onde reconheci Pedro, que por
muito tempo trabalhou com Amadeus. Nos tempos de infância, ele também fora
"aprendiz" de Amadeus, numa época em que uma bicicleta nova, era
quase um sonho distante para um adolescente. As bicicletas eram reformadas e
ficavam como nova, em sua grande e movimentada oficina de bicicleta na Rua
Santos Dumont. Amadeus um cidadão muito religioso e comprometido com as causas
sociais, incentivava as corridas de bicicleta na Av. Liberdade, e foi o
primeiro a criar em Taiobeiras, uma bicicleta impulsionada por dois ciclistas,
e o pioneiro a criar as Romarias de Ciclistas, a Bom Jesus da Lapa/BA.
Encontrei também, meu amigo Gilmar, onde ele fez um comentário
interessante: Que na
década de 70 e 80, uma bicicleta era um bem difícil de se
adquirir, e depois foi considerada veículos de "pobre" e atualmente,
voltou a se tornar um bem da "Elite", visto que tem bicicletas com
valores acima de R$ 10.000,00. São paradoxos da sociedade causados pelas
mudanças do tempo.
Fotos: Oficina de bicicleta de "Zé Cruz" - Taiobeiras/MG 23/08/2025
Pátria
Amada
07 de setembro de 2025
Na natureza tudo é sazonal, mas a cagaiteira, já se antecipou à
estação das flores, e ensaia suas primeiras flores, da primavera que está
chegando.
Num contraste entre o verde da floresta de eucalipto,
enfileirados –como batalhão de militares em desfile cívico– e o marrom das
folhas secas das árvores que foram derrubadas, me lembrei do verde e amarelo da
nossa bandeira, em que hoje se comemora a Independência do Brasil.
Com a mata derrubada, se tem uma visão panorâmica, duma avenida
com seu movimento frenético, diuturnamente, durante os 365 dias do ano; a BR
251.
Nosso verde da bandeira, tem valor, e não preço, como o verde da
mata. Mas infelizmente, tem brasileiros que se dizem patriotas, vestindo outras
bandeiras que não a nossa.
Não se pode ter vergonha de vestir as cores da bandeira do seu
país de origem. Mas num discurso demagógico e cheio de fisiologismos, tenta
pregar de “filho da pátria” mas atentando contra o patrimônio, as leis e a
soberania que rege esse país, não aceitando decisões democráticas e da maioria
dos brasileiros.
Que tenhamos brasileiros patriotas de coração, e que amem de
fato esse país, com suas cores vibrantes tal qual o verde e amarelo da
Ararajuba. Mesmo não sendo a ave símbolo do Brasil, mas carrega em suas penas,
o verde da Amazônia e o amarelo-ouro, sendo uma ave endêmica da Amazônia
brasileira.
Por ironia no céu desse sete de setembro, passou um pequeno
bando de maritacas “cantalorando”, seu hino, indo se empoleirar nalgum lugar,
depois de um dia inteiro procurando alimento.
E já vindo embora com o dia findo, despontava no horizonte, uma
grande lua brilhante, no centro dum céu que se fez azul o dia todo, como se uma
enorme bandeira fosse.
Fotos: Natureza em torno de Curral de Dentro/MG, 07/09/2025.
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Dias Vindouros
13 de setembro de 2025
O alaranjado do pôr do sol em consonância com o também alaranjado da
pequena florzinha do frutinho da diminuta palminha do cerrado, incrustrada nas
pedras ao lado dum chão alvejado pelas plumas das paineiras –que se destacam em
meio à paisagem seca, como pequenos algodão doce à venda, em tarde animada de
parque de diversão, esperando pelos clientes pequenos e até adolescentes– que
com o vento se vai. Quando chegar a chuva, esse mesmo chão não tardará, e
estará todo forrado por um musgo verde, felpudo e macio, que brota em meio às
pedras, de onde também brotará pequenos veios d’água após dias de chuvas
constantes. Descendo suavemente ainda entre folhas, cruza a estrada molhando
não só os pneus que por ali passam, mas também os pezinhos dos filhotes da
seriema dando seus primeiros passos, seguindo sua mãe nas lições de
sobrevivência, nesse universo em constante transformação, do seco cinza ao
verde exuberante.
Os galhos ressequidos do pé de jabuticaba, cuja rigidez das galhas
desfolhadas, não significa sua morte, mas sabedoria. Poupando sua seiva pra
rebrotar em florzinhas miúdas. Assim como já se mostra o pé de seriguela com
suas florzinhas vermelho-tomate. Um umbuzeiro ainda meio desnudo, mas já
carregado com seus cachinhos “branco-alvos“, esperança dos frutos vindouros que
com certeza virá, vingará e adoçará os lábios das crianças sorridentes em passeio
à casa dos avós, numa tarde de sábado. Mesmo que façam cara de “apertume” pelo
azedinho mesclado com o adocicado dos frutinhhos “rechonchudos”, que caem e
rolam ladeira abaixo, enquanto o sol se abaixa lentamente no horizonte, num dia
que também se passa devagar e sem pressa.
Uma corujinha à beira da estrada aguardando o sol de pôr, pra ir à caça
noturna, não soturna; mas alegre e de olhos bem arregalados, pra garantir o
jantar de seus filhotes. O sol deixando evidente os galhos desnudos
momentaneamente pelo inverno que será sucedido da primavera folhada, florida,
dos cantos, das cores e das primeiras chuvas.
O sol moldando e colorindo os desenhos e formas da natureza, lhes dando
contornos, sombras, nuances e formas, de tudo que nos rodeia e dá sentido à
vida. Com seu farol na contramão da nossa visão, nos revela como num negativo
de filme fotográfico, uma tela que nos traz paz, emoção e gratidão. Bezerrinhos
de olhares curiosos e focinhos brilhantes, talvez traduza a alegria –de ali se
estar– fazendo dum lugar pacato assim, o seu lar.
Fotos: Comunidade de Boa Sorte, Curral de Dentro/MG - 13/09/2025.
Texturas e Ramalhetes
27 de setembro de 2025
Cores, elementos e formas; formando um mosaico colorido da natureza. Uns
permanentes, outros coloridos pela primavera. Tudo é mutável e vivo, e aquilo
que não o é, serve de morada e abrigo para os seres vivos, ou foram construídos
por eles.
As folhas em sua maioria brotam verde e de amarelo, ficam vermelhas, até
“amarronzar” quando for cair. Mas a cagaiteira, vai na contramão. Brota
vermelho-vinho, pra depois esverdear e amarelar, juntamente com os frutos
também amarelos e “rechonchudos”.
Os ramalhetes de flores, são verdadeiros "buquês" -que não são
jogados para trás pela noiva sorridente, abrindo os caminhos às outras, que
"escarreiradas", tentam apanhar- mas que balançam à beira dos
carreiros, ao sabor do vento vespertino, que também baila junto, pássaros
multicores, fazendo-se mais coloridas as tardes aquecidas pelo sol da
primavera.
Tudo numa cronologia e parceria. A chuva faz rebrotar e o sol faz
colorir. A chuva faz frutificar, e o sol faz amadurecer. Quando a semente vir
ao chão e a chuva a terra molhar, o sol as fará germinar para proliferar e
perpetuar. Cada um cumprido o seu papel na medida certa, nem demasiado e nem
“minguado” cada um com a medida e o tempo adequado, porque assim Deus os fez.
Talvez o homem tenha interferido demais por isso tenha mudado. Mas quem
sabe mudamos de atitude, e tudo se regenere, se recupere e volte da forma como
foi pelo Criador; concebido e criado.
Fotos: Em torno da cidade de Curral de Dentro/MG 27/09/2025.
Buquês Delivery
10 de outubro de 2025
Hoje saindo da escola me deparei com uma cena curiosa e cheia das cores, tive que parar pra olhar mais de perto. Uma moto elétrica parada no canteiro à sombra dum ypê que dias atrás, estava cheio de flores, tanto quanto, a cesta da moto.
Não era Vital, mas um cidadão bem conhecido na cidade, de nome Davi, numa boa prosa com seu amigo “Zezinho” do Caldo de cana. Não bastasse as flores, estava trajado e vestido a rigor. Sua moto elétrica silenciosa, tocava um “forrozinho” –muito animado, apesar do sol quente das treze horas– que vinha duma caixa de som, em meio à cesta cheia de flores –sem perfume é claro– mas isso era recompensado, pelo exalar duma fragrância, que permeava por ali. A julgar pela fragrância floral, decerto fosse o desodorante Almas de flores. Hoje não estava sua cadelinha que também é sempre vista dando uma volta com ele em sua moto.
Eu sugeri a ele que oferecesse aquelas flores às moças que porventura, ele encontrasse em suas andanças pela cidade. Aí cria-se todo um cenário: Numa tarde de domingo, mulheres de sorrisos fáceis e faces alisadas por pó de arroz facial, depois de deixar a casa asseada e já de cara limpa, sentada na calcada. Quem sabe aceitasse uma flor? Não como forma de galanteio, mas dum gesto de gentileza, mesmo não sendo flores naturais, mas quiçá, naturalmente não quebre o encanto e lhe presenteie com um sorriso inesperado, pela também atitude, não inadvertida, mas despretensiosa e divertida.
Coisas de interior. Uma união de paz, tranquilidade, pouca velocidade e
preservação do meio ambiente por ser um veículo sem emissão de poluentes.
Fotos: Pracinha R. Águas Vermelhas em Curral de Dentro/MG - 10/10/2025.
Pondo a Mão em Cumbuca
28 de outubro de 2025
Desde os tempos de
criança, que já se ouvia o dito popular: "Macaco velho não põe a mão em
cumbuca". Difícil era dizer isso pras crianças duma época, que tudo
“assunta”, “bota sentido”, escuta e tudo “futuca”. Já grande, mais comedido, à
medida que chega a idade, puxa a "bride" da curiosidade. Passa, só
“óia”, será que é ovo de jararaca, cascavel ou jiboia? Talvez seja ovo de
coruja –que muitas vezes por ali, vejo a dita cuja– às vezes só, outras vezes
com a família e sempre de carinhas simpáticas e curiosas.
Descendo por uma estradinha, forrada por pequenas pedras de cascalho transparente. Em pequenas árvores –Tingui do cerrado– se via penduradas, várias caixinhas caprichosamente confeccionadas pela natureza. Onde sementes estavam cuidadosamente dispostas e arrumadas, como se joias fossem, –aliás; são joias sim– não de valor metal ou capital, mas de valor natural, que faz a vida florescer. Essa sim, pode pôr a mão, é uma “cumbuquinha” que traz a fertilidade e fecundidade, onde suas sementes serão espalhadas pela chuva, pelo vento e pelos seres, para germinarem.
Já de volta, num carreiro estreito, já lavado e de folhas ajuntadas às beiradas –pelas últimas chuvas dos dias 19 e 20 de outubro– uma velha ferradura à beira do caminho. Largada sobre a terra que a fez desgastar. Quanto tempo ela galopou presa ao casco, não se sabe. Agora está de volta à terra, de onde se extraiu o minério que a fez. Gasta, inservível e enferrujada, a chuva e o tempo, a fará ser absorvida pela mesma terra de onde saiu, e a fogo foi forjada.
Fotos: Em torno da cidade de Curral de Dentro/MG - 28/10/2025.
O Café "Tá" na Mesa
31 de outubro de 2025
Ornamentadas como se árvores de Natal fossem –o que aliás, não demora a chegar– pequenos cafeeiros exibem suas florzinhas branca-alvas, como se alvejadas à anil fossem. Tornarão frutos, verdes, colorindo de amarelo, depois de vermelho -como bolinhas Natalinas- colhidas do pé, secarão. Depois de torradas, "bandinhas' perfumadas, de cheiro marcante, se tornará em pó preto que será coado num coador ainda branco, por ser novo -presente do enxoval da recém-casada dona de casa- coando um cheiroso café, servido em xícaras esmaltadas decoradas com flores coloridas, alegrando as cozinhas, de janelas abertas para o nascer do sol, que faz desabrochar e colorir as cores, "escrevinhadas" nas flores, desenhadas à mão livre, pelo Criador.
Não bastasse as cores, ainda acrescentou gotas de sabores. Frutos, que
de gota em gota, pinga das folhas, faz crescer os frutos que dão mais sabores à
vida, deixando as casas, mais alegres e coloridas, com seu entorno perfumado.
Seja pelas flores, visitadas pelas abelhas –com suas dancinhas e seu zumbido em
alta frequência, que se junta ao canto dos pássaros– seja pela fragrância
adocicada, que permeia pela manhã e após o almoço, nas cozinhas.
Às vezes, só com uma prateleira com poucos utensílios, mas lares
abundantes de paz e tranquilidade, onde em cima da mesa, um bolo perfumado,
coberto com um pano bordado, com motivos florais, aguarda -vindo da escola- a
chegada dos filhos.
Trazendo mais alegria e gritaria, das brincadeiras debaixo dos pés de
café, que se torna para os pequenos, uma sala de estar, e eles sem saber,
transmitem aos adultos, o verdadeiro significado dum lar.
Fotos: Antiga "Escolinha de Tia Lia" Curral de Dentro- 31/10/2025.
Fruto do Cerrado
02 de novembro de 2025
Um dos frutos mais apreciados e saborosos do Cerrado, já está exibindo suas belas flores, para quando chegar em janeiro e fevereiro, já deixar cair seus frutos muito procurados. Um único inconveniente, é que não se pode comer muito apressado. Devido sua polpa muito macia após cozido, corre-se o risco, da língua ficar toda cravejada de pequenas “mini agulhas” –literalmente ficando parecida com um filhote de porco espinho– o que precisará de uma pinça, ou um par de unhas bem cuidadas e afiadas, duma filha ou duma afilhada, de "vista apurada" para removê-los.
Não bastasse a polpa muito saborosa, ainda pode se comer a castanha, que
após partir o caroço, tem que ter a atenção redobrada, para retirar a castanha
em meio a uma coroa de espinhos.
Para os marinheiros de primeira viagem, não se recomenda ir com muita
sede ao pote.
Lagoa Dourada -Taiobeiras/MG, 02/11/2025.
Música ao Longe
05 de novembro de 2025
Um dos sons mais desejados prum
sertanejo se ouvir, é o som do trovão. Soa como música agradável aos ouvidos,
quem passam meses, aguardando esse som que ecoa por entre as nuvens. Talvez o
segundo –porque o primeiro, certamente, é o “ploft” das gotículas de água
pingando do telhado ao redor da casa, na calçada rústica de pedras expostas–
quando se houve esse som, é sinal que o som dos trovões que ouvira antes, se
transformou na benção de Deus, tanto aguardada.
Água abençoada, vinda do céu,
pingando na bacia, das goteiras que se formaram no telhado de telhas comuns,
duma vida simples, que ao amanhecer, a terra que fora preparada, está molhada e
já começa a ser semeada. Os pássaros alegres a observar, com a mesma cantoria,
que o sertanejo começa o dia.
Não se sabe se é sina, carma ou
destino, o sertanejo passa por toda sorte de dificuldades: sejam elas de
natureza física, emocional ou financeira, mas não perde o brio e seu tino. Um
povo forte e resiliente, e de muita força espiritual e sabedoria divina, e
muito inteligentes. Deus os agraciou e os compensou por essas dificuldades,
contemplando-os com o dom, seja nas artes, seja na escrita poética, são mestres
por excelência.
O chão seco e rachado de uma lagoa,
se confunde com a face de pele enrugada, dos artesãos, duma terra de chuvas
escassas. Mas mesmo com mãos ásperas e calejadas, duma vida cheia de agruras,
moldando a argila com leveza, alisando-a com água –reaproveitada numa bacia–
transformando “barro cru” em arte primorosa, mas nem por isso valiosa, porque
muitas vezes, não são valorizadas à altura que se merecia.
E nesta tarde de hoje, não só ouvia o
trovão, mas dava para ver a Leste, o céu tocava o chão, em forma de cortina de
chuva, se descortinando no horizonte, molhando o chão norte mineiro, que tanto
carece de chuva, aquecido pelo sol quente dos últimos dias. A Oeste, o sol se
punha, em meio às nuvens alaranjadas. Mas como a chuva é milagrosa, após ela
cair na terra, tudo se renova tudo se regenera. Já aqui para nós, senão hoje,
talvez amanhã, senão amanhã, com certeza, um dia virá, assim como a esperança
do nordestino não acaba, de ouvir o trovão “raiar”, a chuva derramar, pra ter
molhar e logo plantar.
Esse som, que era ouvido pelos
pequenos, e dito pelos grandes, que eram enormes pedras de gelo colidindo, por
isso, ecoava no céu, como se fosse pedras rolando, e os meninos acreditavam,
porque logo depois caíam por entre as telhas, pedrinhas geladas e cristalinas
–aumentando ainda mais, a crença, naquele universo infantil– muitas vezes
descendo tão rápido, que ao cair, se transformavam em picolé. Era uma alegria,
apesar do susto dos relâmpagos, que a mãe mandava tapar o espelho da sala com a
toalha, senão puxava o relâmpago.
Mesclando com o som do trovão ao
longe, ouvia-se mais próximo, a cantoria das cigarras –canto em alta frequência
que as fazem “pipocar” – pra uns, adivinhando chuva, pra outros, sinal de tempo
de sol firme, ou quem sabe, seja o canto dos machos, para com as fêmeas
enamorar.
Certo é, que todo ano, a natureza
cumpre seu papel, não é reprise, é a natureza que se faz cumprir o que Deus
criou, para sempre na época certa vir; se o homem não interferir.
Fotos: Logo ali, em mais uma caminhada, ao redor da cidade-
05/11/2025.
https://www.facebook.com/100002453088975/videos/pcb.25141910525474037/1491653601916013
Noite ao Relento
10 de novembro de 2025
Foto: Rua Primeiro de Janeiro, Curral
de Dentro/MG – 10/11/2025.
Verde... quem dera que sempre Fostes
15 de novembro de 2025
Chuva que
caiu
Nem faz tantos dias
Folhas que logo brotaram
Preenchendo os galhos,
Cinzas de outrora, mas agora...
A vida que quase perecia,
Agora dá lugar ao verde que irradia.
Botão desabrocha, se aflora
Fruto chega cresce, amadurece
A natureza aos seres os oferece
E alegres e saciados, a agradece
Os humanos também os cobiça
Senão agradece, ao menos os reconhece.
Uma riqueza simples, natural
O que nos parece elementar; é essencial
Pois além dos seres alimentar
Suas árvores purificam o ar.
Respiramos e talvez não percebamos
Mas o mesmo ar que poluímos
Elas nos devolvem puro
E ainda assim, continuamos...
Na contramão da preservação
Evoluindo mas também destruindo
Ou seria “involuindo” voluntariamente
E sabidamente; negacionista e inconsequente.
Fotos: Natureza nos arredores da cidade de Curral de Dentro/MG.